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A contribuição de São Tomás de Aquino para o diálogo entre razão e fé

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Relação equilibrada e harmônica entre razão e fé: um legado filosófico-teológico de Tomás de Aquino para a cultura ocidental

O pensamento de Tomás de Aquino é, em geral, caracterizado como genuinamente cristão, por trazer a mais íntima relação entre razão e fé, entre filosofia e teologia. O seu pensamento estaria inserido no contexto da formulação paradigmática, bem conhecida da filosofia como serva da teologia – philosophiae ancilla theologiae -, como era recorrente na medievalidade.

A busca pela harmonia entre razão e fé

Visões racionalistas e fideístas reconfiguradas, na contemporaneidade, trazem sinais equivocados, ainda persistentes, sobre a compreensão do real modelo tomista de distinção entre filosofia e teologia. No entanto, Tomás de Aquino buscou demarcar, com clareza meridiana, as rigorosas relações entre razão e fé. Uma demarcação fundamental para se entender bem os limites cognitivos da razão em relação à fé, evitando-se os exageros tanto do racionalismo, quanto do fideísmo, não raras vezes, nos tempos hodiernos, identificados em comunicações em diversos ambientes de divulgação de ideias filosóficas e teológicas.

O sistema tomista: a razão e os limites do conhecimento

O sistema tomista baseia-se na determinação rigorosa das relações entre razão e fé. É certo que a razão pode muito em termos de conhecimento, mas não pode tudo conhecer. Ela tem seus limites. Foi necessário que a razão se completasse com a fé, com aquilo que lhe é revelado. Entretanto, a revelação não anula nem torna inútil a razão, vale dizer, a graça não elimina a natureza, antes a aperfeiçoa – gratia non tollit naturam sed perficit.

A contribuição da razão para a fé

A razão não pode demonstrar o que pertence ao domínio da fé, porque a fé teria o seu conteúdo esvaziado. A razão não ultrapassa seus próprios limites, pois ela não atua de forma invasiva. Nesse sentido, Tomás de Aquino reconhece que a razão muito contribui para preparação da fé. Essa contribuição da razão para a fé se dá de três modos distintos.

A razão ajuda a demonstrar as verdades da fé

Em primeiro lugar, a razão ajuda a demonstrar aquelas coisas que podem ser consideradas como preâmbulos da fé, ou seja, aquelas verdades cuja demonstração é necessária à própria fé. Não se pode crer naquilo que foi revelado, se não se sabe que Deus existe. A razão demonstra que Deus existe e que possui características e atributos que podem ser inferidas das coisas por Ele criadas.

A razão ilustra as coisas que pertencem à fé por comparações

Em segundo lugar, a razão ilustra, por meio de certas semelhanças, as coisas que pertencem à fé, isto é, a razão pode ser utilizada para aclarar as verdades da fé mediante comparações.

A razão opõe-se as coisas que se o contrapõe a fé

Em terceiro lugar, a razão opõe-se às coisas que são ditas contra a fé, vale dizer, a razão pode rebater as objeções contra a fé, demonstrando que são falsas ou, ao menos, que elas não têm força demonstrativa (Aquino, 1990, p. 28).

Tomás de Aquino e a crítica aos averroístas

Na realidade, Tomás de Aquino tinha se posicionado contra os averroístas, a partir de interpretações enviesadas de Aristóteles. Os averroístas tinham esvaziado a fé de todo conteúdo racional e expunham a razão a uma angustiante crise de fé. E os averroístas latinos procuraram contornar a questão, recorrendo à teoria da dupla verdade, ou seja, é verdadeiro, mas de modo bem diverso, tanto o que ensina a razão quanto o que ensina a fé (Mondin, 1981, p. 171-172). Tomás de Aquino propunha correções aos averroístas. Os argumentos tomistas estavam assentados em três pontos fundamentais. Em primeiro lugar, razão e fé são sim modos distintos de conhecer, mas isso não conduz a uma dupla verdade. A razão admite a verdade por causa de sua evidência intrínseca, enquanto a fé aceita a verdade por causa da autoridade de Deus revelador (Aquino, 2009, p. 139). Em segundo lugar, razão e fé não podem contradizer-se. Deus é a fonte comum. Desse modo, a verdade da razão não pode jamais entrar em conflito com a verdade revelada, porque a verdade não pode contradizer a verdade. Se aparece uma oposição entre elas, é sinal de que não se trata propriamente da verdade, e sim de inferências errôneas, falsas em suas premissas e, por conseguinte, falsas em suas conclusões (Aquino, 1986, p. 115). E, em terceiro lugar, não obstante a razão seja suficiente para conhecer as verdades fundamentais da ordem natural e tenha sua autonomia no conhecimento das coisas naturais, ela é incapaz, por si só, de penetrar nas verdades mais profundas da ordem sobrenatural, que constituem seu bem último (Aquino, 1990, p. 31).

Os limites da razão e a demonstração da existência de Deus

O princípio aristotélico, segundo o qual todo conhecimento começa pelos sentidos, foi utilizado por Tomás de Aquino para limitar a capacidade e as pretensões da razão. A razão natural pode elevar-se até Deus, porém, seu ponto de partida são as coisas sensíveis, ou seja, é mediante a razão natural que o homem, através das criaturas, pode alcançar o conhecimento de Deus. Assim, afirma-se que “[…] as criaturas conduzem ao conhecimento de Deus, como o efeito conduz à causa.” (Aquino, 2009, p. 555).

São Tomás de Aquino; Crédito: Bartolomé Esteban Murillo/Domínio Público

Os domínios da fé e da razão

São dois tipos de demonstrações possíveis à razão. Uma a priori ou propter quid, que parte da causa para o efeito; a outra, a posteriori ou quia, que parte do efeito para a causa. Na concepção tomista, somente a segunda via pode ser utilizada para o conhecimento de Deus. Esclarecidos os domínios da razão e da fé, Tomás de Aquino passou, então, a tratar dos correspondentes atos, entre eles, notadamente, o ato de fé. Era preciso entender o que é a fé. Para isso, ele aderiu a um conceito agostiniano, qual seja, cogitare cum assenso, quer dizer, pensar com anuência (Aquino, 2012, p.73).

O escolástico examinou esse conceito e o aprofundou, pois era necessário entender melhor o “pensar” que nele estava inserido. Ele envolve uma consideração indagadora do intelecto. O pensar, que é próprio da fé, é um ato intelectual que continua a indagar justamente porque ainda não se tem uma perfeição de algo que ainda está em cogitação. Assim, no pensar do crente estão envolvidas três espécies de operações intelectuais: duvidar, suspeitar e opinar. O duvidar consiste em não se inclinar nem para o sim nem para o não. O suspeitar já se caracteriza por se inclinar para um lado, mas sem deixar de ser movido por sinais apresentados pelo outro lado. O opinar se configura pela aderência a um lado, embora não desapareça o receio de que o lado contrário possa ser verdadeiro. Uma vez bem estabelecidas essa noção intelectual, então, deve ficar claro que o ato de crer se aproxima da adesão firme a um dos lados, a uma das partes, e aqui o ato de crer se assemelha ao que tem ciência, porque possui evidências de algo que já consegue conhecer. Entretanto, esse conhecimento do crente não é tão perfeito como daquele que tem uma evidência perfeita diante de si. O conhecimento do crente tende ao duvidar, ao suspeitar até chegar ao opinar, motivo pelo qual é próprio do crente pensar com anuência. Essa anuência implica que haverá inevitavelmente sempre uma escolha voluntária, o que inclina o homem para um lado e não para outro. Em última instância, a fé é uma adesão a um lado de alguma coisa, uma vez formada a opinião sobre ela. Por isso, baseado na Carta aos Hebreus, na concepção tomista, ela é “[…] a prova das coisas que não se veem.” (Aquino, 2012, p.53).

A certeza da fé e a vontade

Para Tomás de Aquino, portanto, a certeza da fé está baseada na certeza da vontade, que acaba por aderir a uma opinião formada sobre algo. O ato de fé é mesmo um cogitar com assentimento, um pensar com anuência, sobre algo a que se decidiu aderir por opinião formada, sem que isso chegue a se tornar uma certeza objetiva, que fica reservada somente à ciência, porque a fé não é mobilizada por um objeto, mas sim por uma escolha voluntária.

Tomás Aquino buscou estabelecer rigorosas relações entre razão e fé, demarcando seus campos cognitivos e não contraditórios, de modo a se evitar os equívocos tanto do racionalismo, quanto do fideísmo, ainda persistentes, não raras vezes, nos tempos hodiernos. A razão se completa com a fé, com aquilo que lhe é revelado. A revelação, por sua vez, não anula nem torna inútil a razão, vale dizer, a graça aperfeiçoa a natureza, e não a anula. Para o escolástico, razão e fé têm modos distintos de conhecer, mas isso não conduz a uma dupla verdade; ao contrário, a fonte da verdade para a razão e para a fé é uma só, Deus. Razão e fé não podem contradizer-se, porquanto, Deus é a fonte comum da verdade que elas buscam conhecer.

A razão é suficiente para conhecer as verdades fundamentais da ordem natural e tem sua autonomia no conhecimento das coisas naturais, embora tenha limites próprios que a inviabilizem de penetrar nas verdades mais profundas da ordem sobrenatural, que constituem o bem último. A razão natural pode elevar-se até Deus, porém seu ponto de partida não é o próprio Deus, e sim as coisas sensíveis, isto é, do efeito conduz para a causa. São dois tipos de demonstrações possíveis à razão. Ela não segue a demonstração a priori ou propter quid, que parte da causa para o efeito, e sim a demonstração a posteriori ou quia, que parte do efeito para a causa.

O ato de fé: pensar com anuência

Depois de esclarecidos os domínios da razão e da fé, então, Tomás de Aquino colocou no epicentro do diálogo entre ambas o ato de fé. Este é entendido como pensar com anuência, o que envolve uma consideração indagadora do intelecto. O pensar, que é próprio da fé, é um ato intelectual que continua a indagar justamente porque ainda não há uma perfeição, já definida e definitiva, que caracterize o que se busca conhecer. Nesse pensar do crente há três operações intelectuais, quais sejam, duvidar, suspeitar e opinar.

I. Duvidar: cogitar a possibilidade do sim e do não para algo;
II. Suspeitar: tender para um lado, mas sem ignorar os sinais do outro lado;
III. Opinar: se caracteriza pela adesão a um lado, embora não desapareça o receio de que o lado contrário possa ser verdadeiro.

O ato de crer

O ato de crer requer adesão firme a um dos lados, a uma das partes, e, dessa maneira, ele se assemelha ao que tem ciência, porque possui evidências de algo que já consegue conhecer. Todavia, o conhecimento do crente não é tão perfeito como daquele que tem uma evidência perfeita diante de si. Por isso, o conhecimento do crente tende ao duvidar, ao suspeitar até chegar ao opinar, motivo pelo qual é próprio do crente pensar com anuência. No ato de fé, portanto, há sempre uma escolha voluntária, o que inclina o crente para um lado e não para outro. Por isso, em última instância, a fé é uma adesão a um lado de alguma coisa, uma vez formada a opinião sobre ela.

Assim, para Tomás de Aquino, a certeza da fé está baseada na certeza da vontade, que acaba por aderir a uma opinião formada sobre algo. O ato de fé é mesmo um cogitar com assentimento sobre algo a que se deliberou aderir por opinião formada, sem que isso chegue a se tornar uma certeza objetiva, que é reservada somente à ciência, porque a fé não é mobilizada por um objeto, mas sim por uma escolha voluntária.

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O legado de Tomás de Aquino

A busca de uma relação equilibrada e harmônica entre razão e fé constitui, sem sombra de dúvida, um legado filosófico-teológico de Tomás de Aquino para a cultura ocidental. A propósito, são muito significativos os seguintes dizeres sobre a novidade perene do pensamento de São Tomás de Aquino:

[…] Tomás reconhece que a natureza, objeto próprio da filosofia, pode contribuir para a compreensão da revelação divina. A fé, então, não teme a razão, mas a procura e nela confia. Como a graça supõe a natureza e a leva a cumprimento, […], assim a fé supõe e aperfeiçoa a razão (João Paulo II, 1998, p. 92, tradução nossa).

Destarte, o pensamento tomista ainda constitui, nos tempos atuais, um ponto de equilíbrio coerente e consistente entre razão e fé, bem como um verdadeiro tesouro deixado pelo Doutor Angélico para as sociedades contemporâneas que, não raras vezes, se conduzem como massas arrebanhadas e manipuladas pelos movimentos pendulares dos racionalismos estéreis e dos fideísmos obscurantistas.

 

Marcius Tadeu Maciel Nahur
Natural de Lorena (SP), Coordenador do Curso de Filosofia da Faculdade Canção Nova. Formado em Direito, História e Filosofia. Mestrado em Direito com ênfase na Filosofia de Henrique Cláudio de Lima Vaz. Delegado de Polícia Aposentado.


Referências

AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução de Aldo Vannucchi et al. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2012. v. V. 682 p.

AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução de Aldo Vannucchi et al. São Paulo: Loyola, 2009. v. I. 693 p.

AQUINO, Tomás de. Suma contra os gentios. Tradução de D. Odilão Moura O.S.B. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia; Universidade de Caxias do Sul; e, Livraria Sulina Editora, 1990. v. V. 376 p.

AQUINO, Tomás de. Exposición del De Trinitate de Boecio. Traducción de Alfonso García Marqués. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1986. 302 p.

JOÃO PAULO II. Fides et Ratio: i rapporti tra fe e ragione. Casale Monferrato: PIEMME, 1998. 168 p.

LIBERA, Alain de. A Filosofía Medieval. Tradução de Nicolás Nyimi Campanário e Yvone Maria de Campos Teixeira da Silva. São Paulo: Loyola, 1998. 532 p.

MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. Tradução de Bênoni Lemos. 9. ed. São Paulo: Paulus, 1981. v. 1. 227 p.

 

 

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