No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

A PGFN e o duplo grau de diálogo: desvirtuando o consenso

Spread the love

Um recente levantamento realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a eficiência da cobrança e do contencioso tributário na esfera federal[1] parece ter confirmado uma impressão que era quase unânime para quem atua na área: a excessiva demora na conclusão dos litígios entre a Fazenda Nacional e seus contribuintes.

Segundo dados do relatório, a média de tramitação dos processos tributários – incluindo as fases administrativas e judicial – em 2018 era de impressionantes 15,6 anos, algo que soa quase como aberração para um país cuja Constituição consagra, como direito fundamental, “a razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII).

Conheça o JOTA PRO Tributos, a plataforma de monitoramento para empresas e escritórios, que traz decisões e movimentações do Carf, STJ e STF

Apesar disso, é preciso reconhecer alguns avanços no sentido da desjudicialização da cobrança dos créditos tributários que buscam alterar essa realidade. De fato, desde a edição da Portaria 396 em 2016, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tem adotado medidas que visam diminuir não apenas a duração do litígio tributário, como também a sua própria existência.

Exemplos dessas medidas são o arquivamento em massa de execuções fiscais, combinado com o seu ajuizamento seletivo, e o protesto das certidões de dívida ativa.

Ainda nesse sentido, temos a Lei 13.988/2020, que regulamentou a transação tributária no âmbito federal. Ela abriu espaço para uma nova frente de negociação resolutiva de litígios, seja na cobrança da dívida ativa, seja no contencioso tributário.

Por fim, buscando aproximar a Administração Tributária da chamada consensualidade administrativa[2], vale destacar também a criação pela PGFN do pedido de revisão de dívida inscrita (artigo 20 da Portaria 33/2018), que permite ao devedor provocar uma reanálise dos “requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade dos débitos inscritos”. Quando acolhido, o PRDI pode ensejar a revisão, suspensão ou até mesmo a extinção da inscrição, paralisando a sua cobrança e evitando o ajuizamento de uma nova execução fiscal.

Apesar de todo esse esforço empreendido pela PGFN, há um aspecto que pode – e deve – ser criticado como contribuição para um aprimoramento dessas medidas: a insistência em garantir um suposto “duplo grau de jurisdição administrativa” ao contribuinte quando ele é chamado a participar da ação administrativa.

Esse é precisamente o caso do PRDI, mencionado acima. Conforme previsão do artigo 20 da Portaria 33/2018, “da decisão que indeferir o pedido de revisão, total ou parcialmente, caberá recurso, no prazo de dez dias, sem efeito suspensivo”. Mas o “duplo grau administrativo” no âmbito da PGFN não para por aí.

Há pelo menos duas outras hipóteses em que o órgão oferece ao devedor a possibilidade de recorrer contra a primeira decisão para uma autoridade administrativa superior: no pedido de revisão de capacidade de pagamento para fins de transação, previsto na Portaria 6757/2022 (artigo 34-A), e também no chamado procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade (PARR), regulamentado pela Portaria 948/2017 (artigo 6º).

Ou seja, a própria PGFN dá condições para que haja uma demora – desnecessária, na nossa opinião – ao encerramento destes procedimentos e, em última análise, do próprio litígio tributário.

O caso do PRDI é o que chama mais atenção porque, como dito, ele está intimamente relacionado à busca da consensualidade administrativa entre fisco e contribuinte e, claro, aos esforços de redução de litigiosidade.

A PGFN abre espaço para que o devedor se manifeste previamente à cobrança judicial – inclusive com vantagens a depender da observância do rito estabelecido – na esperança de que, uma vez ouvido, ele ajude a resolver o litígio, seja apresentando razões para a extinção da dívida, seja pagando-a quando as razões não forem acolhidas.

Mas criar um canal de diálogo com o devedor não significa necessariamente instaurar um processo administrativo em sentido estrito, no qual a Administração Tributária seria obrigada a observar os princípios do contraditório e ampla defesa – a teor do artigo 5º, inciso LV da Constituição – e também os preceitos básicos da Lei 9.784/1999, dentre os quais, destaque-se, a garantia de “interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio”.

O objetivo da medida é justamente o de evitar a instauração de um processo – judicial, por certo – sendo incoerente pensar que, para tanto, seria necessário aumentar a litigiosidade administrativa.

A simples regulamentação pela PGFN de uma manifestação que é mero corolário do direito de petição não tem o condão de transformá-la em autêntico processo administrativo[3]. E justamente por isso ela também não deveria se estender para além do necessário em termos de diálogo: a análise por uma única autoridade administrativa.

A nosso ver, a previsão de recurso para o PRDI não tem justificativa plausível. A uma porque, como se viu, PRDI não tem natureza de processo administrativo. E a duas porque, ainda que admitida tal condição, fato é que, à míngua de previsão legal específica, o duplo grau de jurisdição não é uma garantia fundamental do contribuinte, nem em âmbito judicial, menos ainda em âmbito administrativo.

Isso foi o que proclamou, por duas vezes, o Supremo Tribunal Federal: a primeira no AI 209.954-AgR, relator ministro Marco Aurélio (“o duplo grau de jurisdição, no âmbito da recorribilidade ordinária, não consubstancia garantia constitucional”); e a segunda no RHC 79.785, relator ministro Sepúlveda Pertence (“não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional”).

No voto do ministro Sepúlveda Pertence, há expressa menção ao fato de que a Constituição “não vedou à lei ordinária estabelecer as exceções que entender cabíveis, conforme a ponderação em cada caso, acerca do dilema permanente do processo entre a segurança e a presteza da jurisdição”.

Ora, se a lei ordinária pode criar exceções ao duplo grau de jurisdição, a contrario sensu pode-se afirmar que ele não é de observância obrigatória a não ser que esteja expressamente previsto em lei. Como se viu, o PRDI não tem previsão legal; ele foi uma “liberalidade” criada pela PGFN por meio de portaria. Daí por que não há qualquer obrigatoriedade na previsão de recurso, sendo também essa uma opção – bastante questionável – da PGFN.

Convém lembrar que as garantias inerentes aos processos administrativos e judiciais são asseguradas aos contribuintes tanto na fase de constituição do crédito tributário quanto na fase judicial da cobrança com os embargos do devedor.

Querer transformar o PRDI numa terceira instância processual de discussão sobre a exigibilidade do crédito, assegurando, inclusive, a possibilidade de recurso, é negar os esforços de redução de litigiosidade e de mudança do quadro de morosidade do contencioso tributário brasileiro.

Por óbvio, a crítica direcionada à previsão de recurso contra a decisão que analisa o PRDI se aplica igualmente aos recursos do pedido de revisão de Capag e do PARR. Embora louvável o esforço da PGFN em reduzir a litigiosidade no contencioso tributário, ela parece presa a alguns arranjos procedimentais dispensáveis e que, em nada, colaboram para tal objetivo.


[1] Disponível em: https://sites.tcu.gov.br/listadealtorisco/eficiencia_da_cobranca_e_do_contencioso_tributarios.html

[2] Seguindo a classificação de Juliana Bonacorsi de Paula e Vitor Rhein Schirato, o termo consensualidade aqui é usado no sentido amplíssimo, ou seja, entendido como “qualquer forma de ingerência privada na Administração Pública, ainda que não vinculante”. Ainda segundo os autores, “a manifestação de vontade dos particulares destina-se, segundo essa acepção, à promoção de diálogo e reivindicação de seus correspondentes direitos, abarcando diversos instrumentos jurídicos para tanto: ajustes de conduta, acordos governamentais, transações judiciais, contratos administrativos e meios de resolução extrajudicial de conflitos”. SCHIRATO, Vitor Rhein; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Consenso e legalidade: vinculação da atividade administrativa consensual ao direito. Revista brasileira de direito público, Belo Horizonte, v. 7, n. 27, out./dez. 2009. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/31799>. Acesso em: 10 mai. 2024

[3] E, por isso, nos parece descabida a discussão quanto à natureza jurídica de “recurso” do PRDI, defendida por quem pretende estender a ele o efeito de suspensão da exigibilidade do crédito previsto no artigo 151, inciso III do CTN, a despeito da expressa referência que o dispositivo faz a “leis reguladoras do processo tributário administrativo”, o que não inclui uma simples portaria.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *