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Uma caricatura produtiva
Há uma campanha aberta para transformar a Constituição dos Estados Unidos em lei no Brasil. Na verdade, uma caricatura desta Constituição, importada sem a sua crítica. Basta ver como diversos juristas e representantes da direita falam sobre liberdade de expressão. Mesmo para criticar a atuação em regime de urgência do STF para conter a articulação de um golpe de Estado, fala-se do tema como se o sentido da liberdade de expressão fosse absolutamente claro e ela funcionasse como uma espécie de direito natural, capaz de diferenciar povos civilizados de povos não civilizados.
Exemplo único no mundo, nenhum país civilizado trata a liberdade de expressão com a amplitude que os EUA o fazem. Amplitude que chega ao ponto de permitir, inclusive, que pessoas defendam o nazismo abertamente, que o preconceito racial seja veiculado sem obstáculos e que a democracia seja abertamente ameaçada, como estamos vendo no caso de Donald Trump e de sua atuação quase terrorista desde a eleição de Joe Biden.
Caricatura por caricatura, poderíamos dizer, o que estaria longe de uma avaliação precisa, que a autoconfiança da legislação dos EUA se explica porque foi elaborada pelas elites, ou seja, com uma grande participação de aristocratas, brancos e escravocratas, sem uma contribuição significativa de negros e indígenas, circunstância que pode dar a impressão para o mundo de que sempre houve um forte consenso (ultra)liberal no país.
Posto desta forma, o debate não ultrapassa o nível da caricatura. Por exemplo, ponto que me interessa mais de perto, a caricatural defesa da liberdade de expressão pelos radicais de direita deixa de lado o debate interno dos EUA, ignora todas as modulações feitas pela Suprema Corte, também as críticas de juristas e de ativistas à amplitude excessiva conferida à liberdade de expressão. Neste caso, não se trata de ignorância ou de esquecimento, mas sim de uma estratégia conhecida, amplamente praticada pela direita brasileira, de construir uma caricatura para fins político-ideológicos, como veremos a seguir. Trata-se de uma caricatura produtiva.
Seja como for, a Constituição brasileira, que foi elaborada por uma sociedade hipercomplexa e em plena efervescência política para combater, no que fosse possível, a herança maldita da ditadura, foi mais sábia que a dos EUA ao se defender de toda e qualquer maioria política, oferecendo alternativas para a modulação hermenêutica dos direitos que consagrou. Para o bem e para o mal, nossa Constituição não aposta, no mais das vezes, em nenhum consenso valorativo forte. Por isso mesmo, costumo chamar nossa Carta de “constituição sem vencedores”.
É evidente que criticar nossa legislação é perfeitamente válido e saudável para um regime democrático, mas de lege ferenda, em nome de possíveis reformas futuras. O que não faz sentido é criticar o STF por estar cumprindo nossa Constituição em nome da caricatura de um suposto bom direito, mesmo com todos os problemas jurídicos que o famoso “inquérito do fim do mundo” – procedimento que investiga os ataques ao STF e à democracia brasileira – de fato, possui. Vejamos.
Direito e emergência
Na falta de legislação adequada para combater as articulações para um golpe contra a democracia, foi construída o que podemos chamar de “gambiarra dogmática”, um arranjo institucional pouco usual, que abriu espaço para muitas críticas. A instauração de um inquérito pelo STF para investigar ataques contra este mesmo tribunal, de fato, fez com que ele funcionasse como investigador e juiz ao mesmo tempo, ainda que os atos praticados pelo presidente do inquérito possam ser revistos pelo plenário da corte.
Este arranjo, pensado em abstrato, soa realmente esdrúxulo, mas, no contexto, foi o melhor que se poderia fazer em face da inação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. A cada dia que passa, a gambiarra se mostra cada vez mais acertada: depois da invasão da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, sucederam-se descobertas chocantes reveladas por depoimentos prestados pelos protagonistas dos acontecimentos. Sabemos hoje de tentativas de articulação de um golpe militar com a participação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica sob a coordenação do ex-presidente da República que chegou a ser ameaçado de prisão, nos bastidores, pelo então comandante do Exército. Tudo se passou, insisto, sob a inércia do Ministério Público Federal e da Polícia Federal.
A necessidade do inquérito e de instrumentos adequados para combater atos antidemocráticos fica evidente pela velocidade com que o Congresso Nacional aprovou uma lei para substituir a desatualizada Lei de Segurança Nacional, editada na época da ditadura, a Lei 14.197 de 1º/9/2021. Foram criados crimes, mas nada foi dito a respeito dos procedimentos de investigação e processamento deles. A situação melhorou, mas seguimos despreparados para lidar com golpistas. Ninguém imaginava que poderia haver um golpe de Estado novamente no país. Ledo engano.
Com todos os problemas jurídicos que a emergência antidemocrática criou, é má hermenêutica constitucional classificar tudo o que o Supremo está fazendo para combater a desinformação com fundamento neste inquérito como se fossem atos de censura, ainda mais em nome da caricatura de um bom direito, no caso, o direito dos EUA em versão pasteurizada. Podemos, sim, criticar abusos pontuais e o uso do inquérito pelo STF, mas em nome de um procedimento melhor, de uma nova institucionalidade que nos ajude a lidar com este tipo de emergência, ou seja, uma conspiração golpista liderada sob a liderança dos mais altos escalões da República.
Não há país ocidental que não tenha criado procedimentos específicos para lidar com emergências, como o estado de emergência e o estado de sítio, institutos que fazem parte da tradição liberal (ver: Clement Fatovic. Outside Law. Emergency and Executive Power. Baltimore: John Hopkins University Press, 2009). Em artigo publicado neste JOTA, já discuti o tema da emergência tendo em vista as ações do STF durante a pandemia. Nele, sugeri a criação de um “estado de emergência médico” para evitar o bate-cabeças entre Poderes e estados da federação e a concentração de poderes no STF.
Eu disse na ocasião que, como mostra o amplo estudo de Clement Fatovic, a tradição liberal sempre refletiu sobre o problema da emergência, a começar por John Locke e os pais fundadores da Constituição dos EUA. É possível identificar três estratégias diferentes para lidar com o problema.
A primeira atribui a uma autoridade específica o poder de tomar decisões em face da situação excepcional e/ou de emergência. É possível atribuir tal responsabilidade a uma pessoa específica – por exemplo, o chefe do Executivo no estado de sítio – ou a um grupo de pessoas – por exemplo, um órgão do Estado já existente ou um organismo especialmente criado para lidar com a situação.
A segunda estratégia consiste em criar (ou não) um procedimento específico para lidar com a situação de incerteza (e/ou emergência), prevendo requisitos específicos para a sua adoção, sobre sua duração e sobre os limites de ação das autoridades, por exemplo, no caso de uma eventual restrição de direitos fundamentais.
Finalmente, é possível estabelecer objetivos genéricos para a atuação da autoridade responsável por enfrentar a situação excepcional e/ou urgente, objetivos fixados em princípios gerais ou em standards de comportamento a serem seguidos ou, de outra parte, fixar objetivos específicos que possam ser contabilizados e quantificados a posteriori.
Como eu disse no texto citado, é fácil antecipar os riscos envolvidos nas três estratégias de regulação. Por exemplo, a atribuição de muito poder por tempo indeterminado e sem restrições procedimentais a uma pessoa ou organismo específico faz aumentar o risco de arbítrio e, até mesmo, pode criar condições para a implantação ou para o aprofundamento de regimes autoritários. No caso do “inquérito do fim do mundo”, a concentração de poderes nas mãos do STF por tempo indeterminado pode resultar em um desequilíbrio entre os Poderes e na corrosão da legitimidade do Estado.
Vira-lata por vocação?
Mesmo sabendo de tudo isso, como certamente o sabem, por que juristas e extremistas de direita insistem na caricatura do direito dos EUA como critério para julgar nosso direito? A explicação é bem simples: a História do Brasil nos ensina que nossos juristas liberais são os primeiros a jogar o direito no lixo ao sentirem apenas o cheiro de homens fardados, ameaçando dar golpes de Estado, sempre em nome da lei, é claro. Afora algumas exceções, como Sobral Pinto, essa sempre foi a regra: o cheiro de golpe e de homens de farda anima nossos juristas, o que dá razão à Caetano Veloso, que cantou: “Será que nunca faremos senão confirmar/ a incompetência da América católica/ que sempre precisará de ridículos tiranos?”.
Sobre a liberdade de expressão nos EUA vale a pena citar Daniel Sarmento (em “A Liberdade de Expressão e o Problema do “Hate Speech”, In: SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006):
Embora a garantia da liberdade de expressão tenha sido incorporada à Constituição norte-americana ainda em 1791, por ocasião da aprovação da 1ª Emenda, foi apenas no curso do século XX, após o fim da 1ª Guerra Mundial, que este direito começou a ser efetivamente protegido pelo Judiciário norte-americano. Desde então, tem-se assistido a uma progressiva extensão da proteção conferida à liberdade de expressão, que é hoje, sem dúvida, o mais valorizado direito fundamental no âmbito da jurisprudência constitucional norte-americana. É certo, contudo, que esta expansão na proteção da liberdade de expressão tem se dado em parte ao custo de um enfraquecimento na garantia de outros direitos contrapostos, como privacidade, honra e também igualdade. Nesta linha, formou-se firme jurisprudência nos Estados Unidos no sentido da proteção constitucional das mais tenebrosas manifestações de intolerância e ódio voltadas contra minorias (…)
Segue o autor:
É relevante, de início, apontar para a forma aparentemente absoluta como está redigida a garantia constitucional da liberdade de expressão na 1ª Emenda: “o Congresso não pode editar nenhuma lei … limitando a liberdade de expressão ou da imprensa”. Contudo, apesar dos termos peremptórios do texto constitucional, poucos na história norte-americana defenderam o caráter absoluto da 1ª Emenda. Nunca se questionou, por exemplo, que a liberdade de expressão não protege aqueles que gritam falsamente “fogo” num cinema lotado, como registrou Oliver Wendell Holmes. Pelo contrário, desde sempre se aceitou a necessidade de estabelecer algumas limitações excepcionais ao exercício deste direito sem as quais a vida social tornar-se-ia inviável. Atualmente, os Estados Unidos possuem um sistema de proteção à liberdade de expressão extremamente complexo, em que há determinados campos considerados fora do alcance da 1ª Emenda, como o da “obscenidade”, outros que recebem uma proteção menos intensa, como a propaganda comercial, e uma área em que a tutela constitucional é extremamente reforçada, em cujo epicentro está o discurso político lato sensu. Por outro lado, há também uma importante distinção entre as formas de regulação estatal desta liberdade: são mais facilmente aceitas as restrições ligadas ao “tempo, lugar e forma” da manifestação, que sejam neutras em relação ao seu conteúdo, mas há um controle muito mais rigoroso das limitações atinentes ao teor do discurso, que se torna ainda rígido e quase invariavelmente fatal quando a regulação se baseia em discordância relativa ao “ponto de vista” do agente.
Nos dias que correm, pode confundir o leigo o fato de que vários de nossos juristas liberais ameaçam jogar o direito brasileiro no lixo em nome do direito americano, ou seja, de um suposto “verdadeiro direito”, um direito que parte de nossa elite colonizada acredita ser muito superior ao direito brasileiro. Tudo de acordo com o nosso conhecido complexo de vira-lata que Roberto Schwarz desvendou no texto “Nacional por subtração”.
Resumidamente, disse o gênio Roberto, trata-se de falar mal do Brasil para evidenciar que o nosso povo é chinfrim, ou seja, que é basicamente um povo preto e ignorante, para melhor justificar a violência praticada pelas elites contra o seu próprio povo. Estas mesmas elites que procuram manter um pé na civilização ao dizer também mais ou menos assim: se o nosso povo fosse melhorzinho, ou seja, não fosse preto e ignorante, poderíamos ter civilização por aqui, quem sabe, até mesmo um direito que fosse levado a sério.
A aparente novidade de juristas liberais jogando fora um direito liberal que acham chinfrim em favor do “verdadeiro” direito liberal estadunidense não deve confundir o analista. Trata-se da mesma tendência de sempre: juristas liberais jogam o direito no lixo em razão de sua atração irresistível por fardados golpistas.
O que é, de fato, novo neste caso é ver as grandes companhias de internet dispostas a embarcarem no barco golpista para defenderem a caricatura da liberdade de expressão que interessa às elites extremistas nacionais, ou seja, a versão da liberdade de expressão que for melhor para os seus negócios.
Não por acaso, tais empresas entram no debate repetindo a estratégia da direita brasileira que fulaniza o debate ao invés de debater os problemas reais que estamos enfrentando, ou seja, as dificuldades enfrentadas pelo mundo inteiro para evitar a disseminação de desinformação no meio digital. Em vez de entrar na minúcia desses problemas, tudo se transforma na grande luta – no gel? – entre Xandão e Musk.
É melhor lidar com ridículos tiranos que se utilizem da desinformação como estratégia de poder do que lidar com o debate democrático que exige regulação. Por isso mesmo, os candidatos a tiranetes neoliberais brasileiros podem contar com a força da grana de Musk. Também a China – que proíbe o X, mas ajuda a fabricar os carros da Tesla – e a Arábia Saudita – que condena pessoas à morte por postagens contra o governo no X –, dois regimes autárquicos para quem Musk abaixa a cabeça.
Diria Caetano, a mesma força da grana que ergue e destrói coisas belas também compra algumas consciências. Como, aliás, é de praxe no sistema capitalista em que quase tudo tende a ser dominado pelo interesse em acumular capital. Até mesmo pensar juridicamente.