Acordo de Mariana deve ser assinado neste mês, mas ainda há termos em negociação

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Em março de 2022, o deputado Rogério Correia (PT-MG) saiu de uma reunião com a Confederação Nacional de Justiça (CNJ) dizendo que o acordo de repactuação pelo desastre de Mariana sairia até agosto daquele ano. Já em dezembro de 2023, as negociações foram suspensas, depois de um impasse sobre os valores a serem pagos. Agora, há a expectativa, segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a Vale, de que a repactuação finalmente saia até o final deste mês. “Estamos com expectativas muito positivas”, diz Jarbas Soares Júnior, procurador-geral de Justiça de Minas Gerais. “Estamos refinando o que já foi debatido, estamos com uma mesa com maturidade muito grande”.

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O acordo deve totalizar uma indenização aproximada de R$ 167 bilhões, segundo disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em diversas entrevistas no mês passado. No entanto, esse número ainda não está fechado, segundo fontes familiarizadas com as negociações ouvidas pelo JOTA. Desse total anunciado por Silveira e desejado pelo governo, R$ 100 bilhões seriam pagos aos governos de Minas Gerais, Espírito Santo e governo federal ao longo de 20 anos. Outros R$ 37 bilhões representam dinheiro já gasto com a reparação, como a reconstrução de distritos em Mariana. Os R$ 30 bilhões restantes seriam obrigações residuais de obras já iniciadas, e seriam desembolsados “de 6 a 12 meses” depois da finalização do acordo, de acordo com uma fonte. 

Caso seja fechado com esses números, o acordo deve se tornar o maior da história das reparações de danos ambientais. O acidente resultou em 90 mil ações na Justiça, que somaram R$ 400 bilhões – a maioria delas já foi encaminhada em acordos. A repactuação também deve encerrar outro processo, no qual o juiz federal substituto Vinicius Cobucci, da 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte, determinou que as empresas pagassem R$ 47 bilhões em danos morais, a serem ajustados por taxas de juros e inflação desde 2015.

Outro ponto de divergência entre as empresas envolvidas, Vale e BHP Billiton, controladoras da Samarco, e a União, é como se dará o fluxo de pagamento dos novos R$ 100 bilhões. O governo federal gostaria que o máximo possível do valor fosse antecipado nos primeiros dois anos, enquanto as empresas estão tentando deixar a curva de pagamentos mais linear.

O argumento das empresas é de que a concentração de recursos nos primeiros anos pode gerar questionamentos sobre compliance, sobre beneficiamento deste ou daquele governo e dificuldade da aplicação desses recursos tão vultosos em curto espaço de tempo.

Pagar o montante que for repactuado de forma distribuída ao longo de 20 anos, argumentam, permitirá que os governos – quatro gerações de governantes ao longo deste período – apliquem esse dinheiro de forma mais programada. 

Há ainda questões de ordem prática. As negociações foram até agora mediadas pelo desembargador Ricardo Rabelo, do Tribunal Regional Federal da da 6ª Região (TRF6), que, em entrevista ao JOTA, em julho do ano passado, disse que o acordo não estava “longe”. No entanto, ele deixou o cargo em agosto, e acaba sendo natural que o novo relator do caso gaste tempo para se inteirar do caso. Hoje vice-presidente do TRF6, Rabelo disse, à época de sua posse, que “a mesa de negociação continua buscando uma reparação para todos”. 

Longa e sinuosa estrada

A mesa do TRF6 não é a primeira força-tarefa a tentar encaminhar a reparação pelo rompimento da barragem de Fundão, pertencente à Samarco, em novembro de 2015. Em março de 2016, um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) foi acordado entre as três mineradoras, os governos de Minas Gerais e Espírito Santo e a União. Isso porque o desastre, que matou 19 pessoas e é considerado a maior tragédia ambiental da história brasileira, levou rejeitos de mineração pela bacia do Rio Doce, que corta esses estados, até desembocar no mar – que é de responsabilidade da União. Desse acordo, surgiu a Fundação Renova, que ficou responsável por gerir mais de 40 programas de reparação, com recursos vindos das mineradoras. O TTAC também já previa uma repactuação, uma vez que, à época, não havia ainda dados disponíveis sobre os estragos totais – e o custo para lidar com eles.

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No entanto, o TTAC não incluiu o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) nem o Ministério Público Federal (MPF). Ainda em 2016, o MPF entrou com uma ação contra as mineradoras, na qual estimou em R$ 155 bilhões os prejuízos causados na tragédia. A partir dessa ação, houve ampliação de participação dos atingidos na Fundação Renova, e o processo foi retomado em 2020 depois de o MPF considerar que a entidade tinha pouca autonomia diante das mineradoras. 

Segundo reportagem de 2019 da Agência Pública, 20% do quadro de funcionários da Renova era formado por ex-servidores da Vale, BHP e Samarco. Já de acordo com o MPF, pelo cronograma apresentado para a reconstrução das comunidades destruídas na tragédia, as casas deveriam ter sido entregues em 2018 e 2019, mas até março de 2021 apenas sete das 306 moradias prometidas foram concluídas. Em 2020, a Ramboll, uma das consultorias independentes que auxiliam o MPF, indicou que apenas 34% das famílias cadastradas haviam recebido algum valor indenizatório.

Em 2018, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministérios Públicos dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, Defensoria Pública da União e Defensorias Públicas de Minas Gerais e do Espírito Santo divulgaram nota conjunta afirmando que as instituições recebiam “constantemente denúncias de violações de direitos humanos de indivíduos ou comunidades atingidas, preponderantemente relacionadas à dificuldade de acesso à informação e à atuação unilateral e discricionária da Fundação Renova referente aos programas socioeconômicos e socioambientais”. Além disso, dizia que os moradores das regiões afetadas sofriam “assédio” por parte da Renova para assinar acordos.

No mesmo ano, foi homologado pela 12ª Vara da Justiça Federal de Minas Gerais o Termo de Ajustamento de Conduta Governança (TAC GOV)  – um acordo para aprimorar a reparação instituída pelo TTAC de 2016. “[O TTAC] tinha tudo para dar errado, tanto é que as empresas não estavam satisfeitas, a população não estava satisfeita, os governos não estavam satisfeitos e estamos todos sentados à mesa hoje”, diz o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior. O TAC GOV também incluiu a criação de comissões locais, formadas por pessoas dos locais afetados – no TTAC, a participação dos atingidos era feita somente por meio de audiências públicas. O acordo extinguiu as ações judiciais abertas contra as mineradoras, entre elas, a ação civil pública dos governos federal e regionais reivindicando R$ 20 bilhões, e manteve suspensa, por até dois anos, a outra ação civil do MPF que pedia R$ 155 bilhões de indenização.

Já em 2021, o juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal de Minas Gerais, então responsável pela maioria dos processos ligados à tragédia de Mariana, determinou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instaurasse mediação entre as partes envolvidas. Ao mesmo tempo, em 2021, Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais, Defensoria Pública da União, de Minas e do Espírito Santo requereram a suspeição do juiz. Naquele ano, uma reportagem do Observatório da Mineração divulgou áudios nos quais o magistrado supostamente orientava advogados sobre como atuar em casos relacionados à tragédia, sugerindo que adotassem o modelo indenizatório sugerido pelas empresas. Em 2022, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região não reconheceu a suspeição do juiz, que, no mesmo ano, deixou Minas Gerais para atuar no Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP).

A partir da atuação do CNJ, foi assinada pelas partes, em 2021, uma carta de premissas, que determinou diretrizes para a repactuação – cujas negociações, coordenadas pelo TRF6, eram previstas para durar 120 dias, mas se arrastam até hoje.

Com o fim da gestão do presidente Jair Bolsonaro, elas foram paralisadas, e retomadas sob o governo Lula em março de 2023. E, claro, a troca de governos também gerou mudanças nas negociações. Exemplo: enquanto o governo anterior não demandava das empresas a remoção dos resíduos dos rios, por considerar desnecessário para minorar os impactos, o governo atual considera isso parte do acordo.

Além disso, a gestão de Bolsonaro tratava do tema de forma menos abrangente, enquanto o governo de Lula envolveu também nas negociações a reparação para determinadas comunidades, como indígenas e quilombolas. Há também diferenças de participação de primeiro e segundo escalão quando se compara governo Lula e Bolsonaro. Tudo isso, além obviamente da mera troca de atores sentados à mesa de negociação, acabou gerando atraso adicional. 

Em novembro do ano passado, os governos envolvidos propuseram um acordo total de R$ 126 bilhões, que foi rebatido pelas empresas com uma proposta de R$ 100 bilhões, sendo R$ 42 bilhões em dinheiro novo, R$ 21 bilhões em obrigações a fazer e R$ 37 bilhões em intervenções já feitas. Diante do impasse, as negociações foram suspensas na Justiça.

A retomada veio apenas em abril deste ano, com as mineradoras oferecendo R$ 127 bilhões, com R$ 72 bilhões em dinheiro novo aos governos – o que foi rejeitado pelo governo federal e do Espírito Santo, por não concordarem com as obrigações a cumprir listadas pelo trio de empresas. Em maio, Vale, BHP e Samarco alteraram as obrigações. Em junho, o governo Lula rejeitou o acordo, pedindo R$ 109 bilhões em dinheiro novo aos governos – ao que as mineradoras propõem R$ 82 bilhões em dinheiro novo, com um acordo de R$ 140 bilhões no total. 

Em agosto, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) disse que ele e o governador Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo são “totalmente favoráveis a fechar [o acordo] pelo valor já ofertado pelas empresas”, e que a demora viria da recusa do governo federal, que busca por um valor maior. “O acordo também virou refém da disputa política, da disputa entre quem quer ser dono dele”, disse uma fonte familiarizada com as negociações e ouvida pelo JOTA

Brumadinho

Zema também disse, em agosto, que “fica muito claro que o acordo [de Brumadinho] não é perfeito”, mas que tem a “absoluta convicção que foi uma condução muito melhor do que aquela da tragédia de Mariana”. O procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, também trabalhou no acordo de reparação da outra tragédia envolvendo a Vale, que vitimou 272 pessoas em janeiro de 2019. “Chegamos à conclusão de que algo pior do que o acordo seria o não acordo. Tivemos que fazer o que achávamos que era o correto dentro das nossas atribuições constitucionais”, diz. “Nós fizemos o acordo de Brumadinho já tendo em mente os equívocos cometidos no de Mariana, e agora usamos Brumadinho para repactuar Mariana”. 

Em ambos os casos, segundo Júnior, a opção de um acordo ao invés de um litígio faz sentido porque traria mais celeridade do que a judicialização. “Até a decisão final, são anos de pessoas passando fome, sem local adequado para viver e produzir”. Segundo ele, uma “sentença melhor do que o acordo que está na nossa mesa é impossível de acontecer”. 

Em 2021, a Vale se comprometeu, no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), a desembolsar R$ 38,68 bilhões para a reparação de danos coletivos causados pelo rompimento da barragem na Mina Córrego do Feijão. Diferentemente do TTAC de Mariana em 2016, o Ministério Público de Minas Gerais acompanhou as negociações de Brumadinho do “meio para o final”, de acordo com Soares. A instituição se opôs à ideia de ter a Fundação Renova como referência. Como resultado, o acordo previu a divisão de responsabilidades de execução de projetos entre os entes federativos, e definiu os fiscalizadores, como a Controladoria-Geral do Estado, a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, o Tribunal de Contas do Estado, a Justiça e auditorias independentes, para cada um deles. Esse é um modelo que pode se repetir na repactuação de Mariana, à medida que o novo acordo deve prever a extinção da Fundação Renova, de acordo com fontes ouvidas pelo JOTA.

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Mas também há diferenças relevantes: o caso de Brumadinho envolveu apenas o governo de Minas Gerais, o MPMG e a mineradora, o que contribuiu para maior celeridade na construção de consensos. Além disso, o acordo de Brumadinho permitiu que os recursos reparatórios fossem usados em outros municípios além dos afetados pela tragédia – algo que o governo federal, segundo fala do ministro Silveira em evento no Rio de Janeiro em setembro, não quer que aconteça. Além disso, o acordo referente a Mariana deverá assegurar quantias para indenizações individuais, algo que foi tratado de forma separada no caso de Brumadinho. Em parte dessas negociações, os atingidos tiveram apoio da Defensoria Pública de Minas Gerais. Em 2019, a instituição firmou um termo de compromisso com a Vale, estabelecendo os procedimentos para as negociações individuais. De acordo com dados divulgados pelo MPMG em janeiro, 23 mil acordos relacionados à tragédia de Brumadinho foram firmados.

Participação

Apesar do relativo sucesso na fase de confecção do acordo, o processo de Brumadinho sofreu críticas quanto à participação das comunidades atingidas – algo que parece se repetir na renegociação de Mariana. No início do processo, o CNJ divulgou um edital das audiências públicas, mas representantes dos atingidos não tiveram um lugar na mesa de negociação. “Repactuação sem atingidos não é repactuação”, disse Joelma Fernandes, coordenadora da Comissão de Atingidos de Governador Valadares (MG) em uma coletiva de imprensa em Brasília na última sexta-feira (27/9). “Os atingidos são pessoas capazes de sentar nessa mesa de repactuação e discutir, pessoas que entendem do processo, porque sentem na pele”. 

Em agosto, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) solicitou, por meio de uma carta, que o presidente Lula recusasse a proposta de acordo apresentada pela Vale, BHP e Samarco. Segundo o MAB, o valor relacionado ao desastre de Mariana deveria ser de pelo menos R$ 500 bilhões, tomando como referência o acordo feito pela Vale no caso de Brumadinho. Na carta, o movimento argumenta que “os valores discutidos nas negociações da repactuação são completamente inadequados para reparar os danos individuais, compensações coletivas, a recuperação ambiental, e também para incluir áreas afetadas que nunca foram reconhecidas pelas empresas, como o sul da Bahia e algumas regiões do litoral do Espírito Santo”.

Na ocasião, a Vale enviou uma nota à Agência Brasil, afirmando estar engajada em “estabelecer um acordo que garanta a reparação justa e integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente”. “A empresa reitera que as tratativas sobre o tema ocorrem exclusivamente no âmbito do processo de mediação, de acordo e em observância aos princípios norteadores desse tipo de método de solução de conflitos, sob a liderança do desembargador responsável pela condução do procedimento”.

“Nós estamos em um processo judicial e temos que cumprir todo o ritual processual, que inclusive é sigiloso. Nós temos mais de duas mil horas de diálogo com os atingidos, e o acordo não exclui qualquer iniciativa individual em relação à reparação”, diz o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior. “Agora nós não podemos fazer do processo judicial assembleístico, por isso temos o Ministério Público, constitucionalmente, para falar pela coletividade e buscar o melhor para a coletividade sempre”. 

Além disso, cerca de 620 mil atingidos por Mariana movem um processo coletivo no Reino Unido, sede da BHP. Defendidos pelo escritório Pogust Goodhead, eles pedem indenização de cerca de R$ 230 milhões de reais. O julgamento da ação no exterior está previsto para o dia 21 de outubro, com duração prevista de 14 semanas – mas uma eventual conclusão do acordo em terras brasileiras pode enfraquecer os argumentos do processo.

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