ADPF das Favelas é garantia de vida

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O julgamento da ADPF das Favelas (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635), no Supremo Tribunal Federal (STF), marcado para esta semana, ocorre envolto de muitas dúvidas e pressões a favor e contra a sua efetivação.

Ajuizada em novembro de 2019, numa articulação do Partido Socialista Brasileiro (PSB) com instituições como Redes da Maré, Observatório de Favelas, Conectas, Justiça Global, Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial e Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a ação tem como objetivo mitigar os efeitos da letalidade das operações policiais em favelas, questionando as violações decorrentes dessa forma exclusiva de atuação do Estado no campo da segurança pública nessas regiões.  

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O caminho até chegar à ADPF das Favelas tem sido longo. Recorrer ao STF, órgão cuja missão suprema é zelar pela Constituição do país, acontece em um contexto no qual foram feitas muitas tentativas anteriores de chamar atenção para a situação crítica em que vivem os moradores de favelas no Rio de Janeiro. Aqui, a política de segurança pública é, historicamente, centrada no enfrentamento bélico, produzindo uma série de violências e violações contra uma população que já sofre com negligências dos mais variados tipos por parte de quem deveria ser o responsável pela garantia de seus direitos.

Por ter vivido por mais de duas décadas na Nova Holanda, uma das favelas da Maré, testemunhei a atuação de diferentes governos na implementação de políticas públicas. Do conjunto de lutas que permitiram o acesso da população a direitos constitucionais, a segurança pública é uma das políticas que menos se fizeram presentes, com o agravante de ser o Estado um dos maiores violadores dos direitos dos moradores de favelas nesse campo.

Uma parte essencial do trabalho da sociedade civil é a busca pela garantia de condições de vida e de direitos equânimes nas diferentes regiões da cidade, sobretudo em relação à segurança pública e ao acesso à justiça. Nas favelas, as mortes de crianças e jovens têm ocorrido de forma recorrente como parte de um sistema que naturalizou a suspensão total dos direitos dos moradores, durante as ações policiais nessas regiões.

Nosso impasse tem sido comprovar a falta de cumprimento de protocolos legais que são completamente ignorados no momento em que agentes públicos policiais vão atuar nas favelas. Também, da omissão, em muitos casos, do Ministério Público, que, constitucionalmente, tem como uma de suas competências exercer controle externo da atividade policial. Há, sem dúvida, uma miopia grave quando se trata do governo e o tema da segurança pública. 

Os pedidos aos ministros do STF que constam no processo na ADPF das Favelas não são nada além, afinal de contas, do que já é efetivado em outras áreas que não de favelas. As pessoas que são contra à ADPF das Favelas querem criar uma exceção em termos do que já está previsto legalmente para o conjunto da população, e isso é um absurdo se pensarmos no processo injusto que isso gera. 

Os números não mentem: o bairro Maré, no Rio de Janeiro, onde vivem 140 mil pessoas, tem uma taxa de letalidade policial que é o dobro da nacional. É um mito dizer que a ADPF é responsável pelo aumento da violência. Em seu último relatório, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que, entre 2003 – 17 anos antes de a ADPF começar a ser discutida – e 2023, as polícias do Rio de Janeiro foram responsáveis pela morte de mais de 21 mil pessoas no estado.

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Isso dá mais de mil mortes por ano ou, ainda, 2,9 mortes por dia. Após a ADPF das Favelas, segundo o mesmo fórum, houve redução da letalidade policial de 11,3 para 5,4 por cem mil habitantes. Ou seja, as mortes ocasionadas em operações policiais no Rio de Janeiro caíram de 1.814 em 2019 para 871 em 2023.

A tentativa de incidência junto ao STF para que tenhamos as condições mínimas de respeito e garantia de vida, através de um instrumento jurídico como a ADPF das Favelas, é um apelo para que a sociedade perceba como é injusto o tratamento às pessoas empobrecidas neste país. É preciso que a ADPF se efetive, fortalecendo a democracia e garantindo avanços nos direitos da parcela vulnerabilizada da sociedade brasileira.

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