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O recente livro de Mariana Mazzucato e Rosie Collington, cujo título é The Big Con: How the Consulting Industry Weakens Our Businesses, Infantilizes Our Governments and Warps Our Economies[1], traz reflexões muito interessantes sobre aspectos estruturais do atual capitalismo a partir do mapeamento da indústria de consultoria.
Tal indústria é composta não só pelas chamadas “big three” – McKinsey, Boston Consulting Group e Bain & Company – mas também por outras consultorias e empresas de estratégia, assim como pelas “big four” de contabilidade, que têm 40% de suas receitas advindas de serviços de consultorias. Ainda é preciso destacar as conexões entre tais empresas e a indústria de private equity, já que os dois maiores fundos de gestão de ativos – BlackRock e Vanguard – possuem perto de 13% do total de ações das principais empresas que atuam no mercado de consultorias.
Para Mazzucato e Collington, o que surpreende na atualidade é o fato de que tais empresas deixaram de ter papel instrumental e acabaram assumindo crescente protagonismo na gestão não só de empresas, mas também de governos. Com efeito, embora a indústria seja antiga, foi impulsionada nas décadas de 1980 e 1990 por reformas instituídas tanto pela direita neoliberal como por progressistas da terceira via.
Um dos resultados práticos desse impulsionamento foi a terceirização de diversas funções estatais para tais empresas, instituindo o que as autoras chamam de “governo por consultoria” nas mais diversas frentes, o que inclui projetar cidades inteligentes, formular estratégias nacionais de redução de carbono, assessorar exércitos, administrar a construção de hospitais, elaborar legislação fiscal, supervisionar privatizações de estatais, estruturar programas de vacinação (tal como ocorreu com a Covid-19 em países como a França), criar e governar a infraestrutura digital de várias organizações e governos (projetos de e-government ou governo digital), dentre outras.
Foram tais fatores que possibilitaram que as empresas de consultoria se tornassem agentes ativos de mudanças na economia e no governo, inclusive para o fim de moldar reformas de modo a se beneficiar delas. Outra grave consequência dessa terceirização dos governos é que as empresas de consultoria decidem questões importantíssimas para a vida das pessoas sem assumir quaisquer riscos, os quais são transferidos para seus clientes e cidadãos.
Diante de tal contexto, não é surpresa o agigantamento do setor. Os números da indústria impressionam: as estimativas do mercado global de consultoria em 2021 variavam de US$ 700 bilhões a US$ 900 bilhões, embora os números não reflitam todo o panorama das atividades das empresas.
Para as autoras, embora a indústria da consultoria não seja responsável por todos os males do capitalismo, aproveita-se das disfuncionalidades dele – finanças especulativas, setor empresarial focado no curto prazo e setor público avesso a riscos – para prosperar, alimentando-se das fraquezas das economias e dos clientes públicos e privados.
Com efeito, o problema da indústria vai muito além dos escândalos de corrupção, conflitos de interesse ou acidentes evitáveis que são reiteradamente relatados pela grande imprensa. Tais aspectos são considerados pelas autoras como a mera ponta do iceberg.
O problema real é que as empresas de consultoria, sob vários aspectos, criam vários dos problemas que pretendem resolver – como é o caso da questão ambiental, já que deram suporte a muitos projetos que foram danosos para o clima e agora pretendem ser parte da solução – e, ao invés de ajudar os seus clientes de uma forma construtiva, criam relações de dependência, a fim de estimular um fluxo de remuneração cada vez maior.
As autoras enriquecem sua narrativa com inúmeros exemplos interessantíssimos, a partir dos quais se inferem os principais problemas da indústria:
implementação de modelos de negócios extrativistas na gestão de empresas e estados, privilegiando o retorno econômico a curto prazo em detrimento dos investimentos de longo prazo necessários ao progresso;
disseminação de ideias e práticas de extração de valor em grau jamais visto na história, uma vez que as ideias de geração de valor são todas associadas a soluções de mercado, ainda que com consequências adversas sobre trabalhadores e cidadãos;
fomento da opinion shopping, que estimula empresas e governos a contratarem consultorias tão somente para legitimar o que já desejam implementar;
ação das empresas de consultoria em uma espécie de vazio regulatório, o que lhes permite desempenhar, sem qualquer responsabilidade, importantes funções públicas e privadas;
utilização de narrativas, retóricas, redes de conhecimento, instituições semiacadêmicas e think tanks para legitimar a sua atuação;
infantilização das organizações que são suas clientes, pois a terceirização de importantes atividades privadas e públicas para empresas de consultoria sem maiores salvaguardas institucionais erode o conhecimento interno e a memória institucional das organizações, impedindo o aprendizado presente e comprometendo o futuro;
esvaziamento das organizações, pois quem não faz desaprende;
criação de dependência nos clientes por meio de diversas estratégias, como o downsizing, e perda de capacidade das organizações até mesmo para negociar condições adequadas em novos contratos com as consultorias;
perda de capacidade de ação do Estado sobre os mercados;
indevida transferência de responsabilidades, pois muitas vezes a indústria da consultoria atribui legitimidade a decisões controversas, uma vez que o seu modelo de negócios é escapar dos riscos;
obscurecimento das consequências das ações políticas e empresariais, com o solapamento da responsabilidade de governos e empresas;
falta de transparência, já que seus contratos com empresas e governos são sigilosos, protegidos por cláusulas de confidencialidade, o que impede a necessária
As autoras também insistem nas consequências nefastas para a democracia, uma vez que a indústria da consultoria é constantemente usada de forma não condizente com as regras democráticas que existem para proteger o povo, sem que haja qualquer tipo de controle. Aliás, a onipresença de consultores na tomada de decisões e operações da economia global representa, por si só, um desafio para a democracia, pois a maioria das pessoas nem sabe que as consultorias estão lá e o poder que exercem.
Exemplo desta tensão ocorre na área do clima, questão que fomenta um mercado de consultoria climática que alcançará o valor de US$ 8,5 bilhões até 2028. Entretanto, para as autoras, em muitos casos, a atuação das consultorias nessa seara é tão somente para convencer reguladores e opinião pública de que as empresas estão comprometidas com a sustentabilidade ambiental, ainda que isso não se traduza em nenhuma ação. Nesse sentido, é citado o importante exemplo do contrato da Austrália com a McKinsey que, embora tivesse por propósito traçar plano de atingir emissões líquidas zero até 2050, era na verdade, era uma grande trapaça.
Outro ponto de muito destaque na obra diz respeito aos conflitos de interesse nas mais diversas ordens: (i) os decorrentes do fato de que as empresas de consultoria muitas vezes investem em seus clientes; (ii) os decorrentes do fato de que tais empresas servem ao mesmo tempo a governos e empresas, valendo-se de conhecimentos e informações governamentais privilegiadas para beneficiar clientes privados, inclusive no que diz respeito a contornar a legislação; e (iii) os decorrentes do fato de que muitas vezes as consultorias atuam para empresas concorrentes de um mesmo setor, o que pode gerar, para além de conflitos, problemas concorrenciais.
É por essas razões que, segundo as autoras, as empresas de consultoria obtêm rendas muito superiores ao valor que efetivamente entregam, pois seus lucros não derivam propriamente da propriedade de conhecimentos escassos valiosos, mas sim da capacidade de criar uma impressão de valor e de agirem em um contexto que lhes permite extrair rendas de diversos setores da economia, incluindo do governo, sem nenhum tipo de risco, responsabilidade ou accountability.
Daí o livro sugerir quatro propostas que poderiam neutralizar essa ação nefasta:
criação de nova visão, novas narrativas e novos encaminhamentos para o serviço público, o que exige reconhecer o governo como gerador de valor na economia ao invés de um extrator perdulário ineficiente ou um consertador e falhas de mercados, de forma que os governos possam readquirir suas capacidades de aprender, fazer, se adaptar e correr riscos;
investimento na criação de capacidade e competências internas das organizações;
inserção do aprendizado e de um ponto de término nos contratos com consultorias;
exigência de transparência e divulgação de interesses conflitantes, a fim de que as consultorias sejam obrigadas a revelar seus clientes e suas relações com governos.
Para as autoras, tais propostas se inserem no contexto maior de superar a equivocada premissa neoliberal de que governos deveriam remar menos e pilotar mais. O que o livro nos mostra é que quanto menos os governos remam, menos aprendem, menos desenvolvem capacidades para pilotar e menos conseguem ter controle sobre os remadores.
[1] MAZZUCATO, Mariana; COLLINGTON, Rosie. The Big Con: How the Consulting Industry Weakens Our Businesses, Infantilizes Our Governments, and Warps Our Economies. Penguin Books, 2023.