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Inicialmente, é preciso contextualizar que a chamada “Escola de Chicago” é uma das classes de pensamento mais influentes no campo da economia, sociologia, psicologia e, também, de outros domínios das ciências sociais no mundo.
Ela surge da Universidade de Chicago – inaugurada em 1891 e que recebeu um grande incentivo financeiro do empresário John Davison Rockefeller –, sendo a primeira universidade a ostentar um centro de sociologia no mundo.
Com isso, a “Escola de Chicago” passou a produzir incomensuráveis pesquisas, mormente à investigação de fenômenos sociais que se desenhavam nos meios urbanos das grandes metrópoles estadunidenses.
Nessa banda, inaugurou-se um novo campo de pesquisa sociológica, centrado exclusivamente nos fenômenos urbanos, sobretudo no campo comportamental que vem a explorar como as pessoas tomam decisões. Ou seja, como o indivíduo age em sociedade depois da explosão demográfica nos grandes centros urbanos; no caso, em Chicago.
Apontando para este entendimento, no artigo “Escola de Chicago: Estudo Criminológico do Meio Social como ente influenciador de Condutas Criminosas”, as autoras Maria Mota, Isabelle Lavor, Gabrielly Alves e Natália Souza refletem que “a Revolução Industrial teve início na Inglaterra com a imigração em massa da população para as cidades. O aumento desenfreado da população da cidade de Chicago teve diversos motivos e, consequentemente, consequências. Naturalmente as pessoas se deslocavam às cidades em busca de melhores condições de vida para si e para seus filhos. Todos viam as grandes fábricas que precisavam de mão-de-obra (mesmo que a preço ínfimo) como a oportunidade de mudar suas vidas.
Ocorre que, tanto as cidades, quanto às pessoas, não estavam preparadas para uma transformação tão drástica, como a questão do emprego que, diante do grande número de pessoas buscando, as indústrias não tinham vagas suficientes e, consequentemente, pagavam salários baixíssimos. Além disso, a dificuldade de moradia, pois não haviam casas suficientes para abrigar tantas pessoas que chegavam todos os dias.
Assim, um problema foi levando a outro. O acúmulo de pessoas morando em pequenos cômodos fez surgir o aumento de doenças até causar morte; os baixos salários não proporcionavam às pessoas qualidade de vida (sem falar naqueles que eram desempregados), posto que, os valores dos aluguéis eram tão altos que sobrava pouquíssimo para os demais afazeres; a carga horária era cada vez maior e os trabalhadores se submetiam para arcar com as contas e sustentar seus filhos; dentre muitos outros problemas.”
Assim, no que concerne ao crime e à delinquência, a “Escola de Chicago” bebe dos estudos da criminologia e passa a defender que tais fenômenos decorrem da influência que o meio social exerce nos indivíduos; inclusive no que tange aos efeitos psicológicos que induzem à prática de ilícitos.
Seria a chamada criminologia ambiental, onde denota-se que o meio ambiente pode ser o causador ou incentivador do crime e do criminoso. Notadamente, com a expansão demográfica surgiram regiões periféricas desabastecidas de equipamentos sociais e, com isso, o aumento da criminalidade violenta.
É o que seguem afirmando as mesmas autoras quando dizem que “Para explicar o crime, a criminologia se relaciona com outras disciplinas, dentre elas a sociologia criminal que entende ser tal fenômeno o resultado de influências do meio social e psicológicas. Amplia-se a análise e passa-se a verificar o crime sob a ótica da sociedade e não apenas do indivíduo”.
Ratificando tal pensamento, Penteado Filho em seu manual esquemático de criminologia diz que “Em função do crescimento desordenado da cidade de Chicago, que se expandiu do centro para a periferia (movimento circular centrífugo), inúmeros e graves problemas sociais, econômicos, culturais etc. criaram ambiente favorável à instalação da criminalidade, ainda mais pela ausência de mecanismos de controle social”.
Avançando no tema, as autoras Maria Mota, Isabelle Lavor, Gabrielly Alves e Natália Souza aduzem que “Convictos de que o aumento da criminalidade estava diretamente ligado ao crescimento demográfico, os estudiosos da Escola de Chicago passaram a dedicar-se a amostragem e análise atenta aos processos sociais urbanos.
Antes dos estudos desses professores, entendia-se como motivos para a criminalidade as diferenças biológicas, psicológicas e individuais. Com a Escola de Chicago nasce a ideia de que o crime é um produto do meio, ou seja, os diversos problemas que existem em sociedade propiciam. É bastante razoável a compreensão de que os jovens que crescem em um ambiente com poucas oportunidades possam buscar o caminho da criminalidade. Embora não seja a regra, entende-se que toda a pressão do meio é capaz de influenciar uma criança a seguir o caminho do criminoso do seu bairro, por exemplo, que consegue, de uma forma aparentemente simples, dinheiro e bens”.
Dessa forma, é possível inferir que um indivíduo que reside em uma localidade violenta, com altos e crescentes índices criminais e, sobretudo, despida de equipamentos públicos e sociais, tenha maior consciência violenta e pretensão criminosa.
Desse ponto, portanto, há que se pensar sobre uma eventual conduta de um indivíduo que vive em um meio ambiente violento. Segundo os pesquisadores da “Escola de Chicago”, ele passa a ser um “fruto do meio”.
No ponto, sensivelmente se faz necessária a observância à excludente de culpabilidade chamada Inexigibilidade de Conduta Diversa. Trata-se de uma coação que não se podia resistir, devidamente prevista no artigo 22 do Código Penal, quer seja “Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.
Necessário sublinhar que a Inexigibilidade de Conduta Diversa é um conceito jurídico que se insere no âmbito do Direito Penal, especialmente no que concerne à culpabilidade do agente em determinada conduta criminosa. Tal princípio tem como objetivo avaliar se, diante das circunstâncias específicas de um caso, era razoável exigir do agente uma conduta diferente daquela que ele adotou, a fim de afastar sua culpabilidade da punição penal estatal.
Logo, eis o ponto de convergência entre o conceito da “Escola de Chicago” e a “Inexigibilidade de Conduta Diversa”: hipoteticamente, um indivíduo quando inserido em ambiente criminoso – uma vez movido por uma ameaça grave e iminente, por exemplo –, como reação se vê incitado a cometer um homicídio contra àquele que o ameaçou. Estaria isento de culpabilidade? Moldado pelo meio ambiente violento, não lhe restaria outra opção senão agir em delito contra seu “semelhante” delinquente?
Frisa-se que não se pode confundir a Inexigibilidade de Conduta Diversa com a Legítima Defesa do artigo 25 do código penal, onde “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Aqui, não há ação moderada. Pelo contrário, o agir é violento. Não se repele agressão atual ou iminente, pode se tratar de uma ameaça pretérita de morte, por exemplo.
Neste cenário, sob a égide reflexiva do presente artigo, ao não exigir do autor do homicídio outra atitude a não ser a de agir violentamente contra àquele que ameaçou sua vida – desde que inserido em um ecossistema violento –, estaria ele amparado na Inexigibilidade de Conduta Diversa sob a ótica da “Escola de Chicago”.
Outrossim, a Inexigibilidade de Conduta Diversa é um princípio importante dentro do Direito Penal, pois permite uma avaliação mais precisa da culpabilidade do agente em determinada conduta criminosa.
Não obstante, é fundamental que seja analisada caso a caso, levando-se em consideração todas as circunstâncias envolvidas, a fim de garantir que a aplicação da lei seja justa e proporcional.
Em última análise, a Inexigibilidade de Conduta Diversa busca conciliar a proteção dos valores jurídicos fundamentais com a realidade complexa e multifacetada das situações enfrentadas pelos agentes no contexto das relações sociais, como exposto e referendado pelos estudos e diretrizes da “Escola de Chicago”.
E apesar das críticas, o legado da “Escola de Chicago” continua a moldar o pensamento econômico, político e social em todo o mundo. Seus princípios fundamentais são frequentemente invocados em debates sobre políticas públicas, desde questões fiscais e regulatórias até questões de bem-estar social e criminal.
No entanto, à medida que os desafios do século XXI, como mudanças climáticas, desigualdade crescente e avanços tecnológicos, exigem respostas novas e adaptativas, é provável que a “Escola de Chicago” e suas ideias continuem a evoluir e se adaptar às necessidades e realidades em constante mudança da sociedade moderna.
Em síntese, a “Escola de Chicago” é muito mais do que uma instituição acadêmica; é um movimento intelectual que deixou uma marca indelével no pensamento econômico e social, desafiando convenções e influenciando o curso da história.
Da mesma forma, deve-se entender o dever de punir do Estado, onde os atores da persecução penal precisam, ao mesmo tempo, realizar análises macro e, meticulosamente “micro”, focadas nos fatos, nas pessoas e nos ambientes para, assim, entender o fenômeno criminal à frente. Afinal, Direito Penal é feito de pessoas e seus mundos… e justiça, é diferente de justiçamento.
Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo e Direito, e pós-graduado em Inteligência Criminal. Escritor e coautor de livros, é articulista nos principais veículos jurídicos do país, palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC). Atualmente, é Agente de Polícia Civil e integrante do corpo docente da Acadepol (PCSC). No ano de 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz e, em 2023, recebeu Moção de Aplauso da ALESC. Recentemente, ganhou destaque nacional por ser o autor da sugestão legislativa de propositura de Projeto de Lei (apoiada pelo Conselho Federal da OAB), que visa incluir no Código Penal, qualificadoras a crimes praticados contra Advogados no exercício da função (PL 212/2024). Instagram: @miranda.coutinho_