Bella Gonçalves: esquerda só perdeu BH quando abandonou políticas progressistas

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Não é se aproximando do centro nem amenizando a mensagem ideológica que a esquerda vai ganhar de volta o terreno conquistado pela direita, defende a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL), uma das três pré-candidatas da esquerda em Belo Horizonte. O JOTA publica de segunda-feira (8/4) a sexta-feira desta semana (12/4) uma série de entrevistas com os pré-candidatos a prefeito de Belo Horizonte.

Doutora em ciência política, ela argumenta nesta entrevista ao JOTA que foi exatamente quando o então prefeito Fernando Pimentel (PT) adotou posturas mais à direita que começou o fim do ciclo de 20 anos de governos do PT e PSB na capital mineira.

Manifestante em protestos reprimidos nos governos do ex-prefeito e ex-governador petista, ela vê o “Pimentécio” da eleição de 2010 como símbolo de uma articulação que nos anos seguintes enfraqueceu os movimentos sociais e a própria presença do Estado nas comunidades.

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Foi esse vácuo, agravado pela crise simultânea dos governos de Pimentel, em Minas, e de Dilma Rousseff, que para ela permitiu o crescimento da direita. Por isso, a deputada defende uma “inversão drástica de prioridades”, com retomada do investimento social que coloque “a periferia no centro”, iniciando um programa de longo prazo para zerar o déficit habitacional.

Em meio a propostas para transporte, educação e para que BH reencontre uma vocação econômica, a pré-candidata deixa claro seu campo ideológico, mas pouco deixa entrever a deputada estadual com pautas sobre gênero, defesa dos LGBTQIA+ e direitos humanos. Questionada, ela diz que essas são bandeiras que não a limitam. Ao contrário: expandem o alcance de suas propostas, por estarem alinhadas à ideia de uma cidade mais inclusiva para todos.

Bella Gonçalves diz que é a direita que está presa nas pautas identitárias. À esquerda, caberia “desmascarar” a tentativa de ser isolada por esse discurso.

Na luta contra o isolamento, ela diz ser favorável a que a esquerda procure formar, desde o primeiro turno, uma frente contra a direita e contra a “política do menos pior”, que representaria, segundo ela, o apoio ao prefeito Fuad Noman (PSD).

Leia a entrevista com Bella Gonçalves, pré-candidata do PSOL à Prefeitura de Belo Horizonte

A sua tese de doutorado é sobre a crise da esquerda e o fim da Nova República. A que a senhora reputa a guinada à direita de Belo Horizonte? Ou não existe essa guinada? 

Bom, existe, né? Não tem como não reconhecer que Belo Horizonte sai de um patamar de uma cidade que na redemocratização combinou o movimento de luta pela anistia com o movimento também grevista, sindicalista, de estudantes, que levou o Patrus Ananias [PT] à prefeitura de Belo Horizonte e que depois teve uma sequência de prefeituras do aspecto mais de esquerda. Então, a gente tem Patrus, Célio de Castro, depois Pimentel, e Belo Horizonte passa por uma mudança que tem a ver com a conjuntura nacional, claro.

E uma guinada à direita da prefeitura começa já com um prefeito nominalmente de esquerda também, não? 

É, o Pimentel.

Eu estava pensando no prefeito Márcio Lacerda, do PSB…

Mas começa mesmo com Pimentel. Eu falo assim porque Pimentel inventou uma expressão que era muito comum à época, que era o Pimentécio. Era uma articulação entre o Aécio Neves, que à época já se colocava enquanto presidenciável, para se tornar presidente do Brasil, rifando ali um pouco o movimento estudantil. O aspecto dos políticos ideológicos do seu partido e entrando no jogo das negociações nacionais que fez com que Belo Horizonte perdesse o controle da máquina pública. E aí, no que Belo Horizonte perde o controle da máquina pública, as gestões municipais progressistas perdem a condição de construir políticas públicas de vanguarda, políticas públicas progressistas.

A senhora fala isso por causa de terceirização, OS, esse tipo de coisa? 

Não, não. Vou explicar um pouco melhor. A gente tinha, quando o Patrus se elegeu, uma série de novidades políticas acontecendo em Belo Horizonte. A primeira experiência de urbanização de vilas e favelas aconteceu na Vila Acaba-Mundo. Foi o Pró Favela. A gente teve uma ampla política de segurança alimentar na toada também da luta contra a fome no Brasil, com a abertura de supermercados populares, centros de vivência agroecológica e restaurantes populares. Belo Horizonte foi a primeira cidade com restaurantes populares. E, também, Belo Horizonte era a ponta de lança da participação popular, tanto com o orçamento participativo, quanto com o orçamento participativo da habitação. Nisso, se construiu uma capilaridade do governo, além de reajustes salariais. Patrus deu um reajuste de servidores de quase 200% —a inflação era alta nesse tempo. Você tinha, nesse momento da redemocratização, um momento em que você tinha nas suas mãos uma máquina pública e construiu uma gestão que era quase que uma das experiências centrais de gestão democrática popular do Brasil. E com um enraizamento muito grande nas vilas e favelas. Nas políticas de vilas e favelas. Para mim, qual foi o marco do final do governo Pimentel e início do governo Márcio Lacerda? A redução da política de participação popular e de investimento nas periferias de uma maneira muito estrutural. Quando Márcio Lacerda assume, ele ainda herda essa grande capilaridade que a própria gestão municipal tinha de intervenção em vilas e favelas. Mas, depois, com a ausência de investimentos, num momento em que você não tinha investimento nacional, era tudo com recurso do Tesouro. Então, Belo Horizonte é uma cidade progressista. Uma cidade que produzia novidades políticas em termos de políticas públicas. Com Márcio Lacerda começa a dar uma guinada à direita, de forma que o próprio progressismo rompe ou é chutado para fora da prefeitura do Márcio Lacerda. Em especial durante seu segundo mandato.

A senhora participou desses embates ali, nos movimentos. 

Nesse momento, o PSOL surge aqui em Belo Horizonte a partir de um movimento que se chamava Fora Lacerda. Era um movimento cultural, político, carnavalesco. O carnaval de Belo Horizonte explode também nesse momento político. As ocupações urbanas. Eu venho da luta popular de moradia. Então, você começa a ter uma insurreição das periferias. Você começa a ter uma insurreição da cultura. Você começa a ter uma discussão de enfrentamento, cidade e empresa. Que é onde também o pessoal situa aqui o seu momento de enraizamento e crescimento da cidade. Muito na toada da luta ali contra o governo do Márcio Lacerda. E essa tendência de redução da participação popular e do enraizamento das periferias só cresceu, né? Então, o que que a gente tem acontecendo assim em Belo Horizonte? Você parou de ter políticas de urbanização de vilas e favelas. Com a ausência de recursos do governo federal, elas praticamente acabaram. Você parou de ter investimentos em centros culturais, atividades nas periferias. Não houve a construção de nenhuma moradia popular desde a primeira gestão do governo do Kalil. Então, você perde um enraizamento importante nas periferias.

É um enraizamento da esquerda, mas também do Estado. É isso que a senhora quer dizer? 

Uma presença do Estado fazendo diferença na vida das pessoas. Então, a minha leitura é que isso, combinado com a conjuntura nacional e com também os desacertos das negociações nacionais, fez com que em Belo Horizonte a gente começasse a ter uns fenômenos diferentões. Você começa a ter uma classe média que elegeu Marina Silva em primeiro turno, quando ela foi candidata à presidenta [em 2014]. Marina Silva só ganhou em Belo Horizonte em primeiro turno. Um fenômeno político. Então, você tem um desejo de construção de uma outra política diferente daquele campo de esquerda que entregou a cidade. E esse sentimento continuou. O PSOL, em grande medida, capitalizou esse pensamento também da cidade. E você teve uma tendência de ampliação de uma margem conservadora nas periferias.

Naquele vácuo…

A ausência de presença do Estado, de mobilização social, de mobilização popular mesmo. Quem construiu a mobilização popular nas periferias nesse período? Era principalmente nós. E contra tudo, contra todos, levando gás de pimenta e bala de borracha.

E daí a chegada do PSOL à Câmara, dessas candidaturas coletivas. 

Exato!

Mas que foi já uma reação a esse enfraquecimento. 

Sim, foi uma reação a esse enfraquecimento do campo progressista. Então, assim, não é que Belo Horizonte seja uma cidade conservadora. É que o jogo de forças em Belo Horizonte fez com que se abrisse um vácuo nacional, inclusive, para o fortalecimento da extrema direita, que investiu muito em Belo Horizonte. Minas Gerais é estratégico, Belo Horizonte é estratégico. Mas combinado também por um desacerto do campo progressista, que não conseguiu encontrar um caminho de coerência, de mobilização, de construção de esperança unificada há um bom tempo.

E isso calhou de coincidir com a crise do governo Pimentel no Estado.

Eu, nessa época, era uma militante de movimento popular que sofri talvez a mais dura repressão da nossa história, que foi a ordem que o Pimentel deu para a polícia nos massacrar na MG-10. A gente teve 100 companheiros feridos, mais de 50 presos.

Era uma ocupação? 

É. Uma ocupação urbana. Que é a Izidora, que é uma regional de Belo Horizonte. Uma verdadeira regional de Belo Horizonte, que o Pimentel mandou a tropa de choque destruir. Talvez tenha sido uma das repressões mais fortes que eu já vi.

É esse histórico que dificulta agora a união da esquerda em Belo Horizonte para a prefeitura? 

Acho que sim. Esse histórico dificulta bastante.

Aparentemente, o PT se uniu nesse momento em torno da candidatura do deputado Rogério Corrêa. E também a federação. Enquanto isso, a federação do PSOL-Rede está rachada. É possível viabilizar a sua candidatura? 

A minha candidatura está consolidada.

No PSOL ou na federação? 

No PSOL e na federação. Os movimentos que são feitos, são de uma minoria. É como se o PCdoB ou o PV quisessem reivindicar a cabeça de chapa da federação [do PT]. Numericamente eles não podem. É a mesma coisa com a Rede. O PSOL e a Rede em Belo Horizonte nunca foram exatamente do mesmo campo político. A federação nacional se expressa a partir de uma necessidade de ambos, mas em especial de sobrevivência da Rede nacional. E que coincidiu na circunstância de que onde existia um não existia o outro tão fortalecido nos estados. Isso gerou uma relação equilibrada. A única diferença disso é em Minas Gerais, onde você tem a Rede e o PSOL enquanto forças expressivas. Nas duas últimas eleições  municipais, o PSOL foi o partido de esquerda que mais teve votos. Portanto, pelas regras da federação, o PSOL tem o direito de indicar a cabeça de chapa. Isso não está em discussão.

Existe quase um consenso de que a divisão da esquerda é muito maior que a divisão da direita e isso pode levar a esquerda a ficar fora do segundo turno em Belo Horizonte. A senhora considera isso um risco? E vale a pena a afirmação das candidaturas isoladas da esquerda sob o risco de não haver alguém da esquerda no segundo turno? 

Não, não vale. Eu estou trabalhando para que a gente consiga unificar.

Em torno da senhora? Assim como o Rogério Corrêa está trabalhando para unificar em torno dele? 

Não necessariamente. A gente precisa ter a grandeza de compreender que a defesa da cidade é prioritária. Qual é a grande questão sobre o Rogério Corrêa? Embora ele tenha a unificação aparente da federação dele, existe dúvida sobre o apoio do Lula. Inclusive porque a última vinda do Lula a Belo Horizonte deu sinais trocados muito estranhos para o PSD. O PT tem uma relação prioritária com o PSD aqui, e o prefeito Fuad apoiou o Lula nas últimas eleições. Então existe uma divisão ou dúvida sobre se de fato a candidatura do Rogério se sustentará ou se de fato será apoiada com firmeza pelo presidente. Eu acredito que o Lula é um dos atores políticos centrais na unificação da esquerda em Belo Horizonte, mas nós estamos fazendo movimentações amplas. Óbvio que eu considero que a nossa candidatura poderia aglutinar todo o campo de esquerda, por ter uma força do PSOL, que ganhou espaço em Belo Horizonte nos últimos anos. A síntese da novidade política também, de ter uma mulher pela primeira vez prefeita da cidade. Além disso, eu acho que tem um enraizamento muito popular nas periferias e uma capacidade de diálogo com o conjunto da esquerda. Não são todos os atores da esquerda que conseguem conversar entre si. Além de baixa rejeição. A eleição está muito indefinida, mas os cenários precisam ir se definindo. E havendo a possibilidade de sintetizar uma candidatura que unifique a esquerda, nós vamos trabalhar por isso. Acho que é importante.

Para fora da esquerda e pensando na eleição como um todo: qual é o seu principal argumento para votarem na senhora para prefeita?

Acho que o primeiro motivo é que eu tenho uma trajetória de luta e um conhecimento da cidade de Belo Horizonte, dos principais problemas que são apontados pela população, diferente das outras candidaturas. Quando eu falo que a gente precisa construir uma gestão municipal que de fato retome uma política para vilas e favelas, para as periferias, retome a construção de moradia popular e resolva o tema do transporte, não é uma coisa que eu estou construindo agora para as eleições. Eu tenho mais de uma década, mais de 15 anos desde que eu entrei na construção de política de atuação nessas pautas. A segunda questão: Belo Horizonte é uma cidade eminentemente feminina, que nunca teve uma mulher prefeita. Agora, o que Belo Horizonte mostra através do seu voto progressista é que existe um desejo de eleição de mulheres. Todos os eleitos pelo voto progressista nas últimas eleições municipais para a Câmara de Belo Horizonte foram mulheres. O terceiro elemento é a capacidade de dialogar com o conjunto das forças progressistas e democráticas, e aí eu não coloco só a de esquerda, eu coloco a cidade como um todo, para construir uma sintonia e uma capacidade de gestão de Belo Horizonte.

Esses três elementos são atributos da senhora, conhecimento, articulação. E quais as suas propostas? 

Eu acho que a minha trajetória diz um pouco sobre o meu programa para a cidade. Primeira coisa: o principal problema de Belo Horizonte hoje é o transporte. Esse é o grande gargalo que afeta sobretudo as mulheres, mas a cidade como um todo. A gente vive hoje um dos piores trânsitos do Brasil. Uma das situações mais graves em relação à crise do transporte e à máfia do transporte. Já está mais do que colocado que a gente precisa construir uma alternativa que passe pelo cancelamento do atual contrato, que já foi considerado, inclusive, ilícito por todos os órgãos

A senhora fez parte da CPI do transporte público, não é?

Fiz parte da CPI e continuo acompanhando. Recentemente, eu fiz uma representação pelo cancelamento do contrato, porque a gente já tem todos os órgãos, Câmara, Prefeitura, Ministério Público, Tribunal de Contas, todos eles já concluíram que o contrato é nulo. Só que nenhuma gestão apresentou ainda uma proposta de cancelamento desse contrato. Votando em mim, nós vamos cancelar o contrato com as atuais empresas de ônibus e reconstruir o sistema de transporte em Belo Horizonte para uma nova licitação que possa incorporar algumas etapas do processo enquanto público, como a bilhetagem, para que a gente tenha um controle de caixa e consiga produzir um sistema que caminhe no sentido da tarifa zero em Belo Horizonte.

A segunda coisa, eu quero fazer uma mudança no investimento público na cidade de Belo Horizonte. Hoje nós temos só 1% do orçamento público destinado para a urbanização, melhoria e qualificação de vilas e favelas. Eu quero zerar o déficit habitacional com os espaços vazios que a gente tem. Eu sei que isso não é uma coisa que a gente vai fazer em uma gestão, mas a gente vai iniciar e reduzir drasticamente o déficit habitacional para, talvez, numa reeleição, conseguir de fato zerar o déficit habitacional, mas nós já fizemos o desenho para zerar o déficit habitacional e retomar um programa de qualificação e produção de obras de qualidade nas vilas e favelas de Belo Horizonte. A nossa proposta é fazer uma inversão drástica das prioridades públicas. Vamos colocar a periferia no centro da cidade.

Outra coisa, nós vamos construir uma gestão muito focada nas mulheres, nos adolescentes e na infância. E também nos idosos, a partir da retomada de uma política pública que a gente considera de qualidade. Colocar o cuidado no centro e socializar o cuidado enquanto política pública é fundamental para que a gente consiga desenvolver a economia do país, do nosso Estado. Porque hoje a gente tem uma parcela grande da população, que é a parcela das mulheres, que está sobrecarregada em duplas e triplas jornadas de trabalho e que poderiam estar movimentando muitos setores da economia, inclusive os de cuidado. Quando a gente faz ações como o creche em tempo integral, retomada das escolas, do período integral nas escolas municipais com valorização dos professores, quando a gente retoma o protagonismo e a construção dos centros culturais —eu sou autora da lei Cultura Viva, em Belo Horizonte, junto com a Cida Falabella. A gente quer destinar pelo menos 1% do orçamento para a cultura em Belo Horizonte e garantir que a cultura periférica seja valorizada. Creche em tempo integral.

Sobre a Secretaria de Assistência Social: hoje eu tenho feito uma luta muito grande aqui na Assembleia Legislativa pelo orçamento. Eu acho que o orçamento da assistência precisa garantir com qualidade o envelhecimento das pessoas. Hoje as ILPIs, as instituições de longa permanência de idosos, estão abandonadas. A situação da população em situação de rua na cidade é catastrófica. A gente tem mais de 10 mil pessoas em situação de rua e apenas mil vagas nos abrigos municipais. Então, são algumas das políticas que a gente tem certeza que, se nos elegermos, a gente vai produzi-las, porque elas são um compromisso de vida nosso.

E por fim, a questão ambiental. Belo Horizonte é uma das cidades que mais aqueceram nos últimos anos no Brasil. Esse aquecimento tem a ver com a construção de uma cidade que está cercada pela mineração e com risco imediato de desabastecimento hídrico em função das barragens de rejeito que estão situadas na região metropolitana. Desde que eu virei vereadora, nós temos um programa amplo de defesa das áreas hídricas de Belo Horizonte, de construção de uma política para o enfrentamento às nascentes que passe não tanto…

É uma cidade sem rios, todos canalizados. 

É! É isso. Que passe pelo cuidado com as nossas águas, cuidar das nossas regiões, cuidar das nossas nascentes, a recuperação de áreas de vegetação. Então, não só não desmatar mais Belo Horizonte, mas permitir novas áreas de mata em Belo Horizonte, ampliar as estratégias de drenagem, ao invés de investir só em obras megalomaníacas de construção de bacias de contenção. Que algumas são importantes, são inevitáveis, são emergenciais, mas a longo prazo o que a gente precisa é construir uma Belo Horizonte sustentável. Serra do Curral: faltou à prefeitura coragem para, de fato, pegar aquelas áreas e transformar aquele lugar em um parque preservado. Faltou o protagonismo da prefeitura de Belo Horizonte de fazer uma discussão com o governo do estado sobre a nossa segurança hídrica. Para você ter ideia, a gente já perdeu dois rios em Minas Gerais. O Rio das Velhas está secando e se qualquer uma das 50 barragens de rejeito, a montante, que existem ali, se romper, 5 milhões de pessoas da Região Metropolitana ficam imediatamente sem água. Belo Horizonte tem que ter protagonismo no debate sobre meio ambiente, clima e segurança hídrica. São alguns dos motivos para votar na gente. Tem outras propostas de trabalho informal, recuperação de recursos.

A senhora falou sobre creche, cuidado. Especificamente para a educação municipal, quais suas propostas? 

As escolas são o equipamento público mais próximo da infância, da adolescência e das famílias. A escola precisa ser um equipamento aberto para toda a população, ela tem que cuidar da população. Então, não faz sentido a escola funcionar por turnos reduzidos. A gente precisa retomar o contraturno escolar, a gente tem que retomar as oficinas de cultura, de artes, as oficinas de capacitação e qualificação profissional nas escolas, como medida também de desenvolver outros atributos das crianças e dos adolescentes. A escola já era um espaço muito maçante para as crianças e adolescentes, em especial aquelas que têm algum tipo de dificuldade de frequentar as escolas. A evasão escolar tem muito a ver com a pobreza, evasão escolar tem a ver com a atipicidade, crianças com deficiência, crianças com autismo. Se a gente não estrutura as escolas para construir um contraturno, ampliar o número de profissionais, diminuir o número de crianças por sala de aula, ampliar o número de profissionais inclusive que vão atender as crianças com deficiência, as crianças autistas, a gente não vai resolver o problema da evasão. A escola precisa ser atrativa e precisa estar inserida na cidade, para isso as professoras têm que ser valorizadas. E vamos fortalecer a dimensão da ciência e tecnologia, não só nas escolas, mas interligando polos de ciência e tecnologia que existem em Belo Horizonte, como a UFMG. A gente tem uma das maiores universidades da América Latina em Belo Horizonte. A gestão municipal não apenas não dialoga, não constrói pontes com a UFMG para pensar como a UFMG pode fortalecer a cidade de Belo Horizonte no desenvolvimento de ciência e tecnologia, para a gente se transformar em um polo tecnológico, como ela desrespeita a UFMG, atropelando a UFMG para a construção do Stock Car. Mais grave do que a retirada das árvores, que foi bastante grave, é o tratamento que está sendo dispensado a UFMG. Não acesso só de estudantes, mas a integração entre os programas da UFMG e as políticas públicas de Belo Horizonte. A UFMG pode nos ajudar a construir políticas de meio ambiente, pode nos ajudar a desenvolver programas de extensão. Pode nos ajudar a converter Belo Horizonte num polo de ciência e tecnologia. E nisso aí eu coloco: Belo Horizonte tem um tempo que não tem uma vocação econômica muito estabelecida e a cidade está decrescendo. Belo Horizonte está decrescendo. A economia de Belo Horizonte hoje é baseada em serviços. A gente tem um resíduo de alguma coisa atrelada à mineração, não dentro de Belo Horizonte, mas próximo. E mostra muito pouca produção aqui na cidade. Eu aposto que a vocação de Belo Horizonte é a ciência e a tecnologia. É o desenvolvimento de uma economia mais criativa. É a tecnologia. A tecnologia criativa inclusive no campo da cultura. Que possa gerar empregos e vendas e produzir coisas para além da economia de serviços para o Brasil. E eu acho que nós temos uma grande potencialidade de desenvolver isso, em especial em parceria com a tecnologia.

Muitos atribuem o decrescimento populacional ao custo de moradia aqui. Um dos remédios foi o plano diretor. Como resolver esse problema?

O custo de morar em Belo Horizonte é alto, cada vez mais alto. Dizem que a produção das unidades habitacionais em Belo Horizonte é cara. Então esse é um argumento forte, eu acho, do setor econômico também para desmontar o plano diretor, para desconstruir o plano diretor. Mas eu vejo que a especulação imobiliária é a resposta central para o custo de morar em Belo Horizonte, o custo do aluguel em Belo Horizonte. A quantidade de imóveis vazios e abandonados sendo especulados em Belo Horizonte é muito grande. Nós não temos só um problema em relação à produção habitacional. Belo Horizonte já produziu muita moradia e pode produzir muito mais. Mas a gente tem muitos imóveis vazios, mais de 100 mil imóveis vazios na nossa cidade que precisam ter uma destinação. E essa destinação precisa ser uma aplicação de instrumentos do plano diretor que sempre são negligenciados. E eles são negligenciados também por pressão do setor de construção civil, que é um setor importante com quem a gente tem que dialogar, mas que tem uma leitura de construir mais e construir da forma como quiser. Desmatando as áreas, ampliando a sobrecarga sobre o sistema de transporte. E não é assim. Em Belo Horizonte tem que ter planejamento urbano. A gente só vai enfrentar a alta do custo das residências em Belo Horizonte a partir disso. E a segunda coisa tem a ver com a economia.

Para encerrar: saúde.

Saúde de Belo Horizonte ainda tem um aspecto muito grave que é a ausência de profissionais. E isso é uma coisa que eu acho que é muito importante. A gente até teve durante o governo Kalil a construção de novas UPAs, novos centros de saúde que melhoravam as estruturas de atenção básica. Nós temos uma das melhores coberturas de agentes comunitários de saúde do Brasil. Nós temos um conselho e uma participação popular robusta. Então a saúde de Belo Horizonte hoje é uma coisa que é muito importante. E a gente precisa de mais investimentos profissionais.

A senhora falou em mais investimento em saúde, mais contratação, tempo integral. Falou sobre como se investe pouco na periferia. São todas questões de caixa, que batem no orçamento. O orçamento de Belo Horizonte é suficiente para isso? Ou prevê melhor gestão, imposto progressivo?

O caixa de Belo Horizonte é uma caixa elevadíssimo. A gente tem uma das melhores condições de arrecadação do Brasil. Caixa que nos permite construir políticas públicas muito robustas. Eu acho que o que precisa haver é uma mudança na estratégia e nas prioridades. O foco das prioridades é em casa. Então, quando a gente fala da relação entre centro e periferia, quando a gente fala do desperdício do recurso público, o exemplo mais concreto que eu tenho é o transporte. Como pode um contrato cheio de ilegalidades, como o contrato do transporte, gerar, desde a pandemia para cá, quase um bilhão de reais de subsídio? Sendo que Belo Horizonte tem questões tão estruturais para serem resolvidas.

A prefeitura justifica dizendo que esses subsídios garantiram a sustentabilidade do sistema e permitiram a entrada no último ano de 660 ônibus.

Exato, garantiu o lucro das empresas. Só que é o lucro das empresas de um contrato que ela própria já reconheceu que é um contrato viciado, é um contrato ilícito. Não só ela, como o Ministério Público, como todo mundo. A grande verdade é que a prefeitura tem relações políticas muito enraizadas com as empresas de transporte. Quem fez o contrato, por exemplo, do transporte metropolitano, com as mesmas empresas, foi o Fuad Noman, quando ele era secretário do Aécio Neves. E não querem modificar ou mexer no sistema de transporte em Belo Horizonte. A verdade é essa. O Tribunal de Contas já deu, inclusive, um passo a passo de como a gente pode construir uma transição entre o atual contrato e a abertura de um novo processo licitatório, com divisão das etapas, com menor tempo, com maior controle social. A prefeitura não quer fazer isso. Fica derramando milhões e milhões de reais no sistema de transporte. Milhões de reais que poderiam ser investidos, por exemplo, em vilas e favelas.

Talvez o que tenha me surpreendido nesta entrevista foi uma quebra de expectativa. Bruno Engler não demorou a falar em Bolsonaro. Fuad não demorou a falar em gestão. A pauta óbvia de cada um. A senhora tem se mostrado distante da imagem que passa no seu site, longe das pautas identitárias. Isso é uma estratégia? A senhora acha que essa imagem que a senhora está projetando ou que estão projetando da senhora não condiz com a sua atuação política específica?

Não condiz. Eu sou mulher ocupando a política e eu sou LGBT. Eu tenho que me defender o tempo inteiro por ser mulher e ser LGBT. Inclusive de ameaças e outras situações que tentam nos impor. O campo identitário é onde eles querem nos jogar. Agora, se você vai observar a minha trajetória política, eu sempre atuei por meio ambiente, por moradia, por investimento em vilas e favelas. Pega a minha trajetória, pega a minha história de luta. Enquanto vereadora, eu fui a propositora da renda emergencial do Auxílio Belo Horizonte, construí um grupo de trabalho sobre moradia e um grupo de trabalho sobre segurança alimentar e enfrentamento à fome. Participei da CPI do transporte e da CPI do grupo especial sobre a Covid, enfrentando o negacionismo. Hoje, como parlamentar estadual, estou fazendo o debate qualificado sobre o regime de recuperação fiscal e a questão da garantia da não privatização das nossas estatais e o debate sobre o fundo de erradicação da miséria. Pega a minha atuação. É uma atuação que fala sobre questões que são de todo mundo. O fato de eu ser mulher vai me permitir um olhar para uma cidade que é majoritariamente feminina. O fato de eu ser LGBT vai me tornar mais empática para enfrentar situações que aniquilam as pessoas também em Belo Horizonte, como a LGBTfobia, o racismo e outras formas de violência. Agora, elas não são o que me definem. Elas abrem a minha visão de mundo para olhar para a sociedade como um todo.

Falando com outros candidatos, eles caracterizam a senhora como alguém presa a essa identidade e que, por isso, tem um teto. 

Quem foi? O Gabriel [Azevedo, presidente da Câmara]? Ele é muito arrogante. O mestre da arrogância. Então, o Gabriel está muito enganado. Não vai se eleger.

Eu não disse que foi o Gabriel…

Com certeza foi. Olha: mais do que isso, eu estou preocupada com Belo Horizonte. Eu acho que uma característica comum que você vai ver em todas as pré-candidaturas é que elas afirmam assim: sou eu e eu não abro mão. A minha preocupação é que a gente consiga construir uma frente democrática em Belo Horizonte para vencer a extrema direita e para não permitir que Belo Horizonte saia de uma política do menos pior, porque foi isso que Kalil foi, é isso que o Fuad hoje é. É o menos pior.

Então, a sua frente progressista é uma frente progressista sem o Fuad?

Olha, eu vou ser bem sincera. No primeiro turno, pelo menos, sim. Mas no segundo turno, dependendo com quem o Fuad está, nós estaremos com ele. Porque eu acho que… Quando eu falo assim da política… Quando eu fiz meu lançamento, eu falei, ‘olha, a minha candidatura é uma candidatura contra a política do menos pior’. Qual é a política do menos pior? Foi aquela que tirou Belo Horizonte de uma cidade progressista de gestões democráticas populares e começou a entregar para o Márcio Lacerda, depois para o Fuad. A reeleição do Kalil foi muito evidente. As pessoas tinham mil críticas a ele. Mas ele era o homem que tinha conseguido enfrentar o negacionismo, preservar milhares de vidas em Belo Horizonte em função da Covid. E tinha como oposição o Bruno Engler naquele momento. Então, o voto da esquerda, que poderia ter levado a Áurea Carolina para o segundo turno, porque ela era um encanto de pessoa, falou assim: olha, situação complicada, Bolsonaro está no poder, vamos votar no Kalil porque é menos pior, a gente resolve no primeiro turno e não corre risco. Essa é a política do menos pior. Eu lanço minha candidatura para a gente conseguir construir uma alternativa em Belo Horizonte que não seja alternativa do menos pior. Então, se o Fuad vai para o segundo turno contra um candidato da extrema direita, eu votarei pelo menos pior. Mas no primeiro turno não é esse o momento. Mas isso não vai resolver o problema de Belo Horizonte. E no primeiro turno eu tenho feito esforços. E aí tem muitas pessoas que fazem esforços de boca. O primeiro debate sobre unidade da esquerda foi o PSOL que puxou. Eu já estive em Brasília conversando com o Gleisi [Hoffman, presidente do PT], já estive em Brasília conversando com o [presidente do PDT] Carlos Lupi, com a Duda [Salabert, pré-candidata do PDT]. A gente tem feito muitos movimentos para tentar construir um consenso entre nós que nos permita estar em um segundo turno.

Eu espero que a gente consiga atingir esse objetivo. Agora, obviamente, que isso passa por uma leitura sobre a cidade e sobre também qual é a condição melhor que a gente tem para não só estar no segundo turno, mas para vencer no segundo turno. Eu acho que isso depende de a gente conseguir resgatar uma memória progressista em Belo Horizonte, uma discussão sobre programas de que, de fato, Belo Horizonte precisa. Uma luta contra o rebaixamento do debate político. Quem aposta que nós vamos ficar brigando com o Bruno Engler sobre linguagem neutra e uso de banheiro saiba que está absolutamente equivocado. Isso é um rebaixamento do debate político. Nós queremos discutir transporte, nós queremos discutir segurança alimentar, nós queremos resolver a questão da população em situação de rua, nós precisamos resolver a urbanização de ocupações que têm 15 anos, como Novo Lajedo, e não têm um asfalto, não têm uma rede elétrica, não têm água. Tem comunidades em Belo Horizonte que, no meio da onda de calor, ficaram quase um mês sem água. Uma cidade rica como Belo Horizonte, com o caixa que ela tem, não priorizar a garantia de abastecimento de água. Belo Horizonte é a principal cliente da Copasa. A gente tem condição de falar para ela: vai instalar sim, se não buscamos outra concessionária. Falta vontade política.

Na primeira resposta, a senhora fez um histórico muito interessante da esquerda em BH. Agora, fala sobre como agregar as pautas progressistas em uma disputa eleitoral. Como a senhora vê esse quadro geral em que parte da esquerda é criticada por estar presa em pautas sindicais do passado e outra parte, de vanguarda, presa em pautas identitárias vistas como divisivas na sociedade? Como resolver essa quadratura do círculo?

Quem hoje está preso na pauta identitária é a extrema direita. Quando você tem o Nikolas assumindo a comissão de educação e falando que a principal pauta dele é combater a linguagem neutra, de quem é a pauta identitária? O fato da gente aceitar a diversidade, querer que a diversidade se expresse na política, tenha lugar na política, eu acho que tem muito a ver com também a nossa chapa de vereadores e vereadoras. Nós temos uma maioria de mulheres, pessoas negras, muitas pessoas LGBTs, que se veem excluídas de outros partidos políticos, mas veem no PSOL uma condição de disputar as eleições para transformar o parlamento num espaço mais diverso. Agora, isso não significa que a gente seja um partido identitário. Guilherme Boulos, obviamente, eleito prefeito de São Paulo, que a gente espera que seja eleito, vai construir políticas para pessoas LGBTs, sem dúvida vai fazer uma diferença enorme, junto com a Erika Hilton lá, também deputada federal, para garantir dignidade e direito para essas pessoas, mas a gente não pode perder a dimensão de que a população é muito mais diversa e que a gente precisa construir uma política para todo mundo. Quando a gente quer uma cidade mais segura para as mulheres, uma cidade mais segura para mulheres é uma cidade mais segura para todas as pessoas. Porque se ela é mais segura para as mulheres, ela vai ser mais segura para as crianças, para os idosos, inclusive para as pessoas LGBTs. Entende? Então, eu acho que tentar desmascarar essa tentativa de nos jogar num espaço de isolamento político, que eles consideram identitarismo, é um dos maiores desafios das nossas trajetórias políticas.

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