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Em 2010, ainda cursando o mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, participei de um evento jurídico em que apresentei os resultados de minha pesquisa, posteriormente publicados sob o título O adicional de penosidade: um vazio jurídico[1]. O título, na ocasião, era uma afirmativa – diferentemente do presente texto, em que a questão se coloca em forma de indagação.
Naquele texto de 2010, analisei como a Constituição Federal de 1988 inovou em relação à sua antecessora ao prever, além dos adicionais de insalubridade e periculosidade, também o adicional de remuneração para atividades penosas (artigo 7º, XXIII). Investiguei como esse direito se dava na prática, já que referido dispositivo constitucional é uma norma de eficácia limitada[2] e, à época – 22 anos após a promulgação da CRFB –, a correspondente regulamentação infraconstitucional ainda não havia sido aprovada no Congresso.
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A CLT (artigos 189 a 197) e as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho (notadamente as NRs 15 e 16) definem o que se consideram atividades insalubres ou perigosas, bem como suas consequências para o Direito do Trabalho. O mesmo não ocorre com as atividades penosas.
Após a promulgação da CRFB, diversos projetos de lei visando a regulamentar o adicional de penosidade foram discutidos no parlamento[3]. Nenhum deles, contudo, prosperou. Há apenas algumas leis esparsas que tratam da matéria de forma pontual, para grupos específicos de trabalhadores. A título de exemplo: a Lei 8.112/90 concede adicional de penosidade aos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais que exercem atividades profissionais “em zonas de fronteira ou em localidades cujas condições de vida o justifiquem”[4].
No âmbito estadual, Santa Catarina (Decreto 2.073/2014) assegura o pagamento de adicional de penosidade aos servidores públicos “lotados e em exercício no Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina, Hospital Santa Teresa de Dermatologia Sanitária e Hospital Nereu Ramos e os servidores que exercem atividades nos setores de psiquiatria e infectologia das diversas unidades hospitalares da estrutura da Secretaria de Estado da Saúde (SES)”.
Fato é que, 36 anos após a promulgação da CRFB, o adicional de penosidade previsto no art. 7º, XXIII, ainda não foi regulamentado – nem mesmo pela reforma trabalhista em 2017. A novidade é que, neste ano de 2024, o Supremo Tribunal Federal julgou Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 74) sobre o tema.
A decisão, proferida por unanimidade, deu procedência à ação e reconheceu a mora do Legislativo na regulamentação da matéria. Assim, conforme previsão constitucional e legal[5], o STF fixou prazo de dezoito meses para que o Congresso Nacional adote as medidas legislativas constitucionalmente exigíveis para suplantar a omissão. Contado a partir da publicação da ata do julgamento, o prazo terminará em dezembro de 2025.
Trata-se, contudo, de prazo impróprio: se a determinação não for cumprida pelo legislador, não há qualquer penalidade ou consequência jurídica. Isso significa que a decisão proferida pelo STF na ADO 74 tem papel muito mais simbólico, do que efetivo. Fica, portanto, a pergunta: será que agora vai?
[1] Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza – CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010.
[2] Segundo José Afonso da Silva, normas de eficácia limitada “são aquelas que não produzem seus efeitos com a simples entrada em vigor da Carta Constitucional, posto que o constituinte não estabeleceu para este dispositivo uma normatividade suficiente para tanto, deixando esta incumbência para o legislador ordinário ou outro órgão Estatal.” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007)
[3] São exemplos: PL nº 1.015/88, PL nº 1.808/89, PL nº 2.168/89, PL nº 7.083/02, PL nº 7.097/02, todos já arquivados; e PL nº 3.784/2008, PL nº 4.243/2008, PL nº 774/2011 e PL nº 3.986/2021, ainda em tramitação.
[4] Art. 71. O adicional de atividade penosa será devido aos servidores em exercício em zonas de fronteira ou em localidades cujas condições de vida o justifiquem, nos termos, condições e limites fixados em regulamento.
[5] Artigo 103, §2º, da CRFB; artigo 12-A e seguintes, da Lei nº 9.868/1999.