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A pressão decorrente das evidências científicas e cotidianas sobre a existência de uma crise climática que impacta diretamente na saúde física e mental das pessoas, a exemplo das chuvas intensas que dilaceraram o território e a população do Rio Grande do Sul, forçam a cooperação de todos, assim como a regulamentação das empresas para que se tornem socioambientalmente adequadas, ou sustentáveis.
Como um grande novo mercado, permeado por alguns conceitos ainda incertos e uma legislação incipiente, a corrida por sustentabilidade deu margem à disseminação de dados socioambientais falsos, um procedimento denominado greenwashing (em uma tradução literal para o português, lavagem verde), extremamente nocivo às práticas ESG.
O conceito é novo, mas pauta-se, de certa forma, pela antiga retórica de Platão, descrita pelo professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Ricardo da Costa como “a arte de conduzir as almas por meio da palavra” para além dos tribunais e reuniões públicas, que passa necessariamente pela aplicação honesta da palavra.
Em contraposição à Platão, outros pensadores, como Córax (c. 490-430 a.C.), percebiam a retórica como a arte da persuasão de qualquer tema, fosse ele verdadeiro ou não. Essa é uma concepção que se assemelha mais ao contemporâneo greenwashing.
O termo faz alusão à expressão brainwashing, ou “lavagem cerebral”, conceito atribuído ao jornalista estadunidense Edward Hunter ao descrever como o governo chinês obtinha a cooperação das pessoas durante a Guerra da Coreia, em 1950.
Greenwashing é o procedimento de transmitir uma impressão falsa ou informações enganosas sobre como uma empresa, produtos ou atividades são socioambientalmente corretos; consiste na divulgação de dados e afirmações infundadas que impedem que as pessoas realizem escolhas livres e conscientes, prejudicando, em última análise, as possibilidades de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Recentemente, em janeiro de 2024, o Parlamento Europeu estabeleceu regras rigorosas sobre as possibilidades de divulgação de dados de sustentabilidade das empresas, uma regulamentação pioneira sobre greenwashing que terá impactos globais.
Trata-se de uma nova Diretiva sobre Capacitação dos Consumidores para a Transição Verde (ECGT), cujo texto é fruto de um acordo prévio e está pronto para ser incorporado à legislação nacional de todos os Estados-Membros.
Diversamente do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, o greenwashing ainda não é visto como um problema pela população brasileira. Segundo uma pesquisa quantitativa sobre os principais temas de sustentabilidade e as práticas de consumo dos brasileiros, realizada em 2024 pela consultoria A Arte da Marca, com 1.042 pessoas acima de 18 anos, das classes ABCD, nas cinco regiões do país, apenas 38% dos entrevistados afirmaram estarem preocupados e comprometidos com a sustentabilidade.
Ainda assim, desde logo, as empresas brasileiras que comercializam diretamente, assim como aquelas que participam da cadeia de fornecedores de empresas pertencentes a algum dos Estados-membros da UE, precisam adequar-se aos novos parâmetros europeus.
Os resultados nocivos do greenwashing são incontestes, mas seus malefícios são comumente associados à iniciativa privada, embora a divulgação sobre sustentabilidade com baixa integridade seja também verificada na esfera pública.
Em outras palavras, a sociedade deve cooperar para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, inclusive para fins de educação socioambiental, ainda que os maiores poluidores sejam as empresas. Mas há um terceiro elemento importante nessa equação: o Estado.
No âmbito de uma pesquisa conduzida no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (PPGMADE/UFPR, 2023), a coleta e análise de dados relacionados à desarticulação de normas ambientais garantidoras de políticas públicas, discursos oficiais de incitação à violação de normas ambientais e inércia no combate a crimes ambientais na Amazônia e contra os povos indígenas, no período de janeiro de 2019 a agosto de 2022, comprovou que o governo federal descumpriu o direito fundamental de acesso à informação, contido no artigo 5º, XXXIII, da Constituição Federal Brasileira de 1988.
O estudo demonstrou que tais atos de omissão e disseminação de dados socioambientais falsos foram materializados pelo governo Bolsonaro em discursos de desqualificação dos materiais produzidos por órgãos e técnicos especializados, em uma conjuntura de irregularidades na gestão de dados socioambientais e na falta de clareza na divulgação de tais dados pelas fontes oficiais.
Em uma disputa que também é discursiva, o governo federal usou palavras como “estratégias desenvolvimentistas” para descaracterizar as comunidades tradicionais e seus territórios com o intuito de liberar o uso da floresta amazônica em âmbitos nacional e internacional, a exemplo do PL 6.162/2019; proposição que aponta dois caminhos possíveis: mudança ou extinção (i) das instituições responsáveis e (ii) das políticas públicas, em prol do “desenvolvimento regional do país”.
Outro exemplo claro de greenwashing no âmbito da administração pública durante o governo Bolsonaro ficou notório pela alcunha pedaladas climáticas, uma NDC (Contribuição Nacional Determinada, na sigla em inglês) fictória que enfraqueceu compromissos já assumidos, utilizando manobras como a alteração da base de cálculo para encobrir o retrocesso na contenção das emissões, e violou o Acordo de Paris.
O PL 6.162/2019 e as pedaladas climáticas são usados aqui para caracterizar o desmonte das políticas públicas ambientais e a prática de greenwashing no âmbito da administração pública do governo Bolsonaro, mas a prática não é inexistente nos governos ditos progressistas, embora mais nociva quando perpetrada por negacionistas e, em praticamente todos os casos, intrinsecamente conectada com o resultado de eventos climáticos extremos como o que assola o estado do Rio Grande do Sul.
Depois de volumosas e incessantes chuvas, um mar de lama afetou 397 dos 497 municípios gaúchos, provocando, até o momento, mais de 100 mortes e centenas de desaparecimentos; estima-se que 1,45 milhão de pessoas tenham sido afetadas pelas chuvas.
Especialistas são uníssonos ao afirmar ser tal catástrofe um resultado da crise climática, acentuado pela negligência, omissão e redução abrupta das políticas públicas e da legislação socioambiental brasileira pelo poder público.
Poucos dias antes do início da catástrofe que draga o Rio Grande do Sul, no último dia 26 de abril, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) enviou ao governador Eduardo Leite (PSDB) um ofício onde enfatiza que a crise climática vinha sendo negligenciada e acentuada pela omissão do governador do estado, destacando:
“(…) a falta de atitudes para estancar e reverter processos que contribuem para o avanço da crise – a exemplo da liberação de mais venenos agrícolas, da autorização para destruir Áreas de Preservação Permanente, da falta de uma política permanente de recuperação de matas ciliares, do incentivo anacrônico à construção de polos carboquímicos e de instalações de infraestrutura que não reconheçam os direitos das comunidades tradicionais, da falta de cuidados e ingerência dos recursos hídricos, entre outros (…)”.
É sabido que ocorrências climáticas extremas serão cada vez mais frequentes, neste momento, abre-se uma oportunidade para repensar a prevenção e a mitigação da crise climática, protocolos de prevenção e contenção de catástrofes socioambientais, um tratamento mais humano e eficaz do que as medidas de emergência que estão sendo discutidas e adotadas para o Rio Grande do Sul.
Ainda que a crise climática seja uma realidade inescusável, a intensidade no resultado dos eventos climáticos extremos pode ser amenizada pelo levantamento preciso de dados e pela clareza na sua divulgação, de forma a combater o ambiente de insegurança jurídica gerado pela prática de greenwashing no âmbito da administração pública, com o fortalecimento do Estado Democrático Socioambiental.