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A lentidão dos projetos de infraestrutura – sobretudo aqueles por trilhos – é fato presente no imaginário popular brasileiro. Não é para menos: projetos e obras de transporte público, por exemplo, costumam demorar anos para serem concluídos.
O cenário das ferrovias é ainda pior. Nos anos 1960 e 70, houve o desmonte da relevante malha ferroviária brasileira. Para os passageiros restaram, apenas, as estradas de ferro Vitória a Minas e a Carajás. De resto, locomoção via estradas – mais suscetíveis a congestionamentos e acidentes – ou, para trajetos longos, avião.
Justamente por isso, o dia 29 de fevereiro de 2024 tem tudo para entrar nos livros de história como o marco da retomada da malha ferroviária de passageiros no Brasil.
E o retorno não podia ser melhor: no último dia de fevereiro deste ano foi licitado o projeto de concessão do Trem Intercidades, que ligará o município de São Paulo ao município de Campinas, dois dos principais centros logísticos, empresariais, industriais e sociais do Brasil.
O projeto é icônico por ligar por meio de um trem expresso os dois centros em pouco mais de uma hora, com apenas uma parada, em Jundiaí, outro fundamental centro logístico do Brasil.
O projeto contempla a concessão da Linha 7, uma das mais importantes do sistema metroferroviário paulista, e a criação do Trem Intermetropolitano (TIM), trem parador que ligará Jundiaí a Campinas, passando por importantes municípios do interior paulista.
A licitação, vencida pelo consórcio formado pela brasileira Comporte e pela chinesa CRRC, simboliza não somente a retomada da matriz ferroviária de passageiros, mas a conexão entre quase trinta milhões de pessoas, que vivem e trabalham nas três regiões metropolitanas envolvidas no projeto.
Não custa lembrar que as regiões metropolitanas de São Paulo, Jundiaí e Campinas correspondem, somadas, a 66,4% do PIB do estado de São Paulo;
Há, ainda, um marco nesse projeto. O Governo do Estado de São Paulo estuda o projeto de implantação de um trem intercidades há mais de dez anos. Nesse período, diferentes projetos foram estudados e planejados por diferentes governos para a chamada Macrometrópole Paulista.
O TIC simboliza um passo inicial no extenso plano de logística do estado de São Paulo. E, ressalta-se, um passo dos mais importantes: nos últimos anos, foram necessários estudos aprofundados, interlocução com municípios, órgãos públicos, funcionários públicos e sociedade civil e uma série de avaliações para entender como o projeto “pararia de pé”.
Porque a lenda do imaginário popular brasileiro da lentidão dos projetos de infraestrutura é realmente verdade, mas esconde, por vezes, a realidade destas parcerias.
Tirar o TIC do papel não foi fácil. Foram necessários acordos com os 11 municípios envolvidos e que receberão estações – muitas delas utilizadas antigamente e que estavam destinadas a outras funções.
Outro desafio foi a segregação dos modais de carga e passageiro. Atualmente, parte das linhas de trens metropolitanos – administrada pela CPTM – divide os trilhos com os trens de carga. Além de mitigar os riscos à segurança e à integridade, a segregação de carga e passageiros reduz o tempo de espera dos trens e de viagem.
E pela interface com a carga, o estado de São Paulo precisou fazer, também, o dever de casa das interfaces com as concessionárias federais de ferrovias e, claro, com a própria União.
Alinhar a remuneração do parceiro privado também foi um desafio superado ao longo dos estudos. Os altos investimentos – em torno de R$ 13 bilhões – e a experiência recente do governo paulista em concessões metroferroviárias, fizeram com que o projeto buscasse inovações para garantir a sustentabilidade econômico-financeira.
Juntos aos tradicionais aportes de recursos e contraprestação pecuniária, o parceiro privado receberá um pagamento por disponibilidade que cobrirá os custos operacionais. O pagamento contemplará, ainda, um valor variável, dimensionado pelos quilômetros rodados pelos trens.
Em relação ao trem expresso, a tarifa tem valor teto de R$ 64. O parceiro privado, por sua vez, poderá estabelecer um sistema próprio, com tarifa por km, diferenciado por classes e descontos em função da sua política comercial.
No trem expresso, de maneira similar a projetos desenvolvidos em outros países, o parceiro poderá oferecer classes diferentes e benefícios para usuários frequentes, além de poder explorar serviços de multimídia e alimentação.
Tem muita gente que questiona se vale a pena para o Poder Público delegar uma atividade e mesmo assim ficar responsável por cobrir tantos riscos e remunerar de maneira tão relevante a iniciativa privada.
Na nossa visão, faz, sim, sentido. Além de se tratar de projeto estruturante, estamos falando de uma política pública inovadora, que ainda não tem um track record. Não só isso, como já sinalizaram diferentes gestões – e essa ainda mais – trata-se de um projeto que tem que dar certo por ser o pioneiro.
É o custo do pioneirismo, ou seja, o projeto do TIC vai demonstrar que outros tantos projetos similares Brasil afora tem viabilidade. Portanto, a estrutura de remuneração e a matriz de risco do projeto devem ser consideradas a partir desse fundamental contexto.
O impacto do projeto não será pouco. É estimada uma demanda de 12 milhões de passageiros ao ano em 2040. Projeta-se, ainda, que o projeto gerará mais de 10,5 mil empregos, entre diretos, indiretos e induzidos.
O projeto reserva sete anos de obras a serem realizadas diretamente pela concessionária, ou seja, diferentemente de outros projetos, há um estímulo relevante para que as obras sejam concluídas no prazo.
De toda a forma, o caminho ainda é longo. Para um país que tinha uma larga malha ferroviária, um novo trem de passageiros é apenas o início da viagem.
A viagem de trem, é claro, ainda reserva novos e bons caminhos. Os mais de 10 anos de trabalho, articulação e estudos foram premiados com uma licitação de sucesso.
Para o futuro, cumpre destacar que o contrato, como acima ilustrado, traz os incentivos corretos para que a viagem comece o mais breve possível.
Assim, será possível reinaugurar a era dos trens no imaginário popular brasileiro.