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Objeto de julgamentos e polêmicas recentes, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS se trata de instituto que, apesar de servir como forma de financiamento e de mitigação de prejuízos do trabalhador, traz uma verdadeira desorganização em sua sistemática quando aplicado na prática, especialmente em razão da dupla titularidade que o empregado e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN possuem para cobrá-lo.
O FGTS é um regime criado como alternativa à então existente estabilidade que as relações de emprego por prazo indeterminado gozavam e que foi universalizado pela Constituição Federal em seu art. 7º, inciso III, servindo como instrumento de subsistência do trabalhador dispensado sem justa causa e como forma de financiamento de programas sociais[1].
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Neste sentido, cabe ao empregador apurar, declarar e realizar os recolhimentos mensais nas contas vinculadas de seus empregados junto à Caixa Econômica Federal, conforme determinado pelos arts. 15, caput, e 26-A, caput, da Lei nº 8.036/90.
A confusão, entretanto, surge quando o empregador não efetua os recolhimentos mensais do FGTS de seus empregados, ocasião na qual tanto os obreiros quanto a PGFN poderão recorrer ao Poder Judiciário para cobrá-los.
Os primeiros (bem como seus dependentes, sucessores ou sindicato) detém legitimidade de cobrança por previsão da própria Lei nº 8.036/90 em seu art. 25, caput. Esta cobrança se dará por meio do ajuizamento da respectiva reclamatória trabalhista, cuja finalidade será a condenação do empregador ao pagamento dos recolhimentos atrasados e multas, e, a depender do caso, a determinação de liberação ao obreiro dos valores depositados em sua conta vinculada.
Já a PGFN, a teor do art. 2º, caput, da Lei nº 8.844/94, poderá inscrever em dívida ativa os valores não recolhidos de FGTS e, assim o fazendo, executá-los através do procedimento de execução fiscal, nos moldes da Lei nº 6.830/90 (Lei de Execuções Fiscais).
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Ocorre que, apesar de a Lei do FGTS determinar que a CEF e o Ministério do Trabalho sejam notificados quando houver a propositura da reclamatória trabalhista (art. 25, parágrafo único), na prática isto para nada serve. O órgão federal continua apurando administrativamente os débitos que entende serem devidos – que habitualmente são díspares daqueles liquidados na Justiça do Trabalho –, conforme art. 23 da lei regente; a PGFN sequer toma conhecimento das demandas trabalhistas e continua cobrando os débitos apurados administrativamente; e nenhum destes entes (Ministério do Trabalho, CEF e PGFN) realiza o abatimento de ofício dos valores eventualmente pagos através da demanda trabalhista.
Em outras palavras, não há qualquer comunicação eficaz entre a Justiça Trabalhista, Caixa Econômica Federal, Ministério do Trabalho e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que sirva para unificar os débitos apurados e/ou abater de ofício os valores pagos na esfera trabalhista ou nas execuções fiscais.
Trata-se de verdadeira esquizofrenia proporcionada pela legislação fundiária e fiscal, a qual nada mais faz senão prejudicar os empregadores, os quais, apesar de devedores, muitas vezes se veem pagando duas vezes o mesmo débito.
Diversas são as medidas a serem tomadas e muito já se discutiu, e vem sendo discutido, a seu respeito para mitigar o pagamento dúplice do FGTS, mas há muito a ser feito para que essa falha normativa e prática seja solucionada.
Com efeito, recentemente o Superior Tribunal de Justiça julgou sob o regime de recursos repetitivos os REsp. 2.003.509/RN, 2.004.215/SP e 2.004.806/SP, os quais tinham por objeto definir se os pagamentos de FGTS realizados diretamente aos obreiros em decorrência de acordos celebrados na Justiça do Trabalho seriam eficazes ou não, considerando que a atual legislação determina o depósito em suas contas vinculadas.
Na ocasião, a Corte Superior firmou a tese de que seriam eficazes os pagamentos de FGTS realizados diretamente ao empregado, após o advento da Lei nº 9.491/97, em decorrência de acordo homologado na Justiça do Trabalho (Tema Repetitivo nº 1.176).
De acordo com o entendimento consolidado, o FGTS objeto de acordo homologado na Justiça do Trabalho e que foi pago diretamente ao empregado naquele feito será tido por eficaz e poderá ser oposto em face de cobranças realizadas pela União Federal, visto que se trata de avença que passou pelo crivo do Poder Judiciário e cuja homologação deve ser respeitada.
Por outro lado, isso não abrange multas, correção monetária, juros e contribuição social incidentes, vez que são valores incorporáveis ao fundo que são utilizadas na consecução de suas finalidades. Em outras palavras, apesar de tais rubricas serem relacionadas ao FGTS, são de titularidade da União Federal e não do trabalhador, motivo pelo qual o acordo que este fez junto ao empregador não pode envolvê-las.
Referido julgado da Corte Superior solucionou parte do problema, consistente nos pagamentos efetuados em acordos trabalhistas, mas há outro cenário que ainda se mostra problemático.
Isto porque o mesmo bom senso que a Justiça Comum demonstrou ao reconhecer a eficácia dos acordos realizados entre empregador e empregado nas reclamatórias trabalhistas para fins de pagamento do FGTS, a Justiça Trabalhista deixa de observar ao negar a eficácia das transações tributárias e/ou parcelamentos realizados pelo empregador para quitar seus débitos fundiários.
A partir da vigência da Lei nº 13.988/20 – com seus posteriores editais, portarias e resoluções regulamentando as formas de transação tributária da dívida ativa da União –, o empregador passou a ter a possibilidade de efetuar a transação para adimplir seus débitos de FGTS.
Tal transação, entretanto – e para a surpresa de ninguém –, não é aceita pela Justiça do Trabalho como oposição aos pedidos de condenação ao FGTS realizados nas reclamatórias trabalhistas, sob o pretexto de que não tiveram participação dos respectivos empregados durante a sua celebração.
Trata-se de entendimento que, infelizmente, disseminou-se nos mais diversos Tribunais Regionais do Trabalho[2] e no Tribunal Superior do Trabalho[3], e que vem se mostrando desarrazoado e desproporcional especialmente considerando que a regularidade perante a CEF vem sendo exigido pela União Federal como requisito para que as empresas (empregadores) possam firmar transação de outros débitos tributários seus, principalmente na modalidade de “transação tributária individual”.
Ou seja, empresas que buscam fazer transação tributária perante a União Federal são obrigadas a transacionar os seus débitos de FGTS a fim de obter a certidão de regularidade perante a CEF, mas os valores pagos nesta espécie de parcelamento não são aceitos pela Justiça do Trabalho, a qual obriga estes empregadores a efetuarem o pagamento dúplice das verbas fundiárias aos seus obreiros.
Tal situação não deixa outra alternativa ao empregador senão pagar estes débitos na Justiça do Trabalho e, posteriormente, buscar o abatimento do saldo devedor do parcelamento do FGTS junto à CEF ou a restituição dos valores pagos a maior, o que se mostra discutível considerando que o parcelamento do FGTS se trata de inequívoca confissão de dívida.
Em um mundo ideal – e seguindo a ratio do Tema Repetitivo nº 1.176 –, toda a problemática aqui tratada se resolveria se aos empregados fosse permitida a cobrança apenas da verba principal de FGTS não paga e à União Federal fosse permitida a cobrança somente das parcelas incorporáveis ao fundo, de tal modo que cada um destes credores pudesse cobrar apenas aquelas rubricas que efetivamente são de sua titularidade. Todavia, sabe-se que há um longo caminho jurisprudencial, e até mesmo legislativo, para que essa solução – ou qualquer outra –, possa ser implementada no ordenamento jurídico.
Com isso, verifica-se que a atual legislação fundiária e fiscal criou um profundo e complexo problema ao atribuir tanto ao empregado quanto à União Federal, através da PGFN, a legitimidade de cobrar recolhimentos atrasados de FGTS, incorrendo os empregadores no quase certeiro risco de se verem pagando duas vezes as verbas que deixaram de adimplir no momento oportuno.
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[1] RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho. 8th ed. Rio de Janeiro: Método, 2020. Pg. 893.
[2] Exemplos: TRT da 2ª Região; Processo: 1000719-97.2023.5.02.0059; Data de assinatura: 17-10-2024; Órgão Julgador: 12ª Turma – Cadeira 1 – 12ª Turma; Relator(a): JORGE EDUARDO ASSAD; TRT da 9ª Região (3ª Turma). Acórdão: 0000647-95.2020.5.09.0073. Relator(a): THEREZA CRISTINA GOSDAL. Data de julgamento: 29/04/2021; TRT da 10ª Região; Processo: 0000429-62.2021.5.10.0022; Data de assinatura: 09-08-2024; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relator(a): ANTONIO UMBERTO DE SOUZA JUNIOR; TRT da 12ª Região; Processo: 0000680-77.2022.5.12.0026; Data de assinatura: 28-02-2024; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator(a): VERA MARISA VIEIRA RAMOS.
[3] Exemplos: Ag-RRAg-10205-83.2019.5.18.0006, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 18/10/2024; RR-Ag-10857-04.2019.5.03.0173, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 18/10/2024; Ag-RRAg-100858-73.2019.5.01.0243, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 28/08/2023; Ag-AIRR-11654-76.2019.5.18.0006, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 17/12/2021.