No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Arrecadação das bets: entre tributação e participação nas receitas

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Autorizado a operar no Brasil desde 2018 pela Lei 13.756, o mercado de apostas online se expandiu rapidamente, desafiando fronteiras e a estrutura regulatória nacional.

Frequentemente operadas por plataformas hospedadas em outras jurisdições, as chamadas bets, permaneceram, até 2024, disponíveis a poucos cliques dos apostadores, mas longe do alcance das autoridades brasileiras, por falta de regulamentação infralegal.

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Essa realidade pode[1] mudar a partir de janeiro de 2025, quando entrarão em vigor as obrigações de destinação pública de parte das receitas auferidas com as bets.

Segundo o Departamento de Pesquisa Macroeconômica do Itaú Unibanco S.A.[2], a atividade movimentou cerca de R$ 24,1 bilhões apenas entre junho de 2023 e junho de 2024, representando 0,22% do PIB.

Simultaneamente, externalidades negativas como doenças mentais decorrentes do vício[3], captura de consumidores do comércio varejista[4] e endividamento familiar[5] são atribuídas às bets, muitas das quais denunciadas de manipular resultados dos eventos[6] e de instrumentalizar crimes de lavagem de dinheiro[7].

Nesse contexto, abstraídos juízos sobre a conveniência ou não da permissão da atividade no país[8], parece necessário avaliar quais serão as contrapartidas da atividade passíveis de serem revertidas em favor da sociedade.

Nos termos do art. 30 da Lei 13.756/2018, o modelo de tributação adotado segue o conceito de Gross Gaming Revenue (GGR), pelo qual o operador de apostas retém 88% da receita líquida — correspondente ao montante arrecadado (turnover), descontados o valor do prêmio pago ao apostador e o imposto de renda sobre esse prêmio. Esse percentual é propriedade do operador e sobre ele incidirão IRPJ/CSLL, PIS/Cofins, sucedidas por IBS/CBS e, provavelmente, Imposto Seletivo. Resta definir a natureza jurídica do saldo de 12% das receitas líquidas arrecadadas, e o regime jurídico a ele aplicável.

Segundo a mesma norma, os 12% das receitas líquidas arrecadadas devem ser destinados a finalidades específicas, assim distribuídas: 10% para educação; 13,6% para segurança pública; 36% para esportes; 10% para seguridade social; 28% para turismo; 1% para o Ministério da Saúde, destinado à mitigação dos impactos sociais dos jogos; 0,5% para entidades da sociedade civil; 0,5% para o Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal (Funapol); e 0,4% para a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

A versão original da Lei 13.756/2018 também alterou o art. 26 da Lei 8.212/1991, que institui a contribuição social sobre concursos de prognósticos, prevista no art. 195, inciso III, da Constituição Federal. A nova norma determina que a base de cálculo da contribuição é a receita (bruta) auferida em concursos, sorteios e loterias, e que sua alíquota é o percentual destinado à seguridade social pela lei de cada modalidade lotérica. Portanto, no caso das apostas de quota fixa, a contribuição seria 10% sobre essa receita (bruta).

Entretanto, pela redação atual do art 30 da Lei 13.756/2028, a alíquota da contribuição social sobre concursos de prognósticos devida pelos operadores de aposta de quota fixa caiu de 10% para 1,2% e sua base de cálculo deixou de ser a receita bruta e passou a ser a receita líquida, conforme interpretação conjunta do art. 26 da Lei 8.212/1991 e do §1º-A do art. 30 da Lei 13.756/2018, que destina à seguridade social 10% dentre os 12% das receitas líquidas (ou 1,2% da receita líquida). Embora com valor bastante reduzido em relação ao original, a exação atende ao art 195, IV, da CF, sem representar uma nova fonte de financiamento sujeita às exigências do art. 195, §4º, da CF.

Questionamentos podem surgir quanto à destinação específica de 0,1% da receita líquida (1% de 12%) à saúde, porque não há dispositivo legal qualificando esse percentual. Porém, considerando que a saúde é um dos ramos da seguridade social, conforme arts. 194 a 204 da Constituição, e que contribuições são qualificadas pela finalidade normativa a ser por elas financiada, conclui-se que 1,3% da receita líquida arrecadada pelos operadores de aposta de quota fixa é contribuição social sobre receitas de concursos de prognósticos, dos quais, pelo menos, 0,1% devem ser destinados à saúde.

Resta definir a que título a lei está obrigando os operadores a repassar à União os 10,7% restantes da receita líquida arrecadada. Afinal, esses 10,7% da receita líquida podem ser enquadrados como tributo?

A vinculação legal desses 10,7% a finalidades públicas é incompatível com a natureza jurídica do imposto, que se caracteriza pela generalidade de sua arrecadação e ausência de vinculação a finalidades específicas (art. 167, IV, CF).

Além disso, as áreas temáticas escolhidas pelo legislador para destinar esses recursos inviabilizam sua categorização como contribuição de intervenção no domínio econômico ou como outra contribuição social geral, nos termos do art. 149 da Constituição Federal. Também não é possível enquadrá-los como taxa, considerando que o art. 32 da Lei 13.756/2018 já instituiu uma taxa de supervisão específica como contrapartida ao exercício do poder de polícia sobre o setor.

Segundo a Portaria 1.212, de 30 de julho de 2024, da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, as destinações dos incisos IV-A e VI do §1º-A do art. 30 da Lei 13.756/2018 configuram receitas de “contribuição social”. Já as demais finalidades são classificadas como “Participação da União nas receitas das Loterias de apostas de quota fixa“. No entendimento da União, apenas 1,3% das receitas líquidas têm natureza tributária, na modalidade contribuição social sobre concurso de prognósticos, enquanto os 10,7% restantes são tratados como receitas patrimoniais.

A participação da União na receita gerada pela iniciativa privada com as apostas de quota fixa se legitima juridicamente por ser espécie de loteria, gênero que tem natureza jurídica de serviço público, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 492/RJ.

Por se tratar de espécie de serviço público, sua exploração depende de delegação, via concessão ou permissão, sempre precedida de licitação ( art. 175 da CF), ou via regime de autorização com dispensa de licitação[9], modelo recomendado para atividades que não mereçam “restrições à oferta que justifiquem a oposição de barreiras à entrada, hipótese em que a competição para o mercado (competition for the market), via licitação, criaria uma exclusividade ineficiente e ilegítima, ao restringir o acesso dos possíveis interessados”, conforme ADI 5549.

A captação, pelo ente público, de parte do produto da arrecadação (renda pré-tributária) gerada pelo operador privado, longe de configurar confisco, funciona como contrapartida das pessoas privadas autorizadas a explorar serviços que não demandam investimentos em infraestrutura.

Ela conforma e delimita o direito de propriedade privada[10] e reflete o exercício legítimo da titularidade do Estado sobre os serviços lotéricos, reafirmando a importância de seu papel regulador e financiador de políticas públicas em áreas específicas e estratégicas, como educação, saúde e segurança pública.

Conclui-se, assim, que, o modelo híbrido de arrecadação adotado, onde obrigações tributárias coexistem com a participação estatal nas receitas geradas, é arranjo institucional de Direito Público, que canaliza forças tradicionalmente contrapostas na relação entre Estado e mercado em prol do interesse coletivo.


[1]A ADI 7721, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), e  a ADI 7723 pedem a declaração de inconstitucionalidade de vários artigos da Lei 14.790/2023. A liminar concedida em 13/11/2024, entretanto, não afeta as conclusões deste texto. https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=7044517

[2]https://macroattachment.cloud.itau.com.br/attachments/a77e92d9-319f-45ca-b657-6c721241804b/13082024_MACRO_VISAO_Apostas_on-line.pdf

[3]Korn DA, Shaffer HJ. Gambling and the Health of the Public: Adopting a Public Health Perspective. J Gambl Stud. 1999

[4]https://fecomercio.com.br/upload/file/4abc78754558d42963ef60fffb527e1ea80c006b.pdf

[5]https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/materias/relatorios-de-pesquisa/golpes-digitais-atingem-24-dos-brasileiros-aponta-21a-edicao-da-pesquisa-panorama-politico

[6]Portaria MESP 109, de 12 de novembro de 2024. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/ministerio-do-esporte-impoe-medidas-para-combater-manipulacao-em-jogos-passiveis-de-aposta/

[7]https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9qg907er8go

[8]Casabonna distingue cinco abordagens amplas para a regulação dos jogos digitais : “(1) jurisdições totalmente proibitivas, onde o jogo na Internet é proibido; (2) sistemas proibitivos protecionistas, que permitem o jogo, mas apenas se o operador da Internet for licenciado domesticamente. Tal abordagem busca impedir que fornecedores estrangeiros ofereçam produtos e serviços de jogo; (3) sistemas totalmente liberais, que não impõem obstáculos ou limitações em relação à nacionalidade dos jogadores e à origem dos operadores online; (4) jurisdições liberais restritivas que proíbem operadores licenciados de oferecerem seus serviços a jogadores de países onde o jogo é proibido; e (5) sistemas liberais proibitivos que permitem que negócios de jogo online operem a partir do seu país, mas proíbem que os jogos sejam oferecidos a seus residentes” Casabona, Salvatore. The EU’s online gambling regulatory approach and the crisis of legal modernity. Working Paper No. 19. Singapore: EU Centre in Singapore, 2014.

[9]Embora a ausência de licitação, no caso das apostas de quota fixa, seja objeto das ADIs 7721 e 7723, por suposta violação do art. 175 da CF, o modelo não é novo. Ele já é aplicado pela Lei nº 12.996/2014 ao transporte rodoviário coletivo regular interestadual e internacional de passageiros, cuja constitucionalidade foi declarada pelo Supremo na  ADI 5549.

[10]MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça. Tradução Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo, Martins Fontes, 2005.

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