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Durante o processo de recuperação judicial, a Devedora, como regra, é mantida na condução da atividade empresarial, podendo administrar seus negócios e executar atos de gestão sem a necessidade de autorização judicial, desde que não praticados os atos expressamente previstos nos incisos do art. 64 da Lei 11.101/2005, ocasião na qual o Juízo da Recuperação Judicial poderá afastá-la da gestão e convocar uma Assembleia Geral de Credores para deliberar um novo gestor.
Assim é que a Devedora, sem qualquer necessidade de autorização do Juízo da Recuperação Judicial, poderá obter financiamentos, dispor e oferecer como garantia bens do seu ativo circulante, negociar condições de pagamento de créditos não sujeitos à recuperação judicial, dentre outros atos relacionados ao desenvolvimento da sua operação.
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As restrições impostas pela lei para sociedades em recuperação judicial referem-se à venda ou oneração de bens e direitos pertencentes ao seu ativo não circulante.
A justificativa é simples: a disposição desses ativos pode comprometer a continuidade da atividade empresarial e, por consequência, a capacidade de pagamento dos créditos submetidos ao processo de reestruturação.
Por conta disso, a Lei 11.101/2005 estabeleceu certos procedimentos para a realização de operações que envolvam ativos não circulantes, como é o caso da necessidade de autorização judicial para obtenção do financiamento previsto no artigo 69-A da Lei 11.101/2005, usualmente denominado pelo mercado de DIP Financing.
A autorização judicial para a celebração do DIP Financing não se justifica, então, pela celebração do empréstimo propriamente dito, ato este que integraria a liberdade de gestão da Devedora, mas pela outorga de garantia sobre o seu ativo não circulante.
Envolvendo devedoras em situação aguda de crise econômico-financeira, o DIP Financing é essencialmente caro.
Eventual deficiência na negociação das condições do empréstimo ou na gestão dos recursos necessários ao seu pagamento possivelmente desencadeará uma dívida impagável não sujeita à recuperação judicial.
Apesar do potencial de risco, a imprecisa e genérica disposição legal deixou a cargo dos aplicadores do Direito o árduo desafio de compreender os contornos de tal instituto.
A começar pelo pedido, bastaria um simples requerimento justificando a necessidade do empréstimo e da oneração do ativo, ou incumbiria à Devedora apresentar ao juízo todas as condições do financiamento, taxas incidentes, projeções de resultado e capacidade de pagamento?
Na prática, usualmente se tem visto devedoras solicitarem autorização para celebração de DIP Financing mediante apresentação de termos e condições genéricos relacionados à operação que pretendem implementar.
Certo é, no entanto, que a superficialidade de tais informações impede o magistrado de formar qualquer conclusão precisa a respeito da necessidade do financiamento para o soerguimento da Devedora, da sua capacidade de pagamento ou da utilidade do bem a ser onerado.
Não há, de fato, impedimento legal para que o magistrado solicite a complementação das informações apresentadas, mas adentrar na análise das condições da operação – como taxas, encargos, prazos de vencimento etc. –, além de exigir um conhecimento técnico específico sobre o mercado e um aprofundamento das informações financeiras e contábeis da Devedora, poderia configurar uma interferência judicial ilegítima na gestão empresarial.
Não se pode esquecer que o mesmo legislador dispensou a intervenção do juízo nas negociações entre Devedora e Credores para elaboração de um plano de recuperação judicial, balizando sua análise ao aspecto da legalidade, mas não da sua viabilidade, sendo esta última atestada por laudo elaborado por um perito técnico cuja lei exige que acompanhe o Plano para consulta pelos interessados.
Recorda-se, ainda, que o crédito decorrente de um DIP Financing é, por natureza, um crédito não sujeito à recuperação judicial, já que constituído após a distribuição do pedido e, normalmente, garantido por alienação fiduciária (art. 49 c/c §3º da LRF), detendo prioridade no recebimento sobre os demais créditos em caso de eventual convolação em falência (art. 84, I-B da LFR).
Ora, se ao juiz não cabe exercer juízo de valor sobre as condições do plano de soerguimento da Devedora, que reúne os meios de recuperação e de pagamento de créditos sujeitos, menos razão lhe assistiria para interferir em uma única operação originadora de um crédito não sujeito.
Contraditório, então, foi o legislador que, apesar de prever impugnação por credores e possibilidade de convocação de uma Assembleia Geral para deliberar sobre a venda ou oneração de um ativo não circulante pelo procedimento do artigo 66 da Lei 11.101/2005, confiou exclusivamente ao Juiz da Recuperação Judicial a autorização de um financiamento caro com oneração de um ativo não circulante e prioridade no recebimento em caso de falência.
A própria Lei prevê que eventual modificação da decisão de autorização da contratação do financiamento em sede recursal pouco, quiçá nenhum efeito terá sobre recursos porventura já desembolsados, os quais conservarão sua natureza extraconcursal e não interferirão nas garantias outorgadas.
O que se vê, na prática, é a possibilidade de concessão de um efeito de imutabilidade a uma decisão judicial limitada proferida por um Juiz desprovido de informações suficientes para fundamentá-la.
Uma alternativa para conferir maior segurança à operação sem intervenção judicial na gestão empresarial seria consultar os credores sujeitos previamente à autorização da operação, procedimento obrigatório nos raríssimos casos em que há instalação de comitê de credores.
Não se pode negar, todavia, que o interesse dos credores na operação pode, muitas vezes, ir de encontro aos melhores interesses da Devedora, pois é inevitável que as elevadas taxas de um DIP Financing causem receios decorrentes da redução patrimonial da Devedora e do aumento significativo da dívida em prol de um único credor não sujeito à recuperação judicial.
Também se poderia cogitar a realização de um processo competitivo entre potenciais investidores para a escolha do melhor modelo de financiamento que se adeque àquela Devedora.
Deve-se lembrar, contudo, que a intenção do legislador ao prever a celebração do DIP Financing com mera outorga judicial foi trazer celeridade ao procedimento para permitir sua concretização antes de negociado o plano de recuperação judicial e instaurada a assembleia geral de credores.
Consultar credores ou realizar um processo competitivo não é, de certo, célere, tampouco fidedigno aos melhores interesses da Devedora, cabendo ao juiz avaliar se tais procedimentos seriam benéficos ao caso concreto.
Opção que certamente economizaria tempo sem configurar inovação demasiada na ordem jurídica, seria solicitar à Devedora a apresentação de um laudo técnico que ateste a viabilidade do DIP Financing e da sua capacidade de pagamento, tal como exigido pelo legislador para subsidiar o plano de recuperação judicial.
Seja como for, a fim de evitar que a deficiência do dispositivo legal crie uma situação propícia à celebração de maus negócios, principalmente por pequenas e médias empresas inexperientes e ávidas pela obtenção de caixa rápido, compete a cada magistrado, sob o olhar do caso concreto, buscar alternativas criativas que assegurem a viabilidade e efetividade da operação sem, contudo, usurpar da autonomia de gestão da Devedora.
Caso contrário, limitado aos rasos preceitos da lei e desprovido de informações suficientes para exercer algum juízo de valor sobre o DIP Financing, não lhe restaria opção senão confiar no discernimento da própria Devedora para escolher o investidor e negociar as melhores taxas e condições do mercado.