STF: Imprensa e jornalistas só respondem civilmente em caso de culpa grave ou dolo

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Por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou, nesta quarta-feira (22/5), uma tese que visa evitar o assédio judicial contra jornalistas e veículos de imprensas e proteger a atuação dos profissionais. Os ministros fixaram que “a responsabilidade civil de jornalistas ou de órgãos de imprensa somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou de culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos)”.

Além disso, em relação ao assédio judicial contra jornalistas, ficou definido que:

Constitui assédio judicial, comprometedor da liberdade de expressão, o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou o efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa;
Caracterizado o assédio judicial, a parte demandada poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio.

O mérito foi apreciado nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 6.792 e 7.055, movidas respectivamente pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Na última quinta-feira (16/5), o julgamento foi retomado com o voto-vista do presidente do STF, Luís Roberto Barroso. O voto de Barroso, que conhece procedente a ADI 7.055 e parcialmente procedente a ADI 6.792, e prevê a juntada das ações no foro de seu domicílio, foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

Pelo fato de a ministra Rosa Weber, relatora das ações, já ter proferido o seu voto em ambas as ações, o ministro Flávio Dino, ocupante da vaga dela, não pôde votar no julgamento das ADIs.

Em sua análise, Barroso afirmou estar fazendo uma proposição mais ”genérica” do que a ministra Rosa Weber quanto à responsabilização do jornalista ou do veículo em caso de inequívoco o dolo ou culpa grave em decorrência da matéria jornalística.

O ministro ilustrou que para superar a liberdade de expressão, impõe-se um ônus argumentativo maior para quem a questiona, visto que esta é considerada pelo próprio Supremo como uma ”liberdade preferencial”. Reforçou que a liberdade de expressão é ”imprescindível” para a democracia que depende da participação das pessoas. Também ressaltou que a liberdade de imprensa é uma das poucas atividades privadas ”expressamente mencionadas na Constituição” para uma proteção especial. Barroso também considerou como legítima a pretensão da reunião das ações que tratam do mesmo tema, assim como já fazem a Lei Civil Pública, a Lei da Ação Popular e a Lei da Improbidade Administrativa.

Entretanto, quanto ao pedido para que a penhora em dinheiro deixasse de ser o mecanismo preferencial para satisfação de execução em face de jornalistas, Barroso votou por não deferi-lo por considerar que já é parte de um tema ”adequadamente tratados na legislação” e não é passível de uma regulação em abstrato. Desse modo, analisou ser necessária a análise de caso concreto para caracterização de dano moral ou de dano material, bem como os mecanismos relativos aos bens da família, no caso da penhora.

Já no que diz respeito à responsabilização do jornalista ou do veículo de imprensa, Barroso entendeu que deve ser adotado um critério universalizado pela Suprema Corte Americana, que construiu o conceito de ”malícia real”, relacionado ao caso do The New York Times vs Sullivan. Segundo o ministro, tal critério se aplica quando o jornalista divulga uma notícia sobre a qual ele sabia da falsidade, ou quando ele manifesta negligência na apuração dos fatos.

O ministro Zanin propôs que a tese apresentada por Barroso também contemplasse a possibilidade de os juízes extinguirem, por iniciativa própria, os processos que reconhecerem se tratar de uma tentativa de assédio judicial contra os profissionais.

Em contrapartida, o ministro Alexandre de Moraes sugeriu que houvesse a alteração do critério de ”culpa grave” para ”negligência profissional na apuração dos fatos”, os ministros Dias Toffoli, Flávio Dino, Nunes Marques e Gilmar Mendes concordaram com a proposta de Moraes.

No entanto, durante o debate com os ministros, Barroso ressaltou que em um país que possui um histórico de censura como Brasil e, mais recentemente, censura judicial, se os ministros não colocarem o adjetivo ”grave”, haveria a possibilidade de tornar os jornalistas mais vulneráveis a esse tipo de censura.

As ADIs começaram a ser julgadas em plenário virtual, mas a relatora das ações, a ministra aposentada Rosa Weber, deliberou que a análise do mérito fosse apreciada pelo Plenário físico do Supremo. À época, a ministra definiu que a medida levava em consideração a ”relevância do tema e seu especial significado para a ordem social e para a segurança jurídica”.

Voto da relatora

Na ADI 6.792, a ministra e relatora Rosa Weber havia votado para julgar parcialmente procedente o pedido, para assentar que o conteúdo de opinião, notícia, informação ou ideia que configure ”ato ilícito”, corresponda à ameaça, intimidação, incitação ou comando à discriminação, à hostilidade ou à violência, ainda que psicológica ou moral.

”Também configura disseminação deliberada de desinformação, manipulação de grupos vulneráveis, ataque doloso à reputação de alguém ou apuração negligente dos fatos, risco à segurança nacional, à ordem, à saúde ou à moral públicas, ou, ainda, quando configurar propaganda em favor da guerra, guerra civil, ou insurreição armada ou violenta, ou apologia ao ódio nacional, racial ou religioso”, escreveu Weber. Leia o voto da relatora na ADI 6.792 na íntegra.

Por outro lado, na ADI 7.055, a ministra Rosa Weber não conheceu do pedido de interpretação conforme ”a Constituição dos arts. 53, IV, “a”, 55, § 3º, e 69, II e § 2º, VI, do Código de Processo Civil e do art. 4º, III, da Lei 9.099/1995”.

”Nessas condições, exorbita dos limites semânticos impostos pelos textos impugnados o pedido de interpretação conforme a Constituição para fixar no domicílio do réu o foro competente para processamento das ações indenizatórias decorrentes do exercício das liberdades de expressão, de imprensa e de informação, com reunião das diferentes ações para processamento e julgamento conjunto”, escreveu. Leia o voto da ministra Rosa Weber na íntegra.

O que dizem as ações

Na ADI 6.792, ajuizada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), há o questionamento do uso excessivo de ações judiciais para restringir a atuação livre de jornalistas e órgãos de imprensa. A ABI explica que proliferam no Brasil decisões judiciais que, na fixação da indenização e em sua execução, produzem, como resultado, um indesejado “efeito silenciador da crítica pública”, em afronta à liberdade de expressão, de informação jornalística e ao direito à informação.

As indenizações, argumenta, interrompem ou prejudicam gravemente o funcionamento de órgãos de imprensa e ameaçam a subsistência de profissionais de comunicação. Para a ABI, jornalistas e veículos de imprensa quando publicam, de boa-fé, matérias sobre casos de corrupção ou atos de improbidade que não foram objeto de uma comprovação definitiva, não devem sofrer risco de retaliações, por meio do ajuizamento de ações cíveis.

Já na ADI 7.055, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) busca estabelecer o domicílio do réu como foro competente e a reunião de processos para julgamento conjunto em casos de assédio judicial.

Segundo a Abraji, essa prática se caracteriza quando uma pessoa ou uma causa se torna alvo de um grande número de processos em um curto espaço de tempo. As ações são fundadas nos mesmos fatos e ajuizadas em diversos locais diferentes. “Os autores não estão preocupados propriamente com o resultado dos processos, mas com o efeito que a enxurrada de ações causa no réu”, assinala.

A entidade sustenta na ADI que dispositivos do Código de Processo Civil (CPC) e da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) permitem ao autor da ação escolher o local em que ela será proposta. No entanto, a pretexto de exercer um direito e usando prerrogativas que lhes são asseguradas, as ”pessoas têm desbordado para uma prática abusiva, a fim de prejudicar e constranger”.

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