No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Afinal para que serve a recuperação judicial?

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“The purpose of a business law, it is now widely believed, is to facilitate the creation of economic wealth. Law and economics approaches to bankruptcy ask how an insolvency law can help with this task.”
Alan Schwarz

A teoria neoclássica econômica considera contratos livremente contratados como instrumento de maximização da riqueza dos contratantes. Esta premissa, no entanto, é válida ex ante, ou em outras palavras, pressupõe o cumprimento do contrato, pressupõe que as prestações assumidas pelas partes sejam entregues sem contestação e conforme o entendimento da parte que receberá a prestação.

Não é (sempre) assim que o mundo funciona. Com a quebra de contratos, surge toda uma série de problemas, uma série de ações (judiciais e extrajudiciais) e uma série de consequências. De forma geral, a lei (qualquer que seja o país) permitirá que o credor tome certas medidas para reaver seu crédito, medidas variáveis conforme o “pacote de direitos” que o credor tem, o qual pode depender da natureza do crédito e as vezes até dos sujeitos envolvidos.

Em tempos antigos, estes meios eram a escravidão ou a execução, com tomada irrestrita de ativos do devedor. Mais modernamente, no entanto, esses meios são a retomada de bens (para extinguir a obrigação – pagamento – ou como medida preparatória à alienação extrajudicial de bens), a cobrança ou execução judicial do crédito e, de certo modo, o pedido de falência, que não é teoricamente uma forma de cobrança de crédito (mas que na prática funciona como).

Sistemas jurídicos tratam da crise empresarial grave de duas grandes maneiras – liquidar ou reorganizar. Aqui falaremos dos regimes jurídicos que tratam da situação da inadimplência significativa e generalizada, trazendo soluções que pressupõem o exercício coletivo de pretensões creditícias; ou seja, o tratamento jurídico da insolvência do devedor.

No Brasil, o ordenamento jurídico da insolvência do devedor é composto por regras sobre falência e recuperação de empresas (Lei 11.101/2005, reformada parcialmente pela Lei 14.112/2020 como principal, com conexões com a legislação esparsa) e regulações esparsas para a insolvência de certos agentes econômicos específicos (Lei 5.764/71, para cooperativas, Lei 6024/74 para instituições financeiras, Lei 9.658/98 para operadoras de planos de saúde, DL 73/66 para seguradoras, além de várias outras).

Existe uma preocupação legislativa em dar solução adequada a interesses envolvidos, incluindo aqueles de detentores de interesse não diretamente objeto da relação jurídica inadimplida (ou seja, que não apenas o devedor e o credor).

Todos (ou quase todos) os sistemas jurídicos mundiais possuem regimes jurídicos específicos para tratar da insolvência do devedor empresário. Alguns dão conjuntos de direitos mais favoráveis ao devedor, outros aos credores, alguns incentivam tentativas de reorganização, outros tem como preferência a liquidação.

Há uma gama de possibilidades, de forma que qualquer análise econômica deverá levar em consideração as características específicas substanciais e procedimentais dos respectivos sistemas para a solução de problemas concretos. Em uma perspectiva normativa, há também espaço para a análise e enunciação de regras gerais, que podem orientar mudanças legislativas.

Há objetivos básicos que norteiam a ideia de permitir a tentativa de recuperação de empresa em um regime jurídico distinto das regras aplicáveis às inadimplências de devedores solventes. Um deles é preservar o valor da empresa.

A ideia, por um lado, é evitar que credores exerçam direitos de cobrança, constrição e alienação de ativos produtivos, prevenindo-se uma “corrida judicial” entre credores, que poderiam levar à inviabilidade da continuidade dos negócios decorrentes da interrupção brusca ou redução significativa das atividades[1]; por outro lado, no regime jurídico regular (fora do regime da insolvência) o exercício destes direitos de cobrança é (ou ao menos deveria ser) um direito dos credores, cuja satisfação se dá (conforme a relação jurídica originária) por meio da retomada do bem, penhora e alienação de ativos.

Nestas situações, a única opção do devedor em crise (para evitar a perda de seus ativos essenciais ou sua total liquidação em casos ainda mais graves), quando sua crise não encontra solução de mercado é tentar uma recuperação “assistida” pelo Judiciário, a qual se dará sob um conjunto de regras que dão aos devedores uma série de direitos (mas também obrigações) que não teriam no regime normal.

A ideia predominante é evitar a paralisação da empresa viável (que ocorreria no cenário de race to collect mencionado, em função da perda dos ativos essenciais à produção). A ideia é que a venda forçada de seus ativos levaria a uma perda de valor tanto da empresa (pessoa jurídica) quanto para os acionistas, trabalhadores, outros stakeholders e para os próprios credores[2].

Isto faz sentido em muitos casos, mas há sérios problemas (em todos os ordenamentos de forma geral, mas especialmente no brasileiro) com a estrutura legal que permite definir a viabilidade da empresa e as regras materiais e processuais para guiar esta tentativa de recuperação. Aqui também, análise econômica – principalmente a normativa – pode proporcionar subsídios relevantes aos legisladores e julgadores.

Outra ideia que também orienta – ou deve orientar – os sistemas jurídicos nacionais é permitir a maior recuperação de crédito possível aos credores. Ordenamentos diversos darão pesos diversos a estas duas ideias (máxima recuperação de crédito vs. preservação da empresa), não absolutamente antagônicas, mas que muitas vezes podem conflitar.

Os ordenamentos (e a maneira como são aplicados) trarão regras para o trade-off nas áreas de incompatibilidade destas duas concepções. A análise econômica do Direito pode proporcionar bons fundamentos para definir os efeitos de cada uma das possíveis soluções, bem como seus “vencedores” e seus “perdedores”.

A ideia de preservar a empresa com restrição dos direitos dos credores é sensata e pode potencialmente ser aplicada de forma eficiente, mas há grandes riscos de aplicações ineficientes, derivando principalmente da arquitetura legal, tanto no que diz respeito ao direito positivo quanto à aplicação jurisprudencial.

Na jurisprudência brasileira, por exemplo, o dogma de “preservação da empresa”, muitas vezes confunde-se com a preservação das atividades e dos elementos da atividade com a preservação da estrutura de controle da sociedade empresária de empresa com valor negativo (e sem perspectivas), mesmo naqueles casos em que a empresa não deve ser preservada[3] ou só deve ser preservada dissociada do empresário. Além disso, há pouca atenção das decisões que aplicam este princípio com os resultados efetivamente alcançados[4].

Há também um fato frequentemente esquecido no Direito brasileiro: a empresa, dissociada do empresário, também pode ser preservada mediante processo de falência bem conduzido[5]. A falência (liquidação) sempre romperá o vínculo dominial entre o empresário e os ativos de sua propriedade, mas não há qualquer razão para que este processo, se bem conduzido, implique em perda de valor de empresa (atividade econômica), se comparado com a reorganização.

Definir quando a liquidação é melhor do que a reorganização é uma tarefa difícil e complexa, respondida de forma diversa conforme o ordenamento específico, e nem sempre de maneira mais eficiente. É nessa seara que a análise econômica proporciona bons critérios para a decisão.

Diz Alan Schwarz, sob uma perspectiva exclusiva de análise econômica (portanto, sem considerar a normativa jurídica vigente), que as características da crise vivenciada – de natureza exclusivamente financeira ou econômica – indicam a solução adequada –recuperação judicial ou falência. Ele afirma[6]:

“such a {insolvent} firm may be experiencing economic distress, financial distress or both. A firm that is experiencing economic distress cannot earn revenues sufficient to cover its costs, exclusive of financing costs. A firm in financial distress would have positive earnings were it not required to service its debt. Since the amount that firms borrow is sunk when insolvency occurs, a firm’s debt is irrelevant to the question whether the firm should be continued or not. It then follows that economically distressed firms should be liquidated because these firms have negative economic value. Firms that are only financially distressed, however, should be continued as economic entities, with their debts canceled or rescheduled”.

Outra justificativa para regimes jurídicos especiais para tratar a crise da empresa é que a empresa possui stakeholders (detentores de interesses) além dos acionistas, e estes interesses também devem ser considerados. Entender a empresa como um polo gravitacional de diversos interesses e seus detentores (os stakeholders) é uma abordagem interessante e que encontra, além da base econômica, fundamento legal, na medida em que a própria lei enuncia propósitos múltiplos para sua aplicação (no Brasil, Lei 11.101/2005, art. 47 [recuperação]; art. 75 [falência]).

Há diversas outras discussões relevantes sobre quais devem ser os propósitos e funções de um sistema de insolvência. Uma outra função constantemente mencionada na literatura é proporcionar liquidez para empresas em problemas predominantemente financeiros.[7]

Fato é que não há como escapar, em um processo de recuperação judicial ou mais amplamente de reestruturação empresarial, da racionalidade econômica e o Poder Judiciário deve estar atento a isso, ponderando os efeitos concretos de suas decisões.

*

Este texto é uma versão resumida de artigo publicado anteriormente em obra dedicada a homenagear o professor Nelson Abrão, organizado por Carlos Abrão, Sidney Beneti e Ueda.

[1]Michelle White (Economic Analysis of corporate and personal bankruptcy Law, p. 6).

[2] Essa é uma ideia bem estabelecida na doutrina e jurisprudência, mas já questionada por Baird e Rasmussen (The end of bankruptcy. Stanford Law Review, 2002)

[3] Fábio Ulhoa Coelho (citado, p. 245-6).

[4] Sobre os resultados, apesar da ausência de pesquisas de maior amplitude, ver, do autor Orlando Celso da Silva Neto ‘an analysis of reorganizing bankruptcies in Brazil:assessing and understanding failure or success’, disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3095529  e ‘Abuse of vote by prevalent creditors in reorganizing bankruptcies: the unintended consequences of judicial activism. (January 27, 2020). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=, nos quais se verifica que na quase totalidade das intervenções judiciais ‘ativistas’, os resultados foram os exatos opostos daqueles desejados. Ver também os impressionantes dados do Observatório da Insolvência da PUC/SP, especialmente a 3ª fase, cujos dados estão disponíveis em https://abj.org.br/pesquisas/3a-fase-observatorio-da-insolvencia/

[5] Marcelo Guedes Nunes e Marco Aurélio Freire Barreto. Alguns apontamentos sobre comunhão de credores e viabilidade econômica. In: Castro, Rodrigo R. Monteiro e Aragão, Leandro Santos. Direito societário e nova lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 310.

[6] The law and economics approach to corporate bankruptcy. Doutrinas essenciais: Direito empresarial. Volume VI, p. 26-27.

[7] Ver, por exemplo, Ayotte, Kenneth M. and Skeel, David A. Jr., “Bankruptcy Law as a Liquidity Provider” (2013). Faculty Scholarship at Penn Law. 447.
https://scholarship.law.upenn.edu/faculty_scholarship/447

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