No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Data Act da União Europeia: um modelo de regulação de dados?

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Em 27 de novembro de 2023, o Conselho Europeu chegou a um texto final para o chamado Data Act, em resposta à proposta da Comissão Europeia de 2022. O novo regulamento, que passará a ser aplicado 20 meses após sua entrada em vigor, poderá ter impactos significativos no mercado de tecnologia, pois chega, em determinados casos, a obrigar o compartilhamento de dados pessoais e não pessoais entre concorrentes.

Diante do potencial de crescimento da economia dos dados, seu maior objetivo é fazer com que a Europa se torne uma liderança em sociedades baseadas em dados (data-driven societies) e na expansão do mercado da Internet das Coisas.

O Data Act busca complementar a Data Governance Regulation de novembro de 2020, ao esclarecer quem pode criar valor a partir dos dados e sob quais condições, bem como introduz regras em relação ao uso de dados gerados por aparelhos conectados à Internet das Coisas. Ou seja, enquanto a Data Governance Regulation facilita a partilha de dados entre setores e Estados-Membros, o Data Act busca ampliar o horizonte de quem pode criar valor a partir desses dados, com o objetivo de restringir os efeitos de eventuais monopólios e oligopólios baseados no processamento e tratamento de dados.

A estratégia emerge a partir da preocupação europeia com a ausência de provedores de serviços de processamento de dados sediados na Europa. Em um cenário em que empresas sediadas nos Estados Unidos da América (EUA) fornecem mais de 70% dos serviços de nuvem na Europa, número que políticos e reguladores locais tentam reduzir, a ideia é que o continente europeu seja capaz de controlar e se beneficiar do valor dos dados industriais que são produzidos em seu espaço, especificamente para reduzir sua dependência em relação às companhias estadunidenses para obter dados.

O principal foco da nova regulamentação, nesse sentido, são justamente as empresas de tecnologia que atuam na União Europeia, exigindo que compartilhem dados proprietários (proprietary data) e de propriedade intelectual com concorrentes. Os artigos 4(3) e 5(8) do Data Act preveem que os segredos comerciais devem ser divulgados, desde que sejam tomadas todas as medidas específicas necessárias para preservar sua confidencialidade.

O Data Act visa a otimizar o valor dos dados na economia, assegurando que um número cada vez maior de stakeholders tenha controle sobre seus dados e que uma quantidade maior de dados esteja acessível para propósitos inovadores, ao mesmo tempo em que busca preservar os estímulos para investir em sua criação. Nesse sentido, o regulamento possibilitará a disponibilização de mais dados para utilização e estabelecerá regras sobre quem pode acessar e utilizar os dados produzidos em todos os setores econômicos da União Europeia, além de indicar as finalidades permitidas para seu uso.

A regulação, dessa forma, busca aumentar a competitividade do mercado europeu no setor de serviços em nuvem. A título de exemplo, por meio do Data Act, usuários de dispositivos conectados à Internet das Coisas, como carros, geladeiras e smart phones poderão ter controle sobre seus dados, a fim de evitar que os consumidores sejam forçados a comprar produtos ou serviços de determinados vendedores (vendor lock-in), além de permitir que os governos possam acessar os dados controlados por companhias privadas em caso de emergência.

Nesse sentido, ponto central do Data Act reside justamente em promover mais acessibilidade aos dados gerados por tais dispositivos conectados. A regulamentação define os requisitos para o compartilhamento de dados entre empresas e entre empresas e consumidores. Assim, de um lado, os usuários podem solicitar seus dados e compartilhá-los com terceiros, como serviços de reparo independentes, e, de outro, os detentores de dados têm a obrigação de disponibilizá-los aos destinatários “em condições justas, razoáveis, não discriminatórias e transparentes”. A regulamentação reforça o direito dos usuários de alternar entre provedores de serviços de processamento de dados.

O Data Act também obriga os provedores de serviços de armazenamento em nuvem a tomar medidas para proteger os dados dos clientes contra leis de acesso a dados de governos estrangeiros extraterritoriais que podem (ou não) entrar em conflito com as leis nacionais ou da União Europeia sobre privacidade ou outros direitos fundamentais da UE, além de suas disposições sobre propriedade intelectual, incluindo segredos comerciais, e os interesses fundamentais dos Estados-Membros relacionados à segurança ou defesa nacional.

Isso pode ser particularmente desafiador para companhias sediadas nos Estados Unidos que se baseiam em transferências internacionais de dados, e pode ter um significativo impacto financeiro para garantir sua adaptação. O artigo 27, que trata de acesso e transferências internacionais de dados, é particularmente relevante, pois tem a capacidade de proibir que empresas estadunidenses operem em determinados setores do mercado caso tais transferências possam criar conflitos com o direito europeu.

Em relação à liberdade contratual, a regulamentação também procura garantir que pequenas e médias empresas não sejam sujeitas a contratos injustos a partir de uma lista “cinza” e uma lista de práticas contratuais proibidas. Para esse fim, a Comissão Europeia tem o objetivo de elaborar modelos de contratos considerados justos de acordo com seus dispositivos.

Por fim, é importante destacar que o Data Act propõe uma série de medidas para reduzir e remover encargos de mudança (switching charges) impostos em provedores de serviços de processamento de dados, a fim de facilitar a troca entre provedores de serviços em nuvem e outros serviços de processamento de dados pelos clientes. Para atingir esse objetivo, o Data Act busca regulamentar como os provedores de serviços em nuvem podem cobrar pela mudança e o que se espera que os clientes paguem para mudar para outro provedor. Tal possibilidade de compartilhamento é essencial para evitar a formação de monopólios, pois poderá permitir os benefícios existentes, por exemplo, em práticas como a de open finance no setor financeiro.

Mas existem também custos na implementação do Data Act que precisam ser considerados. Para além dos custos de adaptação impostos às companhias estrangeiras, especialmente estadunidenses, o aumento dos custos dos serviços digitais também traria consequências negativas para o mercado europeu devido à ampliação dos gastos com compliance regulatório. Teme-se que a proposta do Data Act possa prejudicar o surgimento de plataformas europeias competitivas ao encorajar a dependência no acesso facilitado aos dados regulados, o que criaria um cenário de serviços digitais menos dinâmico.

No entanto, parece-nos que o Data Act pode ter efeitos muitos benéficos para o mercado europeu, pois estimulará companhias que queiram entrar em novos mercados de tecnologia ou que desejem contestar agentes do mercado já estabelecidos. É um tipo de regulação muito mais sofisticada que o modelo de mera proteção de dados pessoais, como o adotado no Brasil pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Caso o Data Act atinja seus objetivos, a comunidade europeia estimulará um mercado competitivo de produtos relacionados à Internet das Coisas.

Sem um regime semelhante, o mercado brasileiro permanecerá como um mero mercado consumidor de tais produtos, ao invés de utilizar a oportunidade de mais um processo de revolução tecnológica para dar um salto em seu desenvolvimento econômico. Em razão disto, é importante acompanhar a implementação do Data Act pela União Europeia e considerar a necessidade da adoção de medidas similares no Brasil para proteger nosso nascente mercado de start-ups.

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