A exigência da comprovação da pretensão resistida e seus impactos

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O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais admitiu, em maio de 2023, o IRDR 1.0000.22.157099-7/001 – Tema 91 IRDR-TJMG, a fim de definir a “configuração do interesse de agir do consumidor e a exigência de prévia tentativa de solução extrajudicial”.

O tema em comento abre margem a discussões ainda maiores, que é o que se fará no presente artigo. Pretende-se, nessa oportunidade, observar o caso sob o prisma (i) da pretensão resistida em casos de coautoria e (ii) dos fornecedores de produtos e serviços que sofrem demandas judiciais massivas, sem que haja prévia tentativa de solução administrativa pelos canais internos que disponibilizam e para os quais investem milhões de reais.

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Assim, através de um contexto específico e de uma metodologia indutiva, se propõe o presente artigo a debater os efeitos da pretensão resistida nas demandas judiciais massificadas sem a comprovação de tentativas de soluções amigáveis, tendo, como contexto, o Tema acima referido.

Considerações Iniciais

Trata-se o IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) de instituto formalizado pelo Código de Processo Civil de 2015, entre seus artigos 976 a 987. Sua finalidade é resolver questões de direito que sejam frequentes em demandas judiciais semelhantes em pedidos e causas de pedir, ou seja, tem a “finalidade de auxiliar no dimensionamento da litigiosidade repetitiva mediante uma cisão de cognição por meio do procedimento-modelo ou procedimento-padrão”i.

O incidente funciona como o rito dos recursos repetitivos, ressalvando-se que as semelhanças não ultrapassam uma ratio inicial de repetição: enquanto o primeiro se sujeita à jurisdição do tribunal local, em instância recursal, o segundo pode suspender recursos em âmbito nacional, uma vez que corre nos Tribunais Superiores. Ambos, por suas vezes, têm efeitos vinculantes ao entendimento colegiado (artigo 1.039, do Código de Processo Civil).

Como características, são essas as principais:

  • Relevância: a questão jurídica e/ou o bem tutelado devem ser expressivos em alcance e efeitos, para que a solução múltipla seja viável;
  • Uniformização: o IRDR visa a garantia que uma única decisão seja tomada, resolvendo a controvérsia para todos os processos que envolvam os mesmos pedidos e causas de pedir;
  • Vinculação: a decisão do Tribunal que trata do IRDR tem natureza vinculante para os juízes de primeira instância que tratam dos mesmos casos, o que evita a discrepância de decisões;
  • Eficácia: uma das propostas do IRDR é dar agilidade ao processo, buscando-se soluções mais rápidas e eficientes, sem prejuízo da segurança jurídica.

Sumariamente, o IRDR é um mecanismo jurídico para aumentar a eficiência no sistema judicial e garantir decisões mais consistentes sobre temas recorrentes, aliviando a sobrecarga dos tribunais e proporcionando maior previsibilidade nas decisões judiciais.

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Em termos práticos, o incidente em análise, caso validado pelos julgadores, ensejaria um crivo de admissibilidade das ações através do interesse processual: os juízes de piso passariam a analisar, dentre as condições da ação, a existência da comprovada pretensão resistida – ou seja, se a ação foi ajuizada em razão de comprovada recusa ou inércia da solução do conflito em âmbito extrajudicial.

O Tema 91 do TJMG e a pretensão resistida

O Tema 91 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais decorre do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 1.0000.22.157099-7/002, originado da Apelação Cível no processo 5001791-36.2021.8.13.0327, suscitado pelo Des. José Augusto Lourenço dos Santos, da 12ª Câmara Cível.

A ação principal versa, basicamente, sobre pedido indenizatório em razão de alegação de contratação de cartão de crédito consignado com supostas irregularidades, tendo a sentença extinto o processo sem exame de mérito por carência de interesse processual. A decisão fundamentou seu entendimento no fato de que não haveria pretensão resistida da instituição financeira ré, uma vez que não houve comprovação de que a ré teria se negado a solucionar os problemas da parte autora antes do ajuizamento da lide, sem prejuízo da dispensa do esgotamento das vias administrativas.

Dessa forma, o objeto do incidente é a verificação do interesse de agir nas vias administrativas, a fim de que se reconheça a pretensão resistida previamente ao acionamento da prestação jurisdicional.

A pretensão resistida ocorre quanto uma das partes da relação jurídica nega ou deixa de atender voluntariamente a uma reinvindicação ou direito que a outra parte acredita ter. Traz em sua essência um conflito de interesses, com a recusa (formal ou tácita) de atender às expectativas do pretendente, que se torna obstáculo para a satisfação da pretensão.

A partir desses pontos, o Tema 91 busca uniformizar o entendimento do Poder Judiciário mineiro para o debate da necessidade de comprovação prévia de tentativas de soluções extrajudiciais da controvérsia, como condição para a subsistência da ação judicial – a conduta caracterizaria o interesse de agir e acarretaria efeitos substanciais, tanto no aspecto econômico, quanto no próprio aspecto judicial.

Não obstante os conceitos comuns de pretensão resistida na fase já processual, entendemos que o fenômeno deva ser reconhecido na esfera extrajudicial, sem prejuízo, naturalmente, do Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciárioii. É cediço que o interesse processual é condição indispensável ao direito de ação, devendo surgir, naturalmente, da resistência do obrigado no cumprimento voluntário do que foi pactuado ou determinado por lei. Essa é a pretensão resistida, essencial para que se reconheça o interesse processual – que não se confunde com legitimidade ao direito de ação.

A tentativa de solução amigável, administrativa, ou pré-judicial, seja através de serviços de atendimento ao consumidor ou através dos próprios órgãos reguladores (Anatel, Aneel, ANAC, ANS, dentre tantos outros), Procons e serviços de avaliação de serviços, como o Reclame Aqui, é fator primordial para que se verifique a pretensão do consumidor. A impossibilidade ou a ineficiência na obtenção de seus objetivos caracteriza, por conseguinte, a resistência a essa pretensão, da qual nasce o interesse processual.

A fiel observância desse entendimento, para além da óbvia redução de demandas contumazes, implicaria numa eficácia maior do Judiciário, em termos de prestação jurisdicional, e traria impactos até mesmo para a redução da incidência de casos de litigância predatória, tema de atenção em todo o Judiciário nacional.

Tendo-se por certo que o procedimento não impede, sob qualquer prisma, o acesso ao Poder Judiciário, a medida deve ter sua natureza preventiva valorizada, como caminho para a modernização tanto do Judiciário, quanto do próprio Direito.

Impacto Econômico e Operacional das Demandas Judiciais Massivas

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o Brasil conheceu, apenas em 2024, mais de 11 milhões de novas demandas judiciais de natureza não fiscal e não criminaliii. Trata-se de um número expressivo, considerando o já conhecido abarrotamento do Judiciário, que julga demandas repetitivas a todo tempo, especialmente nos Juizados Especiais Cíveis.

Isso, por certo, contribui para a lentidão e compromete a duração razoável do processo, que, hoje, tem duração média de aproximadamente 3 (três) anos.

O impacto financeiro dessas demandas que poderiam ser solucionadas extrajudicialmente também é relevante – representam uma grande fatia dos custos totais do Judiciário, estimados em, aproximadamente, R$ 100 bilhões por ano.

Esses dados evidenciam uma linha que não deve ser tênue, entre o ajuizamento de ações por mera aventura jurídica (afinal, a coexistência entre o caráter pedagógico da compensação por dano moral e o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade permanece sendo desafiador) e o princípio do acesso à justiça podem e devem ser sopesados, uma vez que não haverá prejuízo dos jurisdicionados ao se avaliar a pretensão resistida como uma causa do interesse processual.

Para os atores sociais dessa relação, especialmente os demandados, a necessidade de prova da pretensão resistida poderia servir como incentivo e controle das eventuais falhas de fornecimento de produto ou prestação de serviços, o que ensejaria em melhorias nos processos de qualidade e, quiçá, na redução das demandas judiciais por redução das causas de pedir.

Sugestões de Melhorias para o Modelo Multiportas

O modelo multiportas é uma forma que o sistema judiciário utiliza para que promova a resolução de conflitos de forma mais eficiente, através de medidas pré-judiciais. Trata-se de um sistema que encaminha as partes para um método mais adequado, personalizado, que objetiva, primordialmente, a solução do conflito através da composição, o que evita o prosseguimento da demanda para a esfera integralmente judicial e o processo da maneira repressiva.

Dentre as principais modalidades desse sistema, são as mais conhecidas a mediação, a conciliação e a arbitragem, tanto pela abrangência quanto pelos resultados alcançados. Não obstante o sucesso desses modelos alternativos de soluções de conflitos, o presente artigo defende a observância de passos que não exijam atuações do Poder Judiciário pela possibilidade da autocomposição integralmente extrajudicial, o que, repita-se impactaria positivamente a produtividade, a eficiência e a efetividade dos Tribunais.

Para tanto, a solução já vem sendo reconhecida e discutida no próprio Tema 91, do Tribunal Mineiro: para que o interesse processual seja constatado, a pretensão resistida deve ser latente, a fim de que o consumidor e os fornecedores de produtos e serviços, de forma autônoma, sejam incentivados a compor fora do âmbito do Judiciário.

A consciência dessa necessidade se apresenta de maneira tão latente que o Poder Legislativo, por meio do Projeto de Lei 533/19, pretende modificar o Código de Processo Civil, para incluir o conceito de pretensão resistida enquanto a tentativa de resolução de conflito extrajudicialmente. Ressalte-se que a mens legis é para a composição de conflitos que envolvam direito patrimonial, podendo-se utilizar as plataformas privadas ou governamentais como canais de composição amigável.

Conclusão

O presente artigo tem por finalidade trazer à luz a discussão advinda do Tema 91, em IRDR do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, acerca da exigibilidade da prova de pretensão resistida enquanto pressuposto de interesse processual.

O debate tem como plano de fundo a proposta de um caminho legítimo e viável para contribuir com a redução dessas demandas repetitivas que, em diversas oportunidades, não viabilizam aos fornecedores de produtos e serviços a oportunidade de solução prévia do conflito pela simples falta de conhecimento prévio dos fatos, o que ocorre através de uma citação e/ou intimação judicial.

Dessa maneira, este artigo sustenta que o tema deve ser explorado, aprofundado e resolvido no sentido de que essa pretensão resistida nasça ainda em fase pré-judicial. O reconhecimento do interesse processual deve vir da evidência de que as tentativas de solução prévia não foram frutíferas, para que o Judiciário aja na resolução dessa disputa.

É certo falar que a postura aqui defendida em nada fere o princípio da inafastabilidade do Judiciário, que se mostrará presente, em qualquer fase do conflito – inclusive na fase administrativa ou extrajudicial – para que preste a tutela jurisdicional que lhe cabe. Não se pode, naturalmente, confundir o interesse processual com a capacidade e a legitimidade postulatória, dado que a Constituição Federal não deixa dúvidas quando ao dever do Judiciário de não excluir de sua apreciação lesão ou ameaça a algum direito. Dessa forma, não se vislumbra qualquer conflito nesse sentido, uma vez que, tal qual a ação, a omissão ou a inércia do demandado extrajudicialmente caracterizam a resistência.

E, por fim, mesmo exitoso e permanecendo necessário o modelo multiportas do Poder Judiciário para a resolução de conflitos – devendo-se, inclusive continuar sendo incentivados para a desburocratização e promoção da eficácia da prestação jurisdicional – o reconhecimento da existência de pretensão resistida para o interesse processual deve ser apreciado pelo Judiciário, a fim de que promova, direta e indiretamente, o aumento das autocomposições e reduzam o impacto, tanto financeiro, quanto operacional, das suas atividades.

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