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Arbitragem e sua (in)efetividade na redução da litigiosidade

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Diante da atual situação em que se encontra o Poder Judiciário, assoberbado de processos judiciais, tem avançado a tramitação do PLP 2486/2022, que busca instituir a arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos tributários.

Segundo dados do CNJ[1], a média de tempo de giro do acervo processual na Justiça Federal é de 2 anos e 10 meses, no entanto, essa média é bem maior quando considerado apenas ações tributárias, pela própria natureza da ação.

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Segundo dados publicados no PGFN em números[2], em 2023, foram ajuizados, aproximadamente, 70 mil novos mandados de segurança e 30 mil ações judiciais pelo procedimento comum, o que demonstra a alta litigância em matéria tributária no país.

Não se nega e nem se desconhece a necessidade de se buscar novas alternativas para reduzir os conflitos que chegam ao Judiciário, seja através de medidas de autocomposição (mediação, conciliação, transação) seja por meio da heterocomposição por meio do juízo arbitral. No entanto, é preciso cautela ao tentar introduzir a arbitragem em matéria tributária e aduaneira como forma efetiva de redução dos litígios.

A arbitragem no Brasil tem como grande inspiração a arbitragem portuguesa. No entanto, pergunta-se se a arbitragem no sistema brasileiro alcançará o mesmo sucesso de Portugal.

A arbitragem em matéria tributária em Portugal foi criada pelo Decreto-Lei 10/2011, que instituiu o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), com o objetivo de conceder uma tutela eficaz ao sujeito passivo, dar maior celeridade à resolução de conflitos e reduzir a litigiosidade.

Segundo Pereira[3], dois dos principais pilares da arbitragem em Portugal é a publicação das decisões e a escolha dos árbitros realizada pelo Conselho Deontológico do CAAD, o que garante a confiança entre as partes e a segurança ao buscar a arbitragem.

Em Portugal, entre 2015 e 2023[4], houve a redução de 45% no número de processos pendentes de julgamento nos tribunais tributários, reduzindo de 54.300 para 30 mil processos. Também houve redução no número de impugnações nos tribunais tributários, de 23 mil para 11 mil, no mesmo período.

Além disso, a celeridade no processo arbitral, que dura em média 4,5 meses, garante o acesso do contribuinte a uma solução do litígio de forma eficiente, trazendo segurança na realização de suas atividades econômicas.

Outro ponto a se destacar é a escolha do árbitro. Segundo Pereira, o Conselho Deontológico (presidido por um Juiz Aposentado que exerceu funções na jurisdição administrativa e fiscal e nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura) designa o árbitro e supervisiona sua atuação, propiciando confiança na arbitragem.

No Brasil, o PLP 2486 não prevê a institucionalização do Tribunal Arbitral capaz de conferir segurança jurídica e confiança os contribuintes e aos entes federados. Essa omissão legislativa, pode levar a inefetividade da arbitragem no cenário nacional, principalmente, se a sua natureza for completamente privada.

O Capítulo VII do projeto dispõe sobre a composição do Tribunal Arbitral e a forma de escolha dos árbitros, que devem possuir conhecimento compatível com a natureza do litígio, não ter relações que caracterizem impedimento ou suspeição com as partes ou com o litígio e o dever de se manter imparcial e independente. Nada mais.

Há, portanto, uma lacuna, de quem seriam os árbitros, se existiria alguém superior para resguardar a qualificação, imparcialidade e conhecimento legal e técnico para o ofício, que legitimem estes julgadores, conferindo confiança nas decisões que serão proferidas.

Em trabalho realizado, por Dourado, Garoupa, Moutinho e Marchetti[5], verificou-se que as decisões proferidas pelo CAAD são mais favoráveis aos contribuintes. Entre os anos 2016 e 2021, nos casos acima de € 100 mil, o contribuinte saiu vitorioso em 58%, e a Administração, apenas 21%. Por outro lado, a situação se inverte quando se analisa as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, no qual a probabilidade da Administração Tributária ganhar é de 46% contra 35% do contribuinte.

Tais números, por si só, não significam que as decisões são direcionadas a favorecer o contribuinte deliberadamente, uma vez que depende das escolhas das demandas que são colocadas para solução junto ao Tribunal Arbitral. Mas, é preciso ter cautela com possíveis pressões externas sobre os árbitros, evitando favorecimentos e, ainda, impedindo que mais distorções sejam lançadas no nosso sistema.

Além disso, é importante ter em mente que a arbitragem é vista não apenas como método alternativo de resolução de conflitos. Segundo Piscitelli[6], é uma medida de justiça fiscal, visto que “resulta em soluções mais rápidas de litígios e tem o efeito de aumentar, de forma eficiente, a arrecadação”, assegurando o acesso à justiça, “com medidas justas de arrecadação, que podem resultar em redução da desigualdade, pela correta aplicação dos recursos em ações que busquem tal fim”.

A arbitragem, portanto, deve primar por decisões céleres, técnicas e imparciais. Daí surgem os diversos desafios que podem ser encontrados até a implementação efetiva da arbitragem, desde a escolha dos árbitros (imparcialidade) e o andamento do processo arbitral (celeridade), até a prolação da sentença (efetividade).

Segundo Mendonça[7], as “partes envolvidas em conflito buscam formas de solução que sejam ágeis, tecnicamente hábeis e proporcionem uma solução justa, sendo certo que mesmo sem ter certeza quanto à prevalência de sua posição, partes em conflito necessitam de tratamento adequado e de decisão que lhes seja imposta”.

No cenário brasileiro, observa-se uma busca do contribuinte, não pela solução justa da controvérsia, mas de decisão que apenas lhe favoreça, para afastar ou diminuir o tributo a ser pago.

Tanto é que, atualmente, a maior parte dos litígios tributários envolve constitucionalidade e legalidade em algum aspecto da obrigação tributária, numa busca incessante dos contribuintes em construir um novo modelo de tributação. Não são as questões fáticas ou mesmo as diferentes interpretações da lei que sobrecarregam o Judiciário, mas sim o movimento constante e crescente de novas teses sobre a constitucionalidade e legalidade da tributação em si.

Neste cenário, é pouco provável que temas de relevância nos Tribunais Superiores (que quando pautados geram uma avalanche de novas ações) sejam incluídos pela Administração Tributária na arbitragem, ou, se assim o fizer, também é difícil acreditar que os contribuintes irão optar por este método alternativo, o que corrobora a ideia de que, dificilmente, a arbitragem trará uma efetiva redução de litigiosidade em questões fiscais.

Com isso, diante da ausência de previsão no PLP 2486 de criação de um Tribunal Arbitral institucionalizado em matéria tributária, capaz de ensejar confiança e segurança às partes envolvidas, e considerando ainda o perfil dos conflitos tributários federais, prima facie, não se percebe no instituto a força para redução da litigiosidade no Judiciário. Todavia, para situações específicas, factuais, o referido instituto poderá ser adotado como instrumento de justiça fiscal, ao proporcionar um meio alternativo de solução justa e célere da controvérsia.


[1] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024.pdf

[2] https://www.gov.br/pgfn/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/pgfn-emnumeros/pgfnemnumeros2024.pdf

[3] PEREIRA, Tânia Carvalhais; “Arbitragem Tributária em Portugal”, p. 201 -212. In: Arbitragem Tributária no Brasil e em Portugal: Visões do Grupo de Pesquisa “Métodos Alternativos de Resolução de Disputa em Matéria Tributária” do Núcleo de Direito Tributário da FGV DIREITO SP. São Paulo: Blucher, 2022. ISBN: 9786555065176, DOI 10.5151/9786555065176-21

[4] https://www.caad.org.pt/comunicacao/imprensa/n%C3%BAmero-de-processos-parados-em-tribunais-tribut%C3%A1rios-recua-45-arbitragem-fiscal-ajudou-a-estes-n%C3%BAmeros

https://eco.sapo.pt/2024/03/20/numero-de-processos-parados-em-tribunais-tributarios-recua-45-arbitragem-fiscal-ajudou-a-estes-numeros/?trk=feed_main-feed-card_feed-article-content

https://www.caad.org.pt/tributario/faq

[5] DOURADO, Ana Paula; GAROUPA, Nuno; MOUTINHO, Bruno; MARCHETTI, Claudia. Litigância Tributária em Portugal: Estudo Jurídico e Empírico da Arbitragem Tributária.

[6] PISCITELLI, Tathiane. Arbitragem no direito tributário: uma demanda do estado democrático de direito. In: Tathiane Piscitelli, Andrea Mascitto e Priscila Faricelli de Mendonça (Coord) Arbitragem Tributária: desafios institucionais brasileiros e a experiência portuguesa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

[7] MENDONÇA, Priscila Faricelli de. Arbitragem e transação tributárias. Brasília: editora Gazeta jurídica, 2014 (Parte 2 – Arbitrabilidade das controvérsias tributárias).

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