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Tramita na Câmara dos Deputados o PL 15/2024, que propõe a criação do Cadastro Fiscal de Devedores Contumazes (CFDC) e estabelece diretrizes sobre a figura do devedor contumaz. O projeto define critérios para inclusão e exclusão no CFDC, estabelecendo que o procedimento será regido pela Lei 9.784/1999, e não pelo Decreto 70.235/72, que regula os processos administrativos fiscais.
Dentre as consequências práticas da inclusão no CFDC, destacam-se a inaptidão cadastral no CNPJ, o impedimento à participação em licitações públicas e a exclusão de benefícios fiscais. No entanto, o texto do capítulo III do PL 15/2024, que trata do devedor contumaz, suscita dúvidas cruciais: a proposta estaria alinhada aos preceitos legais, ou configuraria um mecanismo coercitivo incompatível com a ordem jurídica?
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O capítulo III do PL 15/2024 apresenta critérios que qualificam um contribuinte como devedor contumaz. Esses incluem débitos acima de R$ 15 milhões sem garantias idôneas, débitos inscritos em dívida ativa há mais de um ano e vínculo com pessoas jurídicas declaradas inaptas. Contudo, a redação ignora elementos essenciais ao conceito de contumácia, como o dolo e a conduta sistemática de inadimplência deliberada. Em vez disso, atrela a qualificação ao montante devido, independentemente da intencionalidade.
Essa abordagem levanta preocupações quanto à legalidade e à razoabilidade da proposta. O STF já se posicionou contra medidas que configuram sanção política, como apreensão de mercadorias ou interdição de estabelecimentos (Súmulas 70, 323 e 547). Adotar um conceito impreciso, vinculado apenas ao valor do débito, arrisca transformar o CFDC em um instrumento de coerção, desproporcional e contrário à livre iniciativa.
A tentativa do PL 15/2024 de vincular sanções administrativas ao tamanho do débito fiscal pode ser interpretada como uma forma indireta de punição para ampliar a arrecadação. Essa estratégia é incompatível com os princípios constitucionais de proporcionalidade e razoabilidade. Além disso, a ausência de previsão de dolo ou conduta contumaz conflita diretamente com a jurisprudência do STF, que já reconheceu que apenas comportamentos dolosos e reincidentes podem justificar sanções severas.
Outro aspecto preocupante é a utilização de lei ordinária para regulamentar um tema que exige tratamento uniforme em âmbito nacional. A Constituição exige a edição de lei complementar para estabelecer critérios tributários destinados à prevenção de desequilíbrios concorrenciais (art. 146-A). Ao optar pela via ordinária, o PL contribui para a já grave heterogeneidade dos conceitos de devedor contumaz adotados nos estados, resultando em insegurança jurídica e potenciais conflitos federativos.
A análise do PL 15/2024 revela um texto que, além de juridicamente frágil, é inoportuno. O conceito de devedor contumaz desconsidera a intencionalidade e a contumácia, elementos indispensáveis para evitar o enquadramento de contribuintes em situações excepcionais ou de boa-fé.
A tentativa de estabelecer sanções severas sem observar as garantias constitucionais coloca em risco a relação de confiança e equilíbrio entre fisco e contribuinte. O texto, tal como redigido, apresenta falhas técnicas e viola preceitos constitucionais, como a necessidade de lei complementar para tratar de desequilíbrios concorrenciais e a vedação de sanções políticas. Mais que inadequado, o projeto compromete a segurança jurídica e a equidade no tratamento fiscal, valores fundamentais para a sustentabilidade do sistema tributário nacional.