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No contexto jurídico brasileiro, desde a entrada em vigor do CPC/2015, um dos aspectos mais impactantes do Direito processual tem sido a implementação de um sistema de precedentes vinculantes. Este sistema, que é inspirado em modelos de common law, vem ganhando espaço e se adaptando à realidade pátria. Para ilustrar essa adaptação, trago um exemplo prático envolvendo uma empresa que enfrentava um processo trabalhista.
A empresa havia sido condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (TRT19) a reconhecer o vínculo de emprego com um trabalhador e, consequentemente, a pagar as verbas daí decorrentes. Foi interposto recurso a ser julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), porém as chances de reverter a condenação eram bastante reduzidas, principalmente por causa da natureza extraordinária do recurso interposto.
Entretanto, antes que o TST pudesse julgar o recurso, foi adotada uma medida estratégica e, talvez, ainda incomum: a empresa ajuizou uma reclamação constitucional no Supremo Tribunal Federal (STF). Esta reclamação constitucional é uma ferramenta processual destinada a preservar a competência ou autoridade de decisões proferidas pelas cortes superiores, sendo utilizada no caso para apontar que o acórdão do TRT não observara a jurisprudência firmada pelo STF nos casos em que decide sobre a possibilidade de contratar de outras formas, que não a relação de emprego.
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Essa ação no STF teve um resultado positivo para a empresa, e a decisão original do TRT foi cassada. Assim, o processo retornou ao tribunal de origem, que deveria realizar um novo julgamento em conformidade com a decisão proferida pela Suprema Corte. Até aqui, casos como esse têm sido bastante noticiados. Mas há uma coisa que chamou a atenção, para destacar esse relato.
No acórdão proferido pela turma do regional, o tribunal explicitamente registrou que, embora não concordasse com o teor da decisão do STF, julgaria conforme a determinação superior. Essa manifestação é um reflexo claro da transformação que o sistema judiciário brasileiro está atravessando com a adoção do sistema de precedentes.
Consta na fundamentação da decisão:
“O que ficou constatado, repita-se, pela ampla análise do conjunto fático-probatório constante dos autos, foi a existência dos elementos fáticos e jurídicos necessários à caracterização do vínculo empregatício (art. 3º da CLT). Assim, inexiste, in casu, aderência estrita entre o reconhecimento do vínculo empregado e o conteúdo da ADC 66/DF e ADPF/DF 324.
No que pese todo o arrazoado acima, ressalvado entendimento pessoal, acata-se a decisão da Suprema Corte, por disciplina judiciária. É que a determinação do STF foi no sentido de que este Regional prolatasse outro acórdão com obediência aos precedentes já mencionados, ou seja, decisão que não reconheça o vínculo empregatício.
Nesse diapasão, não resta outra alternativa a não ser afastar o vínculo empregatício, com fundamento na decisão do STF. Essa, inclusive, é a diretriz que está sendo tomada pelos tribunais trabalhistas, a exemplo do TRT mineiro que, em caso análogo a este, no rejulgamento do recurso RO 10104428-10.2017.5.03.0043, afastou o vínculo empregatício fundamentando na decisão da Corte Suprema, apesar de as provas dos autos autorizarem o reconhecimento do liame laboral”
Como mencionado, o CPC definitivamente implementou um sistema de precedentes vinculantes. Assim, as decisões – ao menos aquelas mencionadas no art. 927 – devem ser obrigatoriamente observadas pelas instâncias inferiores. Elas não são mais meramente persuasivas, ou seja, não são uma mera orientação que pode, ou não, ser seguida pelas demais cortes. São, na verdade, vinculantes, devendo ser observadas de forma obrigatória pelos tribunais de todo o país.
O caso narrado nos mostra que, na prática, esse processo de adaptação não ocorre de forma imediata. A resistência de alguns tribunais de instâncias inferiores em aplicar os precedentes estabelecidos pelas cortes superiores é uma realidade que ainda precisa ser superada. Para a sorte da empresa, os precedentes não observados pelo tribunal trabalhista tinham a via da reclamação como uma ferramenta de proteção, o que possibilitou que o STF afastasse a decisão que não aplica seu precedente.
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Embora o TRT, nesse caso, tenha acatado a decisão do STF num segundo momento, o fato de necessitar do ajuizamento da reclamação mostra que, processual e culturalmente, ainda há um caminho a ser percorrido até que o sistema de precedentes seja totalmente incorporado e respeitado, ainda que sem a concordância pessoal do magistrado ou do colegiado que julga a questão.
O caso analisado demonstra, de forma prática, como o sistema de precedentes vinculantes está sendo implementado e como os tribunais estão, ainda que lentamente, se adaptando a esse novo modelo. Embora o TRT inicialmente tenha resistido a aplicar o precedente do STF, ao final, acatou a decisão, ainda que de forma relutante.
Esse não é o cenário ideal, uma vez que a jurisprudência do STF deveria ter sido observada desde o início, sem a necessidade do ajuizamento da reclamação constitucional. Contudo, talvez, o segundo acórdão, onde os julgadores registram a ausência de concordância, mas acatam a decisão, seja uma demonstração de que a caminhada na aplicação do sistema de precedentes vinculantes esteja andando, afinal.