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O Brasil fez um esforço para universalizar o acesso à educação básica no Brasil e tem melhorado continuamente os indicadores de qualidade. Avançamos, mas ainda estamos longe. Menos da metade dos jovens de 20 a 24 anos dentre os 25% mais pobres concluíram o ensino médio (PNAD, 2019); um em cada cinco jovens nos anos finais do ensino fundamental estão com pelo menos dois anos de atraso (Fonte: Indicador de Distorção idade-série – Inep, 2022); apenas 5% dos jovens que concluem o ensino médio têm um aprendizado considerado adequado em matemática ao final do 3º ano (Fonte: Saeb, Inep[1]).
Para mudar essa realidade, é necessário transformar o que está acontecendo agora em cada sala de aula das 138 mil escolas públicas no Brasil. Os resultados insuficientes da educação brasileira de amanhã já estão sendo plantados agora. Precisamos de grande escala.
As tecnologias digitais têm produzido mudanças em larga escala nos setores que se digitalizam. Para ilustrar o que digo, uma publicação de 2018 comparou o tempo que determinado produto ou serviço levou para atingir 50 milhões de usuários[2]. O avião levou 64 anos; o automóvel, 62; a televisão levou 22 anos; o Facebook levou 4 anos; o Pokémon Go levou 19 dias. Plataformas como Uber, Airbnb, iFood e outras transformaram completamente a forma de se hospedar e se locomover nas cidades do mundo.
O Brasil possui alguns exemplos de processos digitais que ganharam grande escala em curto espaço de tempo. O Pix, lançado em outubro de 2020, três anos depois realizou 3,9 bilhões de transações feitas por 161 milhões de usuários. O que permitiu ao Pix chegar a milhões de pessoas em tão curto espaço de tempo?
Plataformas que conseguiram atrair milhões de usuários em curto espaço de tempo têm algumas características que tornam a adesão possível: efeitos de rede, ou seja, quanto mais gente adere, maior o valor gerado para cada indivíduo; e adesão descomplicada e escalável de modo rápido e fácil. Existe algo na educação que tenha essas características? Desconheço. O mercado de tecnologias da educação no Brasil é fragmentado, o processo de compras é complexo, a implementação é difícil e os riscos são muito elevados. Dificilmente teremos mudanças de grande escala assim.
Pelas características do sistema educacional brasileiro, soluções de grande escala devem ser conduzidas e facilitadas pelo Ministério da Educação. O MEC deve criar as condições para que a adesão seja simples e descomplicada e tenha efeitos de rede para acelerar a adoção. Essas condições são criadas a partir da criação e disponibilização de uma infraestrutura pública digital para a educação.
O Centro para Infraestrutura Pública Digital[3] define infraestrutura pública digital como “uma abordagem para resolver problemas socio-econômicos em grande escala, combinando intervenções tecnológicas minimalistas, governança das relações público-privadas e inovações de mercado”. No Brasil, o Pix é um exemplo de infraestrutura pública digital, assim como o serviço Gov.Br. O Centro de Inovação para Educação Brasileira (CIEB) tem feito esse debate no Brasil[4].
O MEC possui alguns serviços que podem ser convertidos em infraestruturas digitais públicas. Um destes serviços seria a criação, manutenção e a governança de um cadastro da educação, de estudantes e trabalhadores da educação, oferecendo esse serviço de acesso ao cadastro às redes de ensino. O conceito de infraestrutura digital pública também traz a ideia de “separar problemas e soluções em blocos reutilizáveis com protocolos e especificações abertas para conectá-los”. Um programa como o Pé de Meia, por exemplo, poderia ser uma oferta conectada ao cadastro, acompanhamento da frequência, integração com outros serviços públicos.
Outra infraestrutura digital pública que poderia ser criada é a gestão da conectividade das escolas. O governo federal se comprometeu a levar conectividade significativa a todas as escolas do Brasil. Como vai ser a gestão dessa conexão? Como monitorar a qualidade? Como definir regras de uso? Como assegurar um padrão de monitoramento? Cada escola do Brasil terá que dar uma resposta a estas perguntas, serão milhares de horas/homem dedicadas a resolver estes problemas que poderiam ser minimizados a partir de uma infraestrutura pública digital desta natureza.
No ensino superior, esse cadastro permitiria a construção de políticas públicas para redução da evasão no ensino superior, de acompanhar a ajudar na inserção de egressos no mercado de trabalho, políticas para redução na ociosidade de vagas.
Avaliações também podem ser construídas sob a ótica de infraestrutura digital pública. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo, pode ser oferecido de maneira continuada, digital e servir como porta de entrada para diversos processos seletivos. Outras avaliações de competências e habilidades podem ser realizadas de maneira continuada, reduzindo o custo de transação no momento da seleção. A avaliação pode estar combinada a ofertas de trajetórias para obter habilidades e conhecimentos que foram considerados insuficientes na avaliação.
As possibilidades são infinitas a partir da oferta de uma infraestrutura digital pública que reduz custos de implantação de tecnologias. Sem essas infraestruturas, é como se a gente precisasse abrir a estrada com nossas próprias mãos para conseguir andar de carro.
O MEC tem condições de fazer isso? No atual arranjo institucional, é muito difícil. Suas três principais autarquias, o Inep, responsável pelas avaliações educacionais e pelas estatísticas, o FNDE, que operacionaliza as principais políticas de suplementação financeira aos estados e municípios, e a Capes, responsável pela pós-graduação e formação de professores, estão atuando no limite da capacidade para manter funcionando as políticas existentes. Além disso, por serem autarquias públicas, acabam por não tendo a flexibilidade necessária para dar conta desta nova missão, além de representar um desvio de suas missões atuais. Essas autarquias fazem muito bem o que se propõem a fazer hoje e são ações estruturantes para a educação.
Propõe-se avaliar a criação de uma nova organização, a DataMEC, podendo ser uma empresa pública, um serviço social autônomo, uma fundação pública de direito privado, para criar, implementar, fazer a gestão e a governança de infraestruturas públicas digitais para a educação. Há alguns exemplos de organização desta natureza, como a AgSus[5], a EBSerh, a combinação Fiocruz[6] e Fiotec[7].
Já seria criada com duas missões: criar o cadastro da educação, que abrangeria do ensino básico ao superior, de entidades públicas e privadas e assumir a governança da conectividade das escolas, que serão conectadas no âmbito da Estratégia Nacional de Escolas Conectadas.
Novas missões podem ser atribuídas à nova organização por meio de pactuação no âmbito do Sistema Nacional de Educação. Importante definir que ela irá se financiar pela oferta de serviços para a União, estados e municípios, podendo ser contratada diretamente, de maneira simples e descomplicada. É fundamental que os recursos da educação possam ser utilizados na contratação desta nova organização.
Esta nova instituição também pode assumir o protagonismo em relação ao uso da inteligência artificial na educação para garantir uma regulamentação adequada, mediar a formação de professores e disponibilizar, também como infraestrutura digital pública, os meios para a adoção da tecnologia, se assim os atores que fazem a educação no Brasil entenderem.
A educação brasileira precisa de um novo salto para mudar de patamar. A digitalização pode potencializar este salto, mas para isso, precisamos de reunir os melhores do país e do mundo para criar a capacidade de formular e implementar as políticas educacionais que trarão os resultados que esperamos.
[1] https://qedu.org.br/brasil/aprendizado
[2] https://www.visualcapitalist.com/how-long-does-it-take-to-hit-50-million-users/
[4] https://cieb.net.br/wp-content/uploads/2024/03/Nota-Tecnica-CIEB-IPD.pdf
[5] https://agenciasus.org.br/