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Em tempos de interconexão dos mercados em escala global, de aumento do ritmo do processo de destruição criadora, do avanço da deterioração das condições climáticas, do sombrio retorno de Donald Trump à Casa Branca e do subsequente crescimento do populismo de direita, três temas são atuais e merecem uma análise. O primeiro é uma crescente erosão de nossas certezas no âmbito da política. O segundo é a crescente dificuldade de identificar quais são as perguntas mais importantes que devemos fazer neste momento. O terceiro é o desafio de lidar com a desorientação na oferta de respostas consistentes.
Que há uma explosão de informações nesse cenário histórico e volátil, isso é evidente. O que é novo, contudo é o paradoxo que estamos enfrentando: quanto mais informações recebemos, mais nos tornamos inseguros. Maiores são as incertezas e as inseguranças frente ao aumento de nossas possibilidades de ação. Mais dificuldades aparecem ao formular indagações necessárias para tentar compreender o ambiente social, econômica, político e cultural em que vivemos. Maiores são as dificuldades de o sistema político atuar com base em seus principais componentes, como as relações de força, de autoridade, de mandado e de obediência.
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Nos dias atuais, de que modo devemos enfrentar o desafio de se adaptar a um mundo em que a novidade de hoje se torna descartável amanhã? Como atuar em um universo em que a dificuldade não está na escassez de informações, porém na multiplicidade de dados que confundem e não orientam? Este é o período em que vivemos – quanto mais tentamos falar do futuro, menos sabemos sobre ele? Trata-se de um contexto paradoxal. Afinal, quanto mais aumentam nossas possibilidades de ação, mais dificuldades vão surgindo para avaliar suas consequências éticas, sociais e econômicas e para tomar decisões bem informadas e bem fundamentadas. Como agir nesse contexto?
Responder perguntas como essas é um desafio que cientistas políticos vinculados à teoria dos sistemas se propuseram a enfrentar nestes tempos de desconhecimento, perplexidade, insegurança, indignação e medo. Entre eles, destaco particularmente o basco o Daniel Innerarity, professor do European University Institute, na Itália, e diretor do Instituto de Governanza Democratica, na Espanha. Quanto mais complexa é a sociedade no século 21, quanto maior é a colonização dos espaços públicos por parte da mídia e quanto mais avança o processo de financeirização da economia, menos ela consegue ser disciplinada em termos jurídicos e políticos, diz Innerarity em seus artigos no El País e em seus livros.
Segundo ele, a perplexidade dos atores políticos quando criticam as formatações jurídicas tradicionais da democracia, ou então perguntam se é o Judiciário ou o Executivo o poder que estaria corroendo o Estado de Direito em diferentes continentes, decorre de sua incapacidade de perceber o impacto e alcance das mudanças ocorridas na transição do século 20 para o século 21, com a substituição da sociedade industrial por uma sociedade informacional.
Quanto mais os sistemas digitais e da comunicação online em tempo real avançaram, nesse período, mais a política tradicional – por meio do voto direito e de campanhas eleitorais – se desqualificou, como hoje se vê na Europa e nos Estados Unidos, com a ascensão de uma extrema direita radical. Quanto maior foi o deslocamento da produção jurídica para instâncias não-legislativas, mais os mecanismos deliberativos democráticos foram sendo substituídos por sistemas de peritagem e pelos regimes regulatórios globais formulados impostos por organismos multilaterais e supranacionais, como a OCDE, o Banco Mundial, o FMI e a OMC.
Por tudo isso, a governança no século 21 requer novas formatações concebidas com base num processo de colaboração organizada, lembra Inneratiry. Nesse sentido, o pode, que no século 20 era encarado como ordem, hierarquia e controle vertical, agora é visto na perspectiva de ecossistemas de conhecimento, abrindo assim caminho para a passagem de saberes especializados centralizados para outros nos quais os problemas sociais, tecnológicos e financeiros são tratados coletivamente.
Se na sociedade industrial da segunda metade do 20 governar implicava o desafio do controle do poder e da imposição da ordem, nas duas primeiras décadas do século 21, em que os recursos de informação e conhecimento cresceram muito mais em relação do que os recursos naturais, materiais e energéticos, governar exige a gestão coletiva das incertezas.
Em outras palavras, governar sociedades complexas exige novas capacidades, novos processos e novas regras. Pressupõe mais reflexão e avaliação dos efeitos sistêmicos das decisões econômicas, políticas, sociais e tecnológicas. Em suma, governar sociedades complexas requer a conversão de informações em conhecimento e instrumento de antecipação de riscos e de gestão da ignorância, uma vez que o saber acumulado cada vez mais torna visível o universo ilimitado do desconhecimento.
Numa sociedade em que os espaços mundializados tem identidades porosas e interações complexas e interdependências, a democracia tem de ser repensada a partir de dilemas entre participação popular e eficiência técnica; entre experimentalismo e planejamento; entre saberes herdados e saberes novos; entre conhecimento reflexivo e conhecimento simplesmente transmitido; entre incertezas e ricos; entre pluralismo e equidade; entre igualdade e discriminação; entre a ideia da ágora e a explosão de novos espaços digitais; entre tecnologias disruptivas e perda de credibilidade narrativa; entre ignorância estratégica e desinformação sistêmica; entre objetivos, processos e resultados; entre public imputs e policy outputs; entre procedimentos legais e justiça; entre normas e realidades; entre decisões locais e múltiplos níveis de organização do poder, os quais envolvem a interação entre novas instâncias públicas e núcleos privados, entre instâncias subnacionais e internacionais ao lado das instâncias nacionais.
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Por isso, o mundo atual necessita ir muito além do que vêm afirmando analistas de visão curta, para quem políticos, especialistas e colunistas dos mais distintos meio de comunicação deveriam se esforçar para controlar o que se pode e deve ser controlado. Acima de tudo, é preciso aumentar o que Innerarity chama de uma “democracia complexa”.
Ou seja: um regime político capaz, por um lado, de reagir ao desconhecido em cenários dinâmicos e pluri-contextuais, transformando desconhecimento e incerteza em riscos calculáveis, em possibilidades de aprendizado, em reflexão e em adaptação à crescente diversidade e heterogeneidade. E, por outro lado, de desenvolver uma imaginação institucional para lidar com sistemas semiautônomos, como é o caso do sistema político, do sistema econômico, do sistema científico e do sistema de comunicações.