O que é efetividade em matéria de legislação e políticas públicas?

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O conceito jurídico “efetividade” conta com múltiplos sentidos.

Com a constitucionalização do dever de avaliação das políticas públicas no art. 37, § 16, da CF, incluído pela EC 109/2021, o significado de efetividade assume relevo, pois é em torno dessa noção que muitas policies precisam ser avaliadas. Inclusive, uma das tradicionais metodologias consiste precisamente na análise custo-efetividade, para comparar as relações existentes entre o alcance de objetivos e a alocação dos recursos disponíveis.

O problema é que, na prática, como se dizia, efetividade pode significar muitas coisas, de forma parecida ao que acontece com a expressão “devido processo legislativo”.

No contexto da Teoria do Direito, por exemplo, a efetividade pode expressar a aptidão da norma jurídica para produzir efeitos, composta por dois elementos: efetividade jurídica e efetividade social. A efetividade jurídica estaria relacionada à presença dos elementos hipótese, disposição e sanção, o que permite a geração de efeitos no mundo dos fatos; já a efetividade social compreenderia o respeito da norma pela maior parte da sociedade, no sentido de um amplo cumprimento ou reconhecimento daquela disposição como norma.[1]

Já na formulação consagrada por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,[2] por exemplo, a efetividade aparece como sinônimo de eficácia social. Nesse sentido, a efetividade ou eficácia social da norma decorreria da existência de condições fáticas adequadas para produção de efeitos na realidade, ou seja, um dado eminentemente factual, concreto, que, entretanto, não se confunde com a observância ou obediência.

De acordo com Ferraz Jr., a obediência é um critério relevante para o reconhecimento da efetividade, mas esta última não se reduziria àquela. Há normas que nunca chegam a ser obedecidas, mas podem ser consideradas socialmente eficazes, a exemplo das que estabelecem prescrições simbolicamente reclamadas pela sociedade, mas que, se efetivamente aplicadas, produziriam “insuportável tumulto social”. Haveria um efeito simbólico, a exemplo da previsão constitucional do salário-mínimo, que não é suficiente para a plena satisfação dos quesitos elencados pelo constituinte, mas tende a impulsionar a ação nesse sentido.

O referido autor diferencia a efetividade ou eficácia social do que chama de eficácia técnica. A eficácia técnica, resumidamente, se refere a certos enlaces entre as normas, sem os quais não produzem efeitos, ou seja, condições técnico-normativas exigíveis para sua aplicação. Por exemplo, uma norma que transfere para outra uma definição não produzirá efeitos enquanto essa última não existir. Será ineficaz tecnicamente.

A revisão da literatura revela outros autores que também tomam efetividade e eficácia como sinônimos ou, ao menos, noções muito atreladas. Os próprios parlamentares também acabam tomando eficácia por efetividade.

Ainda há quem associe efetividade à sanção que acompanha a norma (em que a coação seria elemento essencial à sua observância)[3] ou à legitimidade perante os que devem observar a norma (envolvendo a percepção de igualdade, fruto das características de generalidade e abstração).[4]

Para além dessas formulações no contexto na Teoria do Direito, é possível encontrar outra vertente dotada de normatividade: a utilizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em suas auditorias operacionais.

De acordo com o Manual de Auditoria Operacional do TCU (Manop), a auditoria operacional é o “exame independente, objetivo e confiável que verifica se empreendimentos, sistemas, operações, programas, atividades ou organizações do governo estão funcionando de acordo com os princípios de economicidade, eficiência, eficácia e efetividade e se há espaço para aperfeiçoamento” (p. 14).

Nesse contexto, a efetividade diz respeito ao real alcance dos objetivos pretendidos, a médio e longo prazo. Constitui a relação entre os resultados concretos de uma intervenção ou programa, em termos de efeitos sobre a população-alvo (impactos observados), e os objetivos pretendidos (impactos esperados), traduzidos pelos objetivos finalísticos da intervenção.

O exame da efetividade implica examinar a ocorrência de mudanças na população-alvo que se poderia razoavelmente atribuir às ações do programa avaliado, e não a outros fatores (p. 17-18). Tal exame vai além do cumprimento de objetivos imediatos ou específicos e busca estabelecer uma relação de causalidade entre as variáveis do programa e os efeitos observados, comparando-os com uma estimativa do que aconteceria caso o programa não existisse (p. 18). O conceito de efetividade nesses moldes é utilizado pelo TCU em auditorias operacionais, que podem levar à expedição de determinações.

Exemplo dessa acepção de efetividade é extraído do voto vencedor do Acórdão 2648/2022 – Plenário, que tratou de auditoria operacional nos indicadores de desempenho das “políticas trabalhistas passivas”, com objetivo de avaliar os indicadores de desempenho das transferência monetárias para os trabalhadores desempregados, contribuindo para uma discussão adequada junto ao Congresso Nacional sobre a eficácia, eficiência e efetividade desses instrumentos. O relator consignou o seguinte:

“A avaliação dos indicadores de taxa de desemprego, taxa de crescimento do emprego formal, taxa de informalidade, taxa de rotatividade e admissões e desligamento consistiu na verificação de aderência de cada um deles aos atributos considerados desejáveis para que eles possam servir de elementos adequados à mensuração da efetividade dos resultados da política pública a que se relacionam”.

Em outra decisão, relativa à auditoria operacional de economicidade e eficiência no âmbito do Programa Auxílio Brasil (PAB), o TCU constatou piora no “custo-efetividade” do PAB “atual” (acrescido de mais 200 reais por família) em comparação com o PAB “cesta raiz” e o Bolsa Família. Para redução de 1 ponto percentual (p.p.) do hiato de pobreza (impacto na realidade), o PAB com acréscimo teve custo estimado de R$ 1,72 bilhão/mês, enquanto a estimativa da “cesta raiz” seria de 1,50-1,58 bilhão/mês e a do Bolsa Família, de 1,43 bilhão/mês.

Em ambos os casos, a efetividade foi verificada à luz da conceituação do Manop, em um sentido técnico, lingando-se à aferição da medida em que os objetivos de uma determinada legislação ou política pública foram alcançados.

Entretanto, a pesquisa junto aos acórdãos do TCU também aponta o uso do termo efetividade em consonância com a formulação de Ferraz Jr., ou seja, como implementação fática, ou observância concreta, do comando normativo na realidade social. É o que se encontra no Acórdão 2649/2022 – Plenário, em que ficou registrado: “Complementarmente, propõe [a unidade técnica] que os referidos responsáveis implementem, no prazo de 300 dias, as soluções de interoperabilidade e compartilhamento do Sinarm, do Sigma e do Sinesp, de modo a dar efetividade ao art. 8º do Decreto 9.847/2019”.

Pode-se inferir, a partir do levantamento realizado, que a multiplicidade de sentidos aventada encontra eco tanto na Teoria do Direito, quanto no TCU e no Legislativo. As diversas referências à “efetividade” de forma inconsistente revelam que nem mesmo a definição do Manop tem sido capaz de uniformizar o uso da expressão no tribunal.

Como se viu, ao menos em sentido técnico, em se tratando da avaliação de políticas públicas, a efetividade afere a medida em que os objetivos de uma determinada legislação ou política pública foram alcançados. Entretanto, o sucesso normativo pode não estar relacionado à efetividade, necessariamente. Embora isso tenha sido constatado pela Teoria do Direito, não está no Manop.

Por essa razão, convém chamar a atenção para essa dimensão “tecnopolítica” da avaliação da legislação e das políticas públicas: toda avaliação é atividade inevitavelmente orientada por valores e paradigmas diversos, com técnicas suscetíveis à falibilidade. “Técnica” e “política” são ingredientes que se misturam quando o tema é avaliar a efetividade de uma política pública.

A principal finalidade é produzir evidências, compilar dados e sistematizar estudos que contribuam para o aperfeiçoamento das políticas públicas. Com isso, evita-se que políticas públicas sejam baseadas em meras boas intenções e “achismos”. A avaliação oferece subsídios, entretanto, que não são determinantes para a decisão subsequente a respeito do que deve ser feito.

Então, se de um lado é preciso entender o que significa efetividade em cada contexto; de outro, é necessário aceitar que, em democracias, os resultados das avaliações da legislação e das políticas públicas precisarão ser submetidos ao escrutínio dos demais atores e destinatários envolvidos, bem como debatidos pelos parlamentares no âmbito do Poder Legislativo, que também tem competência para realizar avaliações, a exemplo do que prevê o art. 96-B do Regimento Interno do Senado Federal (RISF). Mas isso já é tema para outro texto.

[1] Nesse sentido, por exemplo, confiram-se: BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993; SANTOS, Marcos André. A efetividade das normas constitucionais: as normas programáticas e a crise constitucional. Revista de Informação Legislativa, a. 37, n. 147, p. 5-14, 2000; etc.

[2] FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 167 e ss.

[3] Por exemplo, CARBONNIER, Jean. Sociologia Jurídica. Coimbra: Almedina, 1979. Para esse autor, a efetividade do Direito está na noção de que: “(…) a norma, sendo feita para se aplicar, requer uma coação que assegure a sua aplicação. A sociedade que produz as normas produz também uma coação que se exerce sobre o que se desvia de sua observância (…)” (p. 192).

[4] Por exemplo, LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo Processo. Brasília: Editora da UnB, 1980. Muito resumidamente, de acordo com esse autor, o Direito se torna legítimo e efetivo por meio da adoção de procedimentos que igualem formalmente todos os sujeitos, fornecendo as mesmas oportunidades.

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