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O cavalariano Figueiredo. | Foto: Veja.
A folhas tantas da história dos governos militares do Brasil, alguém, lá em Brasília, teve a ideia de popularizar o Presidente de então, o General João Baptista de Oliveira Figueiredo. De todos os cinco daquele período (Castello Branco, Costa e Silva, Medici, Geisel e o próprio Figueiredo), mais os outros três componentes da chamada “Junta Militar” que governou durante três meses em 1969, talvez o mais improvável para desempenhar o papel de uma “figura popular” era justamente o que foi escalado então como protagonista.
O autor de tal empreendimento de marketing foi Said Farhat. Ele era Jornalista, tinha sido Presidente da Embratur do Presidente Ernesto Geisel e na ocasião, era Ministro da Comunicação Social de Figueiredo. Este, por sua vez, havia sido Chefe do SNI, o Serviço Nacional de Informações, de Geisel.
Em qualquer lugar do mundo, e até no Brasil, chefes das estruturas de espionagem costumam ser sujeitos discretíssimos, sisudos, misteriosos. Pode até acontecer alguma exceção quanto ao rigor desse perfil, mas, seja como for, nenhum deles jamais imaginaria ser “popular”, conhecido, simpático. E o cavalariano João Baptista se encaixava, com gosto, cem por cento, no modelo oposto, o tradicional. Ele era avesso aos fricotes da vida social, de pavio curto e coisa e tal. Pois bem, mesmo assim, Farhat resolveu, do nada, transformar o homem que, confessadamente, “preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo”, em um espécime popular.
Ele tinha sido designado Presidente e começou seu governo atendendo pelo nome de General João Baptista Figueiredo. Assim se chamava, assim era conhecido e dessa forma era tratado pela imprensa. Mas, da noite para o dia, lhe tiraram o “General” e o “Baptista”. Ele virou Presidente João Figueiredo, ou, simplesmente, João Figueiredo. E lhe sacaram também os óculos escuros que usava permanentemente. Fizeram até musiquinhas, tipo jingle de campanha. Tem uma que dizia “O povo confia no presidente sem medo, o João Figueiredo, o João da Anistia”.
A estratégia e os burros n’água.
Said Farhat. | Foto: FSP.
A ideia de popularizar o presidente militar tinha uma razão de ser. Figueiredo havia sido ungido Presidente por Geisel e também por Médici, de quem fora Chefe da Casa Militar, com a missão de promover a transição do País para um regime democrático. Seria o executante do projeto do retorno do País a um modelo aberto, pluralista, civil, e, por via de consequência, ele era o liquidante do regime militar.
Na verdade, a concepção original do Presidente Emilio Garrastazu Médici era muito mais ousada e teria ocorrido bem mais cedo. Seu plano era que os militares aproveitassem o altíssimo índice de aprovação do seu governo para, honrosamente, sair do poder e colocar novamente um civil na Presidência. O nome que ele tinha em mente era seu Chefe da Casa Civil, o Professor gaúcho, João Leitão de Abreu, meu professor na Faculdade de Direito da PUC-RGS. Num primeiro momento Leitão seria Presidente por designação militar e, no decurso de seu mandato, organizaria eleições presidenciais pelo voto direto.
Setores importantes da área militar, porém, entenderam que esse projeto era precipitado e convenceram Médici a colocar no posto mais um militar, no caso outro gaúcho, Ernesto Geisel Beckmann, filho de Wilhelm August Geisel, imigrante alemão luterano. Ele iniciaria a transição e, mais tarde, Figueiredo daria o arremate final no ciclo militar. Então Farhat entendeu que alguém com esse teor de responsabilidades deveria ter uma postura, um comportamento e uma cara condizente com a missão que lhe cabia. Daí, sumiu o Baptista, seus óculos, e a menção ao posto militar que ocupava.
O novo João pousou em Floripa.
Foi com esse ânimo e já se sentindo confortável na interpretação de um descontraído condutor da Nação, que João desembarcou em Florianópolis no dia 30 de novembro de 1979. E nesse trote chegou ao Palácio Cruz e Souza para dar sua bênção à assinatura de diversos documentos que selavam acordos, entendimentos, financiamentos, previsão de obras e que tais, entre o Governo Federal e o Governo de Santa Catarina. Depois desses atos protocolares estava previsto que, bem de acordo com seu novo enredo, ele tomaria um café no “Senadinho”, lugar simples, mas, popularíssimo, do Calçadão do Centro de Floripa. E mais tarde, haveria uma churrascada nos galpões da Celesc em Palhoça para cerca de cinco mil pessoas.
Todavia, devido a trapaças da sorte, quase tudo deu errado. A rigor, só se salvaram as assinaturas e os respectivos compromissos, documentados sob os tetos majestosos do Palácio Cruz e Souza. Dali para a frente imperou, primeiro a balburdia, depois o mal-estar e o constrangimento. E a parte salva foi aquela que eu testemunhei de um ponto de vista muito privilegiado: ao lado do Presidente e do Governador.
Essa história eu contarei na próxima coluna, segunda feira que vem.