Advogado denuncia Correios após adquirir Burnout; estatal contrata escritório famoso por R$ 850 para se defender

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“Desde que os sintomas começaram, tomo três remédios diários para combater a depressão e a ansiedade. Não sei dizer a última vez que consegui dormir tranquilamente sem remédio, insônia é frequente em minha rotina. Por causa do excesso de trabalho, adquiri doenças clínicas, transtornos psicológicos e fui diagnosticado com a Síndrome de Burnout“.

O depoimento acima é de Muriel Carvalho Garcia Leal, 46 anos, advogado concursado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – os Correios -, desde 2012, data do último concurso que a estatal realizou.

“Os Correios vêm enfrentando diversas situações de diminuição do quantitativo dos advogados. No Jurídico dos Correios não tem máquinas, tem pessoas. E as pessoas têm limite para poder trabalhar. Mas os Correios alegam que isso de adoecimento por excesso de trabalho não existe, que os profissionais não adquiriram Burnout. Querem inibir e oprimir os advogados adoecidos de se defenderem.”, revela Muriel Carvalho.

Doente e diagnosticado com Burnout, Muriel entrou na Justiça contra os Correios em 2022. Residente em Ribeirão Preto, o profissional revela que há uma discrepância na hora de distribuir o número de processos aos profissionais em todo o país.

Acerca de que fala Muriel, existe atualmente um processo correndo no Ministério Público do Trabalho (MPT), em Ribeirão Preto/SP, em desfavor dos Correios por adoecimento generalizado de advogados.

Neste processo, os Correios peticionaram comunicando que em Brasília, cada advogado tinha 400 processos. A própria procuradora fez uma conta em que mostra que em São Paulo tem advogado com 70% de processos a mais que em outros locais. E os profissionais buscaram a Justiça por causa disso.

Ainda nos autos deste processo, os Correios admitem que em outros locais do país tem bem menos processos para um único profissional do que na Grande São Paulo e também no interior de São Paulo.

 

SISTEMA IRIA COLAPSAR

Ainda de acordo com Muriel Carvalho, tem um documento de 2017, que o atual responsável pelo Departamento Jurídico dos Correios, Gustavo Esperança, assinou para o Departamento Pessoal da empresa em que fala que o jurídico ia colapsar da estatal iria colapsar em 2017. Quando fala-se em colapsar um departamento por excesso de trabalho, fala-se em adoecimento de profissionais.

Sem quantitativo suficiente de profissionais concursados, a estatal abriu licitações para contratação de escritórios de advocacia terceirizados em cinco locais: Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo Capital e São Paulo interior.

O curioso é que recentemente uma destas contratações feitas pelos Correios, sem licitação, agora em 2024, mostra uma discrepância de valores em relação às outras contratações de outros escritórios de advocacia no Brasil.

 

CONTRATAÇÃO TERCEIRIZADA SEM LICITAÇÃO 

Os Correios contrataram, por R$ 850 mil, sem licitação, o escritório de Volia Bomfim, para defender cinco processos. Em contrapartida, os Correios contrataram por R$ 1.451 milhão outros escritórios de advocacia, que ficarão responsáveis por 35 mil processos no Brasil inteiro.

Ocorre que um dos cinco processos sob responsabilidade de Volia é justamente o processo que o advogado adoecido Muriel Carvalho colocou contra a empresa. E os outros quatro processos tocados também são de advogados adoecidos.

Os documentos constam no e-licitações do Banco do Brasil. Acerca dos 35 mil processos, também está incluso neste preço – R$ 1.451.899,00 milhão -, mais de 3 mil audiências.

 

35 MIL PROCESSOS PELO PREÇO DE 5

Estes 35 mil processos são distribuídos em cinco lotes em cinco regiões do país: Maranhão, Bahia, São Paulo (capital e interior) e Rio de Janeiro.

No Maranhão, os Correios contrataram, em 2023, um escritório por R$ 176 400.00 mil para tocar 2 mil processos, realizando 180 audiências. Na Bahia, serão 5.225, com 240 audiências, por R$ 204 999,60 mil.

Em São Paulo, na região metropolitana, a estatal contratou R$ 499 mil por 14.397 processos, com um total de 936 audiências. Já no interior do estado, serão tocados 6.112 processos, com 1.128 audiências, por R$ 274 500,00 mil.

No Rio de Janeiro, os Correios contrataram serviços de advocacia para cuidar de 7.280 processos e realizar 984 audiências, por R$ 297 000.00 mil.

Ao todo são 35.014 mil processos, num total de 3.468 mil audiências. Ou seja, cada um destes processos sai por 42 reais. Comparando-se estes valores ao preço de Volia Bomfim, Volia teria que cuidar de 20.238 processos, e não 5.

 

SOMENTE ADVOGADOS

Na Superintendência dos Correios no interior de São Paulo tem processo de Burnout que não é tocado pelo escritório Volia. Os Correios terceirizaram para a Volia somente processos destes cinco advogados e não terceirizaram processos de carteiros, engenheiros, técnicos.

Na defesa destes cinco advogados adoecidos, está Danila Manfré Nogueira Borges, advogada de Muriel Carvalho. Além de processar a estatal, Muriel Carvalho é presidente Associação dos Procuradores dos Correios (Apect), entidade que batalha por direitos trabalhistas dos profissionais da área jurídica nos Correios.

 

PORQUE OS CORREIOS ESTÃO DESISTINDO DOS PROCESSOS?

Segundo Muriel Carvalho, acerca dos inúmeros processos trabalhistas de centenas de empregados que a estatal atualmente enfrenta, a presidência dos Correios fez um acordo de cooperação no TST, que foi assinado dia 18; e depois, no dia 12, os Correios começaram a protocolar as petições desistindo dos recursos.

Recentemente, o advogado foi convidado – juntamente com o atual presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, e o presidente da Federação dos Empregados dos Correios, Emerson Marcelo Gomes Marinho – a comparecer a uma audiência pública na Câmara dos Deputados, pela Comissão de Finanças e Tributação. A Casa já aprovou o convite; a data, porém, ainda não foi definida.

“Aí, agora ele [presidente da estatal] vira e fala que o carteiro deve dinheiro para a empresa, de credor o cara passou a ser devedor; quer dizer, qual é a verdade da empresa? Então para que fez acordo? Fazer acordo em um processo e depois descumpri. Então até o Tribunal está sendo feito de trouxa. Então é isso que eu pretendo perguntar a ele lá na Câmara”.

Sobre a futura audiência pública na Câmara, a Comissão de Finanças e Tributação da Casa, por meio de um dos seus membros, o deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), solicitou o convite aos três representantes dos Correios, para esclarecer o rombo de mais de R$ 800 milhões neste primeiro trimestre de 2024. (Veja aqui matéria sobre a audiência: Presidente dos Correios é convidado a explicar prejuízo de R$ 809 milhões na Câmara; estatal colocou dados em sigilo).

 

CORREIOS ENSINA DESCARACTERIZAR BURNOUT

Em documento de contratação destes escritórios terceirizados os Correios ensinam como os terceirizados devem fazer para vencer as causas, afastando o diagnóstico da Síndrome de Burnout.

“A ECT (Correios) indica detalhadamente como a defesa deve ser feita para descontruir as provas do adoecimento em massa, orientando que os advogados descontruam a verdade, afastando o diagnóstico da Síndrome de Burnout e o nexo de causalidade entre eventuais doenças existentes e o trabalho. Os Correios orientam a descaracterizar a atividade advocatícia como atividade penosa; a descontruir ou enfraquecer a força probatória dos documentos do ponto de vista jurídico de sua validade.”, explica Danila Borges.

 

LETARGIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DE RIBEIRÃO PRETO/SP

Ainda segundo a advogada Danila Borges, além dos problemas de saúde, os advogados de adquiriram Burnout por excesso de trabalho dentro dos Correios enfrentam a morosidade da Justiça e/ou dos órgãos que deveriam defender trabalhadores e também fiscalizar empresas, como o Ministério Público do Trabalho de Ribeirão Preto, em São Paulo.

“O processo do MPT corre em sigilo, mas o judicial não. No judicial, o processo está parado há mais de um ano, mesmo após inúmeros pedidos de providência.”, ressalta a advogada.

No último dia 12 de junho deste ano de 2024, a advogada protocolou uma nova manifestação no MPT, para que o Ministério tomasse providências.

“Ninguém discute o notável saber jurídico de Volia. Mas aqui estamos discutindo as ações dos Correios, como a empresa está agindo com os advogados concursados e adoecidos”, acrescentou Danila Borges.

 

CORREIOS 

O portal Mais Brasília (MB) procurou a assessoria de comunicação dos Correios para apurar os fatos. Até o fechamento desta reportagem, a a assessoria não se manifestou. O MB está à disposição da assessoria de comunicação e/ou da diretoria da estatal para ouvir o posicionamento da empresa.

 

MPT/RIBEIRÃO PRETO

O Mais Brasília também procurou o MPT/SP/Ribeirão Preto, por meio da assessoria de comunicação, que limitou-se em responder o seguinte:

“O procedimento se encontra sob sigilo, imposto pela procuradora oficiante, Cinthia Passari von Amon.O sigilo me impede de passar informações sobre o inquérito civil, exceto que ele permanece em fase de instrução.”, informou em nota.

 

ESCRITÓRIO VOLIA BOMFIM

A reportagem ainda procurou o escritório de Volia Bomfim. Acerca do contrato com os Correios, o portal pontuou:

Estou produzindo uma reportagem sobre os advogados dos Correios que encontram-se atualmente adoecidos e me esbarrei com uma questão; o escritório de Volia foi contratado pelo preço de 850 mil para 5 processos de 5 advogados adoecidos; enquanto, pelo mesmo preço, praticamente paga-se 35 mil processos. Gostaria de saber se há alguma correlação ao fato de ela ser uma juíza/desembargadora aposentada.

“Prezada, Paula. Fui contratada pelo meu currículo e experiência. Sou professora, mestre, doutora, autora de diversos livros na área e conheço bem a prática trabalhista. O pagamento também será  parcelado, o que muda muito e impacta o leitor de forma diferente. Lembre que um processo demora de 5 a 7 anos”, informou a advogada e desembargadora aposentada Volia Bomfim.

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