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De acordo com a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), o primeiro quadrimestre de 2023 registrou crescimento acelerado na utilização do seguro de crédito. Em relação ao mesmo período de 2022, houve aumento em 24,3% na demanda por tal produtos, com mais de R$ 740 milhões arrecadados, e aumento de 411,9% nas indenizações pagas.
Este aumento substancial nos números relativos ao produto seguro de crédito foi um dos efeitos imediatos da recuperação judicial das Lojas Americanas que contava com volumosos valores cobertos pela maioria das seguradoras de crédito do país.
O seguro de crédito, resumidamente, representa a proteção dos recebíveis do fornecedor em face de potencial inadimplência financeira de seus compradores. Evidenciada a inadimplência, a seguradora indenizará o fornecedor, em parte da dívida inadimplida.
Em um cenário em que o comprador, e, portanto, devedor, está em recuperação judicial, qual seria a classificação de créditos indenizados e, posteriormente, sub-rogados pelas seguradoras? Este é o ponto que pretendemos discutir neste texto.
Há pouquíssimo tempo, a resposta imediata seria no sentido de que a classificação do crédito sub-rogado pela seguradora seria a mesma do credor originário, ainda que a indenização securitária ocorresse durante o curso da recuperação judicial, já que se operaria simples sub-rogação sobre crédito existente.
Este entendimento, entretanto, parece estar sendo alterado.
Em dezembro de 2023, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) proferiu decisão que tem o potencial de alterar o mercado de seguro de crédito.
Em decisão inovadora, o TJSP entendeu que a indenização paga pela seguradora de crédito tem natureza extraconcursal quando o desembolso da indenização ocorrer durante o curso da recuperação judicial, de modo que excluiu o crédito da seguradora e, assim, autorizou a sua cobrança de forma autônoma e sem submissão à reestruturação prevista no Plano de Recuperação Judicial.
Para fundamentar o seu entendimento, o desembargador Sérgio Shimura entendeu que “antes do efetivo pagamento da indenização não se pode falar em crédito ‘existente’, já que a seguradora pode se recusar a indenizar”.
De acordo com este entendimento, o pagamento da indenização securitária seria o fato gerador do direito de crédito da seguradora, de modo que, se o desembolso ocorrer após o pedido de recuperação judicial, não se sujeitaria à reestruturação.
Vale lembrar que o artigo 49, caput, da Lei 11.101/05 determina que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, de modo que se o entendimento é no sentido de que o fato gerador do crédito da seguradora é o pagamento da indenização de seguro, e se tal fato ocorreu após o pedido de recuperação judicial, teria a natureza de crédito não sujeito ou extraconcursal.
O fundamento principal do citado precedente baseou-se no fato de que há incerteza quanto (i) a cobertura do seguro, já que, obviamente, o segurado (que no caso é o fornecedor/credor) pode não atender aos requisitos da Apólice, de sorte que sequer haveria cobertura e posterior sub-rogação; (ii) aos valores que serão cobertos, pois ainda que o segurado/fornecedor atenda às disposições da Apólice, apenas após a regulação do sinistro, é que se verificará quais títulos e valores serão efetivamente indenizados (subtraindo-se a franquia, títulos não cobertos etc.).
Portanto, tratando-se de crédito que sequer poderá surgir ou, que se surgir, não se sabe até o desembolso qual será o seu valor, não haveria simples sub-rogação sobre crédito existente, mas verdadeiro crédito novo que surgiria após o pedido de recuperação judicial.
Este entendimento inova em relação ao que vinha sendo decidido pelo TJSP, que, até então, julgava que o crédito da seguradora tinha a mesma natureza jurídica daquele listado em nome do segurado, pois a indenização de seguro representaria simples sub-rogação de crédito existente que, nada mais seria do que a substituição da posição anteriormente ocupada pelo seu segurado.
Se o segurado, portanto, estava listado como credor com garantia real, a seguradora, ao efetuar o pagamento da indenização, passaria a ocupar a mesma posição, até o limite da indenização desembolsada.
A despeito da discussão estar longe de ser simples, este recente julgado do TJSP parece estar alinhado com o zeitgeist sobre o tema.
Por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sedimentou o entendimento de que os prazos prescricionais aplicáveis às seguradoras devem ser computados a partir do desembolso da indenização de seguro, já que este é o momento em que as seguradoras passam a ter o chamado direito de ação (ou actio nata) e, portanto, podem propor ações para perseguir seus créditos sub-rogados.
Deste modo, mesmo que o crédito original esteja prescrito, como para as seguradoras, o termo inicial do cômputo da prescrição seria o pagamento da indenização, nada impediria a propositura da ação.
Parece razoável que, se o direito de ação (e, consequente, prazo prescricional) das seguradoras apenas passe a correr do desembolso da indenização de seguro, igualmente, seu direito de crédito também passe a existir a partir deste momento, o que ratifica o entendimento do TJSP de que o crédito teria natureza extraconcursal quando a indenização for desembolsada após o pedido de recuperação judicial.
Neste mesmo sentido, em casos de fiança bancária, o STJ também já vem entendendo que teria natureza extraconcursal quando desembolsado após o pedido de recuperação judicial, já que “o crédito passível de ser perseguido pelo fiador somente se constitui a partir do adimplemento da obrigação principal pelo garante. Antes disso, não existe dever jurídico de caráter patrimonial em favor deste”.
Apesar de a fiança bancária e o seguro de crédito terem natureza jurídica diversa, as conclusões parecem ser aplicáveis para ambos os casos, já que, nas duas hipóteses há incerteza quanto à constituição do crédito do garante/seguradora até que ocorra o seu desembolso.
Esta nova corrente não apenas é dotada de argumentação sólida que, como visto, vem sendo acolhida pela jurisprudência mais recente, como tem o potencial de destravar a disseminação deste importante produto para a economia.
Isto porque, tratar o crédito da seguradora de crédito como credor extraconcursal (obviamente, apenas nos casos em que a indenização ocorrer durante o curso da recuperação judicial) pode representar uma maior chance de recuperação da indenização securitária para as seguradoras, o que, naturalmente, pode contribuir para a redução do custo dos prêmios, ampliando, em último grau, o acesso ao produto que, infelizmente, segue sendo muito restrito quando comparado à países europeus e aos Estados Unidos da América.
Nunca é demais relembrar que o seguro de crédito ao proteger os recebíveis de fornecedores, tem o potencial de (i) destravar operações comerciais, pois ao reduzir o risco da inadimplência pode gerar um apetite maior do fornecedor em entrar em mercados que, talvez, sem tal proteção não se arriscaria; (ii) gerar mais rentabilidade ao fornecedor que, se necessitar ceder os seus recebíveis para antecipação de caixa, poderá contar com melhores taxas, pois o seguro traz maior segurança jurídica ao cessionário; (iii) reduz o risco sistêmico que grandes recuperações judiciais podem causar, já que ao envolver seguradoras, pode evitar que pequenos e médios fornecedores sejam “dragados” em razão de recuperações judiciais de seus compradores.
Portanto, decisões que tragam maior chance de recuperação para seguradoras de crédito têm o potencial de ampliar o acesso a este importante produto e, com isso, beneficiar toda a economia brasileira que tanto tem sofrido com a crise de crédito atual.