As estratégias híbridas de regulação do Digital Markets Act na UE

Spread the love

Em 7 de março deste ano, iniciou-se o período efetivo de conformidade regulatória do Digital Markets Act (DMA) na União Europeia. Sete grupos econômicos designados como gatekeepers (Alphabet, Apple, Amazon, ByteDance, Meta, Microsoft e Booking) esforçam-se para fazer cumprir a lei em setores bastante variados que cobrem 24 Core Platform Services (CPS).

A celeridade das ações da Comissão Europeia na abertura de procedimentos fiscalizatórios de não conformidade evidencia que o DMA é conduzido com alta prioridade.

Assine a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas no seu email

Alguns resumos sobre os primeiros meses do DMA foram publicados lá fora. Mas, para observadores externos como nós, pode ser ainda difícil de compreender a implementação da lei a partir de diversos procedimentos emaranhados.

De forma modesta, este breve artigo analisa a natureza das suas estratégias de regulação a partir das decisões da Comissão tomadas até aqui. Ao colocá-las em perspectiva, argumentamos que o DMA está se desenvolvendo a partir de uma estratégia híbrida que poderíamos ousadamente chamar de uma “co-regulação regulada”.

Designação dos gatekeepers

O DMA prevê que cabe aos próprios grupos empresariais avaliarem o seu enquadramento nos critérios de designação e notificarem a Comissão sobre o seu atingimento (Artigo 3). A leitura fria do Considerando 23 da lei sugere que a designação dependeria apenas dos requisitos quantitativos.

As decisões de designação de setembro de 2023 e março de 2024, porém, apontam alguma flexibilidade, na avaliação sobre se o serviço atua como “uma porta de entrada importante para que os usuários corporativos cheguem aos usuários finais” (Artigo 3(1), (b)).

Serviços que não atingem os requisitos quantitativos podem ainda assim ser designados mediante investigação de mercado de designação suplementar (Artigo 17). Foi o caso do iPadOS (Apple), designado como CPS em abril de 2024, por conta da sua proximidade do threshold mínimo de usuários finais e das suas tendências de “aprisionamento” dos consumidores.

Por outro lado, mesmo ultrapassando os limites quantitativos, serviços podem ser eximidos da designação. Se sustentarem “argumentos suficientemente fundamentados” (Artigo 3(5)), a Comissão abre uma investigação de mercado de refutação também baseada no Artigo 17.

A Comissão decidiu cinco investigações, acolhendo refutações dos serviços iMessage (Apple), Bing (Microsoft), Edge (Microsoft), Microsoft Advertising, X Ads e TikTok Ads. Nesses casos, pesou o fato de os serviços angariarem poucos usuários comerciais no bloco europeu e enfrentarem concorrentes com posições de liderança consolidadas em seus segmentos.

Quatro gatekeepers judicializaram as designações. A única decisão já tomada pela Corte Geral do TJUE manteve a designação da ByteDance, reafirmando alto padrão de prova para refutação. Esclareceu-se, porém, que o Considerando 23 não afasta a possibilidade de refutação com base em argumentos qualitativos, mas visa evitar argumentos baseados em definições de mercado relevante e demonstração de eficiências.

O saldo final do ciclo de designações é instigante. A Comissão e o Judiciário se mostraram claramente avessas às metodologias tradicionais do antitruste. No entanto, não é tão claro como considerações econômicas sobre o impacto dos serviços na UE e o não funcionamento do serviço como ecossistema podem ser articuladas para refutar a designação.

Relatórios de conformidade e workshops

Os relatórios de conformidade são cruciais para a aplicação do DMA. Os gatekeepers devem entregá-los em até seis meses após a designação, o que ocorreu para quase todos em 7 de março de 2024. A Comissão organizou workshops públicos para discutir esses relatórios, fomentando acaloradas discussões entre as empresas designadas, usuários profissionais e consumidores.

O DMA foi projetado para rápida eficácia. As obrigações pré-definidas na lei visam efeitos imediatos, diferentemente de modelos do Reino Unido ou da Alemanha, onde autoridades definem obrigações por procedimentos adicionais. A análise dos relatórios, no entanto, mostra que a estratégia de auto executoriedade do DMA não o torna necessariamente imune a disputas hermenêuticas com os regulados.

Como as decisões de designação não esmiuçaram quais obrigações dos artigos 5, 6 e 7 da lei deveriam ser cumpridas por cada um dos 24 CPS, no momento de confecção dos relatórios, as empresas atuaram virtualmente como “fontes primárias” de interpretação do DMA.

Por essa razão, surgiram diversas controvérsias nos relatórios. Por exemplo, enquanto a Meta considerou a obrigação de separação de dados do artigo 6(2) aplicável às redes sociais, a ByteDance defendeu que esta não se aplicava ao TikTok. Similarmente, a Alphabet implementou certas medidas de transparência publicitária apenas para seu serviço de publicidade, entendendo que as obrigações do Artigo 6(8) não se aplicavam a plataformas como o Google Search e o YouTube.

Sem “market test” prévio, os diálogos com stakeholders ocorrem somente após a submissão dos relatórios. É provável que os desentendimentos sobre a incidência das obrigações sejam inerentes ao primeiro ano da lei. Mas a ausência de uma abordagem única para elaboração dos relatórios pode ser problemática. Cada grupo econômico poderá adotar uma postura mais contestadora ou mais evasiva ao auto avaliar as obrigações.

Procedimentos de não conformidade e especificação

A Comissão agiu rapidamente, iniciando seis investigações de não conformidade ainda no mês de março. Duas conclusões preliminares de violações já foram anunciadas: o “Pay or Consent” da Meta para redes sociais aparentemente violaria o Artigo 5(2) e as novas regras da App Store da Apple, o Artigo 5(4). Se esses procedimentos prosperarem, a Comissão poderá impor multas de até 10% do volume mundial de negócios, em um típico mecanismo de comando e controle.

Alguns procedimentos ecoam antigas discussões concorrenciais. O caso da Alphabet questiona a autopreferência do Google em resultados de busca. Os processos contra a Apple envolvem provisões anti-steering da App Store, semelhantes a casos recentes nos EUA e Europa.

O DMA converteu discussões de grandes investigações concorrenciais dos últimos anos em obrigações regulatórias. Porém, surge um desafio: e se os modelos de negócio não forem mais os mesmos? As investigações da Apple e Meta sugerem que as empresas estão introduzindo modificações incrementais nos seus termos e condições de uso, sem que esteja claro em que medida isso se alinha ao espírito do DMA.

A legitimidade dessas mudanças sob o ponto de vista da anterioridade legal é incerta. Além disso, se a atividade investigativa da Comissão depende de avaliações de modelos em constante evolução, talvez não seja exagerado afirmar que mesmo no DMA remanesce uma importante dimensão de controle ex post.

Para contrabalancear o foco em procedimentos punitivos, em setembro a Comissão iniciou dois procedimentos de especificação para auxiliar a Apple no cumprimento de suas obrigações de interoperabilidade sob o Artigo 6(7). Esses procedimentos constituem “diálogos” para orientar o regulado e não podem resultar em sanções. Será interessante saber como esses procedimentos conviverão com as investigações de não conformidade em andamento.

Considerações finais

O DMA revela uma abordagem híbrida, oscilando entre co-regulação e comando-controle. Os gatekeepers inicialmente interpretam a lei, mas a Comissão mantém poder punitivo significativo. Essa dinâmica acelera a implementação, mas não afasta desafios.

O futuro da lei dependerá de como a Comissão equilibrará a flexibilidade interpretativa com a necessidade de consistência regulatória. A evolução dos modelos de negócio e as decisões judiciais futuras moldarão a eficácia da sua abordagem.

Acompanhar esses desenvolvimentos será crucial para as jurisdições que discutem o dilema da rigidez-flexibilidade dos modelos de regulação ex ante. Parece ficar claro que o dilema se projeta não apenas no desenho legislativo, mas, principalmente, nas estratégias concretas de atuação do regulador.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *