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Recentemente foi noticiado[1] que o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) proferiu o Acórdão 1368/2024, em que a Corte de Contas avaliou o procedimento de Guia de Utilização (GU) na mineração e constatou, em síntese, que o expediente estaria sendo usado pela Agência Nacional de Mineração (ANM) como uma alternativa à concessão de lavra, e isso é feito para amenizar os efeitos deletérios da morosidade do procedimento para a obtenção da Portaria de Lavra (muitas vezes superior a dez anos).
Segundo a notícia, também haveria evidências de lavra sem licenciamento ambiental, mas com GU emitidas. Para formar seu convencimento, o TCU se baseou em diversos dados fornecidos pela ANM e teve como amostragem as GUs emitidas na circunscrição das gerências regionais nos estados de Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo e Rondônia/Acre, no período de janeiro de 2017 a dezembro de 2021.
Entretanto, o TCU se apega em literalidades normativas e suas recomendações (como cancelamento de Guias de Utilização que tenham extrapolado o prazo de alvará de pesquisa, por exemplo), não leva em conta alguns aspectos legais relevantíssimos, como, por exemplo, o fato de a mineração ser atividade de interesse nacional e utilidade pública, conforme expresso no art. 2°, I e II[2] do Regulamento ao Código de Mineração (Decreto n° 9.406/2018).
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Tais recomendações também passam ao largo do consequencialismo[3] e o colapso setorial que poderia gerar uma maior dificuldade na emissão das GUs, e os respectivos efeitos deletérios no âmbito socioeconômico.
O TCU é obrigado por lei a avaliar os impactos que suas decisões são capazes de gerar no mundo material, aliás, esse critério já foi utilizado diversas vezes pela Corte de Contas[4], notadamente em relação a impactos socioeconômicos.
É preciso que se tenha em mente a função social da empresa (setor regulado) e todo o reflexo nas economias locais, regionais e nacional. Nesse momento seria fundamental que o TCU emitisse suas recomendações com base em dados sobre geração de empregos, renda e arrecadação proporcionadas pelas atividades de mineração com base em Guias de Utilização.
Ademais, o governo federal lançou o Plano de Ação para a Neoindustrialização 2024-2026, a Nova Indústria Brasil (NIB), que visa trazer estímulos para que o país retome o caminho de fortalecimento da indústria nacional, uma vez que “é chave para o desenvolvimento sustentável”, e isso passa pela retomada da confiança dos agentes privados e superação dos entraves ao desenvolvimento, segundo consta do texto divulgado.
Nesse contexto, não é alvissareiro pôr as GUs sob a perspectiva que o TCU adotou.
O ordenamento jurídico se refere à GU como algo excepcional e o TCU se foca nisso, entretanto, a dinâmica dos mercados e, principalmente, o sucateamento do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), substituído pela ANM (que ainda enfrenta severos problemas de recursos humanos e orçamentários), fizeram dela uma solução para que o investimento na mineração (e geração de renda e empregos) se desenvolvesse nas últimas décadas. Lembre-se: é uma solução para uma atividade estratégica, de utilidade pública e interesse nacional, que gera divisas, emprego, renda, arrecadação e desenvolvimento regional.
Se a GU tem sido excessivamente utilizada, essa não foi uma opção das mineradoras, até porque é um ato juridicamente precário em comparação com a Portaria de Lavra, que é o ato derradeiro do regime de concessão mineral.
Mas o mundo ideal não é o real e no dia a dia, a GU se mostra como solução para a demanda do setor regulado, nesse prisma, há de se ver com bons olhos, inclusive como uma inovação regulatória a ser aprimorada.
Por sinal, se há exploração de bem mineral com GU, mas sem licença ambiental, e se isso pode ser constatado com uma simples análise processual, sem fiscalização ostensiva (com gasto de recursos humanos e financeiros do Estado), quer dizer que o combate à exploração mineral insustentável se tornou mais eficiente.
Tampouco se diga que seria pernicioso a expedição de GU sem a emissão de licença ambiental, pois o que a norma hoje prevê é que a eficácia daquela está condicionada à emissão dessa[5].
Ora, haverá crime por parte do minerador que executar a lavra, tendo a GU, mas não detendo licença ambiental (ou ato equivalente), a teor da Lei 9.605/98[6], logo, o Direito já coíbe qualquer prática nesse sentido;
A propósito, segundo o §4º do art. 107 da Portaria 155, “a realização de lavra sem a devida licença ambiental ou documento equivalente, ainda que nos termos da GU, será considerada lavra ilegal, inclusive para fins de caracterização do crime de usurpação, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.176/1991”, logo, mais uma vez o direito e o poder regulatório da ANM impõem severas consequências jurídicas à mineração sem licença/autorização.
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Aliás, as licenças ambientais/autorizações têm prazo de validade (Res. CONAMA 237/1997)[7]. Não é sustentável, nem tampouco atende ao princípio da eficiência administrativa (art. 37 da CRFB/88), que parte do prazo das licenças ambientais sejam consumidos à espera da emissão da respectiva GU, sem que haja atividade minerária efetivamente associada, que é o que certamente acontecerá se se, por exemplo, possuir licença ambiental for condição prévia à emissão da GU. Haveria desperdício de horas de trabalho dos servidores dos órgãos ambientais competentes, má gestão do Erário, e isso sim, há de ser controlado pelo TCU.
Embora a GU não seja o expediente ideal para a mineração, ela ao menos permite que se fiscalize lavras sem vistoria, com isso pode-se identificar infrações e crimes ambientais (que estão suficientemente coibidos na lei) e ainda se revela um expediente célere para a produção mineral no país, inclusive para que se aprimore a pesquisa mineral, pois com ela, pode se testar mercados e viabilidade econômica da jazida e obter recursos para financiá-la (lembrando que a mineração é atividade de longa maturação e de elevadíssimo risco).
O Acórdão 1368/2024 do TCU traz constatações importantes quanto às mazelas das mineradoras no calvário da obtenção das Portarias de Lavra e as carências da ANM mas traz uma conclusão de copo meio vazio, e suas recomendações poderão esvaziar um copo que ainda está meio cheio.
[1] Excesso de autorizações para mineração prejudica pesquisa mineral e eleva danos ao meio ambiente.
[2] Art. 2º São fundamentos para o desenvolvimento da mineração:
I – o interesse nacional; e
II – a utilidade pública.
[3] Decreto Lei nº 4.657 de 04 de Setembro de 1942:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
[4] São exemplos, os Acórdãos do plenário nºs 986/2022 e 1.928/2021.
[5] A Resolução ANM nº 37, que alterou a Portaria nº 155, de 12 de maio de 2016 (que aprovou a Consolidação Normativa do DNPM) e fez constar na mesma, o artigo 107, que trata das Guias de Utilização (GU) e diz: Art. 107. A eficácia da GU ficará condicionada à obtenção de licença ambiental ou documento equivalente.
[6] Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
[7] Art. 18. O órgão ambiental competente estabelecerá os prazos de validade de cada tipo de licença, especificando-os no respectivo documento, levando em consideração os seguintes aspectos:
I – O prazo de validade da Licença Prévia (LP) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas e projetos relativos ao empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 5 (cinco) anos.
II – O prazo de validade da Licença de Instalação (LI) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de instalação do empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 6 (seis) anos.
III – O prazo de validade da Licença de Operação (LO) deverá considerar os planos de controle ambiental e será de, no mínimo, 4 (quatro) anos e, no máximo, 10 (dez) anos.
§ 1º – A Licença Prévia (LP) e a Licença de Instalação (LI) poderão ter os prazos de validade prorrogados, desde que não ultrapassem os prazos máximos estabelecidos nos incisos I e II.