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Ao se olhar para as principais pesquisas internacionais sobre a democracia, o Brasil sempre foi um país com uma democracia eleitoral ou uma democracia falha, conforme V-Dem e The Economist Unit, respectivamente. Em ambos os casos, significa que o Brasil sempre teve dificuldades em performar uma democracia de qualidade.
Ao longo dos anos, o país enfrenta a melhora ou piora de alguns indicadores relacionados com a participação política e liberdades e direitos civis, por exemplo. Essas pesquisas ficam atentas aos desdobramentos políticos que assolam o país, tal quais o impeachment de Dilma Rousseff, a eleição de Jair Bolsonaro e reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O que gera surpresa é a melhora significativa que o Brasil teve na análise referente ao ano de 2023, no relatório da V-Dem, especialmente em temas como liberdade de expressão, mesmo diante de abusos do Judiciário.
O relatório aponta que um dos grandes motivos para o Brasil sair de uma onda de “autocratização” e guinar para um processo de democratização foi a maneira como o processo eleitoral ocorreu nas últimas eleições presidenciais. São utilizados como exemplos o combate à desinformação realizado pelo STF e pelo TSE, uma frente ampla democrática realizada pela oposição e encabeçada por Lula, a independência do Judiciário mesmo perante críticas de Bolsonaro ao STF, a resiliência do processo eleitoral frente aos questionamentos, e depois das eleições, o reconhecimento da vitória de Lula por parte das várias instituições nacionais e internacionais.
Além disso, conforme a relatório da Global Expression realizado pelo Artigo19, que reúne os indicadores referentes à liberdade de expressão da V-Dem, o Brasil teria avançado em temas como a participação de organizações da sociedade civil, liberdade de publicação de conteúdo político, monitoramento governamental da internet, transparências das leis e sua aplicação, violência política e liberdade religiosa e acadêmica.
Assim, o Brasil passou da 87ª posição em 2022 para a 35ª posição, transitando de “restrito” para “aberto”. Pesquisas como a da V-Dem contam com uma metodologia que reúne uma variedade de indicadores para categorizar países entre uma democracia liberal, eleitoral, participativa, deliberativa, entre outras. Para isso, são utilizadas as impressões de especialistas em cada assunto para gerar as notas dos índices.
O grande problema é que ao analisar os acontecimentos do ano de 2022 e 2023 não parece haver uma evolução a ponto de sermos o país que mais evoluiu em termos de liberdade de expressão – se é que houve alguma evolução. De fato, no governo Bolsonaro houve inúmeros acontecimentos que ameaçaram a liberdade de imprensa, através de assédios morais proferidos pelo próprio ex-presidente. Além de falsas acusações sobre a integridade do processo eleitoral alegando ter provas, quando estas não existiam, e a falta de transparência em relação às ações do governo.
No entanto, o que também se percebe é uma série de excessos por parte do Judiciário. As ações do Judiciário durante os anos de 2022 e 2023 demonstraram abusos através de decisões chamadas de “excepcionalíssimas”, que se repetiram desde então. Estas decisões deram margem para a censura com base em critérios abrangentes como conteúdos “notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados”, ou que ameacem ao Estado democrático de Direito, sem a devida especificação do que isto significa, gerando uma grande insegurança jurídica. Sem contar a recente nomeação ao Supremo Tribunal Federal do ex-advogado pessoal de Lula, o que indica um claro conflito de interesses entre o Executivo e Judiciário. Diante desse contexto, os freios e contrapesos das instituições brasileiras também são afetados, haja vista a clara negligência do Legislativo em se contrapor.
Ao analisar a opinião da população em relação a liberdade de expressão, também temos problemas. Em 2023, o Instituto Sivis realizou uma pesquisa para coletar as impressões da população e do Congresso a respeito da liberdade de expressão. Os dados mostram uma grande confusão conceitual sobre o que esse valor contempla, além de apresentar dados preocupantes sobre a autocensura.
Uma vez que mais de 40% da população respondeu que, pelo menos às vezes, se não frequentemente ou sempre, deixou de expressar sua opinião em uma conversa sobre temas políticos, por medo de como os outros poderiam reagir – seja em família (44,5%), com amigos (44,6%) ou com colegas de trabalho (42,4%). Ao passo que pelo menos 33% dos brasileiros dizem ter medo, às vezes, frequentemente ou sempre de serem prejudicados ou perseguidos pelas autoridades por criticar publicamente políticos, agentes públicos ou políticas públicas do governo.
Quando observamos os acontecimentos deste ano, a situação é ainda pior. Sob o pressuposto de combate às fake news, o TSE realizou alterações na resolução das eleições municipais e que infringem a lei do Marco Civil da Internet, trazendo ameaças para a liberdade de expressão. Além disso, recentemente o Ministério da Justiça realizou um pedido de ofício à Polícia Federal para investigar perfis que disseminassem desinformação sobre a atuação do governo em relação às enchentes do Rio Grande do Sul. Neste ofício, embora alguns perfis, de fato, propagaram notícias falsas, outros somente realizaram uma crítica à eficiência estatal. A Advocacia-Geral da União (AGU) chegou a processar um dos perfis sob a alegação de violar a honra da União, quando este em questão afirmou que as Forças Armadas eram ineficientes.
Em conclusão, o progresso relatado em termos de liberdade de expressão no Brasil contrasta com uma realidade marcada por abusos do Judiciário e uma preocupante autocensura. A questão da desinformação deve ser enfrentada com afinco, tendo em vista os grandes prejuízos à democracia brasileira. Mas isso não justifica que a liberdade de expressão seja atropelada e seus princípios básicos sejam deixados de lado. Para a saúde da democracia brasileira, é vital uma discussão plural e franca sobre esse valor no país.