A Política Legislativa Penal em prol da Advocacia brasileira: uma análise do PL 212/24 à luz da Racionalidade Legislativa

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A criação de leis penais é um processo que deve equilibrar a proteção de bens jurídicos e a garantia de direitos fundamentais.

Nesse sentido, a política legislativa penal refere-se ao conjunto de princípios, diretrizes e estratégias adotadas pelo Estado para a criação, modificação e aplicação das leis, visando a prevenção e repressão de crimes, a tutela dos direitos fundamentais e a promoção da justiça social.

Na obra “Teoria da Norma Jurídica” – que ultrapassa décadas mantendo-se atual –, Norberto Bobbio afirma que “a norma jurídica é uma regra de conduta obrigatória estabelecida pelo poder público, que regula as relações sociais com o objetivo de manter a ordem e a justiça na sociedade.”

Claramente, essa política é essencial para a orientação das ações do legislador, de modo a garantir que tais normas penais sejam efetivas, proporcionais e, sobretudo, em consonância aos valores e necessidades da sociedade.

Justamente ao encontro do que aduz Fábio Roberto D’Avila no livro “Política Criminal: Fundamentos e Propostas”, quando diz que “a política criminal deve ser entendida como um conjunto de estratégias e ações que visam a prevenção e repressão da criminalidade, bem como a promoção de uma justiça penal equitativa e eficaz.”

Nesse encontro, emergiu no ano de 2022 a necessidade de se resguardar a Advocacia por meio de um lastro legislativo penal que trouxesse luz ao relevo constitucional do artigo 133 àqueles que são indispensáveis à administração da justiça, os advogados: “Art. 133 (CF). O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

Isso, porque ante aos inúmeros e crescentes casos de ataques à Advocacia, o Projeto de Lei 212/24 veio propor alterações nos artigos 121 e 129 do Código Penal – fazendo um importante paralelo ao artigo 1º da Lei de Crimes Hediondos –, com o objetivo de incluir homicídios e lesões corporais contra advogados, no exercício de suas funções ou em decorrência delas, como crimes qualificados e hediondos; tornando-os assim, também, imprescritíveis e inafiançáveis.

Eis, portanto, um exemplo contemporâneo que permite realizar esta análise introdutória sobre a política legislativa penal que, neste caso concreto, visa estabelecer normas que protejam não somente os bens jurídicos mais importantes – como a vida e a integridade física não da pessoa física do advogado –, mas também da instituição Advocacia como mantenedora do Estado Democrático de Direito.

Como se aduz na respectiva sugestão legislativa por nós proposta à OAB em 2022 e, no artigo “Projeto de Lei: qualificadoras penais em prol à Advocacia brasileira”, ratificamos que: “Por isso, tais fatos não devem ser compreendidos como “crimes simples” (aqueles em que, para o direito, não há um motivo pontual) e, sim, como “crimes qualificados”, pois configuram verdadeiros golpes à Justiça em detrimento da motivação específica que, à vista disso, requer e não pode prescindir de novas elementares ao tipo penal culminando na alteração das penas mínima e máxima.”

Assim, vê-se que o respectivo projeto de lei se alinha à política mencionada ao refletir um esforço para desestimular condutas criminosas contra a Advocacia e, com isso prover maior segurança a estes profissionais.

Não obstante, a elaboração de leis penais deve ser um processo cuidadoso, guiado pelos princípios de política legislativa penal e racionalidade legislativa onde, de acordo com Ferrajoli (2002),”o Direito Penal deve ser um instrumento de última ratio, voltado para a proteção de bens jurídicos essenciais e para a defesa dos direitos fundamentais”.

Apontando nesse caminho, o PL 212/24 é uma resposta à crescente violência perpetrada contra a Advocacia brasileira. Aqui, segundo Greco (2018), “a legislação penal deve refletir as demandas sociais por segurança e justiça, ajustando-se às novas realidades e aos novos desafios”.

Atributos da chamada “racionalidade legislativa”, que reflete à necessidade de que a criação de leis – especialmente no âmbito penal –, seja baseada em critérios racionais, objetivos e justificados.

Abordagem que visa garantir que as normas jurídicas atendam às necessidades da sociedade, respeitem os princípios constitucionais e sejam eficazes na promoção da justiça sem ferir aspectos como a proporcionalidade, a eficiência, a clareza e a coerência das leis; evitando-se, assim, arbitrariedades e injustiças. Para Bobbio (1997), a racionalidade legislativa pode ser observada como “uma norma jurídica racional deve ser clara em seu conteúdo, coerente com o ordenamento jurídico existente, proporcional aos fins a que se destina e fundamentada em argumentos sólidos e legítimos”.

Justamente a proporcionalidade das penas asseverada por Ronald Dworkin (2011): “a justiça na aplicação das leis penais exige uma correspondência adequada entre a gravidade do delito e a severidade da pena”.

Notadamente, o PL 212/24 aumenta as penas de forma proporcional à gravidade dos crimes cometidos contra um dos pilares da democracia: a Advocacia.

Outrossim, tal propositura legal reconhece a vulnerabilidade especial desses profissionais no exercício de suas funções e contribui para a compreensão das complexas interações entre a elaboração de normas penais e os princípios que devem orientá-las.

De tudo isso, se extrai que o oferecimento dessa perspectiva crítica e fundamentada sobre a legislação penal no Brasil culmina no fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Agora, cabe acompanhar de forma vigilante os desdobramentos legislativos do PL 212/24 na Câmara dos Deputados, a fim de que este lastro de proteção à Advocacia seja materializado.

Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo e Direito, e pós-graduado em Inteligência Criminal. Escritor e coautor de livros, é articulista nos principais veículos jurídicos do país, integrante do corpo docente de Academia da Polícia Civil de SC (Acadepol), palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc). No ano de 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz pelos serviços prestados à comunidade de Inteligência. Em 2023, recebeu Moção de Aplauso da Alesc. Recentemente, ganhou destaque nacional por ser o autor da sugestão legislativa de propositura de Projeto de Lei (apoiada pelo Conselho Federal da OAB em 2022), que visa incluir no Código Penal, qualificadoras a crimes praticados contra Advogados no exercício da função (PL 212/2024). Instagram: @miranda.coutinho_

Referências:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 212, de 2024. Dispõe sobre: Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) para incluir a tipificação do homicídio qualificado contra o advogado e estabelecer causa especial de aumento de pena quando a lesão for praticada contra o advogado no exercício da função ou em decorrência dela. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2417638&fichaAmigavel=nao>

BRASIL. Código penal. Decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. . Diário  Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 7 dez. 1940.  Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm

BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Editora UNESP. 1997.

COUTINHO, Thiago de Miranda. Projeto de Lei: Qualificadoras Penais em prol da Advocacia Brasileira. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/402218/projeto-de-lei-qualificadoras-penais-em-prol-a-advocacia-brasileira. Acesso em: 30 jul. 2024.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Martins Fontes. 2011.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Editora Revista dos Tribunais. 2002.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Editora Impetus. 2018

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: Entre Facticidade e Validade. Editora Tempo Brasileiro. 1997.

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. Editora Revista dos Tribunais. 2010.

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