As lacunas da arbitragem nos setores regulados na visão de entes públicos e privados

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O uso da arbitragem nos setores regulados vem ganhando cada vez mais espaço como instrumento de segurança jurídica, mas ainda enfrenta desafios para se consolidar definitivamente no Brasil.

Esses fatores foram debatidos por representantes dos setores público e privado no evento “Arbitragem, segurança jurídica, investimentos e desenvolvimento econômico”, realizado na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro, na última semana.

O encontro foi realizado pelo BNDES em conjunto com a Comissão de Arbitragem da Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). Houve a participação de especialistas do ecossistema arbitral brasileiro, membros do poder público, agentes do setor privado e academia, que trocaram experiências e ideias sobre as contribuições que a arbitragem trouxe para o ambiente regulado.

Setor de óleo e gás

Com vistas no setor privado, a arbitragem em setores regulamentados pode ser uma estratégia eficaz para acelerar investimentos e a finalização de obras. Reguladores e empresas devem trabalhar juntos para garantir que essas práticas sejam realizadas de maneira justa e dentro dos limites legais.

Especialista em resolução de conflitos, a gerente jurídica da Total Energies, Marcela Sussekind Veríssimo destacou que, entre as empresas privadas, a arbitragem tem uma aceitação quase absoluta, justamente pela garantia que os contratos celebrados demandam.

Este seria, inclusive, um caminho natural, para assegurar a celeridade de investimentos e projetos – que poderiam ter prejuízos, caso precisassem aguardar a resolução no Judiciário. No caso do setor de óleo e gás, por exemplo, o tempo é um fator fundamental para o sucesso de empreendimentos.

No Judiciário, é demandado ainda desenvolver a expertise nos magistrados, o que alonga a espera. “O tempo de resolução de conflitos é fundamental para que a disputa não afete o desenvolvimento de um projeto, o que faz parte da estrutura dos contratos. Por isso, o que se vê é a ampla aceitação das cláusulas de arbitragem”, afirmou.

A advogada ressaltou como desafio a necessidade de encontrar árbitros que se adequem as particularidades dos setores regulados, que exigem conhecimentos bem específicos das legislações e regulações setoriais, além dos pré-requisitos de isenção para participação no processo.

Ainda dentro de uma visão do setor de óleo e gás, Gabriel Alves da Costa, associate general counsel in Global Litigation da Shell, reafirmou a importância da arbitragem para o investidor internacional no Brasil. A segurança de contratos celebrados nos setores regulados, garantida pelas melhores práticas jurídicas, seriam atrativos para mais investimentos estrangeiros.

“Quando falamos de óleo e gás, se trata da indústria de commodities. O petróleo é a mais global das commodities, a sua produção é a que mais recebe investimentos estrangeiros. Portanto, precisamos de um ambiente de estabilidade e previsibilidade, o que dá conforto ao investidor privado de que o arcabouço regulatório legal brasileiro abraça as melhores práticas internacionais”, explicou.

Alves da Costa, no entanto, lamentou a exclusão do Brasil da comunidade internacional, no que se refere a arbitragem de investimentos, o que é um fator de preocupação para investidores internacionais. Nessa modalidade, investidores estrangeiros e Estados têm um fórum neutro e especializado para dirimir disputas.

“Nós temos mais de quarenta tratados bilaterais ou multilaterais de investimento assinados e ratificados. Nós nunca aderimos à Convenção de Washington e isso é um fator de preocupação. O investidor internacional no Brasil não tem esse recurso da arbitragem de investimentos para proteção”, explicou.

Infraestrutura aeroportuária

O árbitro e jurista José Gabriel Assis de Almeida compartilhou sua visão no ambiente de portos e aeroportos. Professor das Universidades Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ele destacou que  a arbitragem permite adotar um padrão de decisão que se assemelha a outros polos econômicos mundiais – o que coloca o país como um destino para investidores, cientes de que os contratos estarão assegurados.

“A arbitragem permite um padrão internacional em matéria de conflitos entre a administração pública e o investidor. Temos a necessidade de um investimento gigantesco em aeroportos e portos, e a adoção da arbitragem como forma de solução de conflitos possibilita a segurança de que haverá um padrão de decisão, igual ao adotado em qualquer outro lugar do mundo”, disse.

A visão do setor público

O painel sobre a visão do setor público discutiu como, anteriormente, havia um receio de que a arbitragem poderia, em algumas situações, enfraquecer os objetivos das políticas públicas, como garantir a concorrência justa, proteger os consumidores e promover o desenvolvimento econômico sustentável.

Contudo, esse panorama mudou radicalmente nos últimos anos, com a adoção cada vez maior da arbitragem no âmbito da administração pública. Isso porque  agora estão mais claros benefícios em termos de eficiência e inovação, e maior segurança para investidores e o mercado.

Especialista em regulação, defesa da concorrência e concessões, o procurador do Estado do Rio de Janeiro Flavio Amaral vê a arbitragem atualmente consolidada em contratos públicos. Para ele, a administração pública encontrou segurança jurídica, mas que é preciso diferenciar os tipos de contratos envolvidos – caso dos contratos de investimento e os de desembolso.

“No contrato de investimento, a arbitragem é absolutamente consolidada; é aquele em que a administração, em particular, precisa investir e captar recursos ou no mercado, para fazer o investimento no setor de infraestrutura. Por outro lado, os contratos de desembolso são aqueles em que a administração pública retira do seu orçamento para viabilizar contratos de obras e serviços”, afirmou.

O também procurador Henrique Rocha discutiu a relação entre arbitragem envolvendo a administração pública, execução e precatórios, pois um dos desafios na resolução de conflitos é a definição das formas de pagamento de acordos, indenizações ou outras obrigações financeiras advindas de órgãos dos setores regulados.

“A arbitragem permite alternativas para pagamentos de obrigações estabelecidas em sentenças condenatórias sem passar pelo precatório, exatamente por haver uma possibilidade de contornar, no bom sentido evidentemente, essas regras orçamentárias sem realizar o bloqueio de recursos públicos. São diversas essas possibilidades”, resumiu o procurador.

Já a presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), e árbitra, Mariana Freitas de Souza explicou como a instituição visualiza e tem se relacionado com as arbitragens envolvendo a administração pública direta e indireta. Para isso, o órgão inclusive, publicou, recentemente, um novo regulamento sobre a arbitragem envolvendo a esfera pública.

“Por mais que se saiba que a arbitragem é utilizada pela administração pública, há sempre uma preocupação do gestor público com a forma de uso. É preciso agregar maior segurança e conforto para o gestor público ao explorar a arbitragem”, comentou.

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