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O Departamento de Justiça dos Estados Unidos está processando a Apple por violação à lei antitruste norte-americana[1]. Mais especificamente, concluiu o departamento – ou DOJ, em sua sigla em inglês –, após anos de investigações, que a empresa se vale do ecossistema operacional ocluso do iPhone para construir um monopólio.
Segundo o DOJ, para manter a dominância, a tática da Apple inclui, de um lado, desencorajar os desenvolvedores a criarem aplicativos e soluções inovadoras que aumentem a independência dos consumidores, e, de outro, dificultar esses consumidores a migrarem para outros smartphones. O processo civil, portanto, acusa a Apple de um monopólio operacional sobre os usuários dos seus smartphones, que se mantém pela imposição de restrições contratuais e de acesso crítico aos desenvolvedores de super apps.
Assim, uma eventual derrota da empresa representaria o fim do domínio da App Store, já que provavelmente seria obrigada a liberar o sideloading, isto é, a possibilidade de aplicativos serem instalados a partir de lojas de aplicativos de terceiros, não vinculados à Apple e, consequentemente, não sujeitos ao pagamento de comissões e às limitações de desenvolvimento impostas pela empresa.
Essa, contudo, não é a primeira batalha judicial desse porte. A Apple já foi alvo de investigações e ordens antitruste na Europa, que justamente questionam o modelo de negócios da App Store. O desfecho, a nova Lei de Mercados Digitais, que entrou em vigor no mês de março, impôs à Apple a demonstração de soluções para o problema até abril de 2025.
Mais recentemente, neste mês de abril, e como consequência dessa tentativa gradativa de abertura do ecossistema da empresa, não por deliberada vontade, mas sim por imposição legal, um novo marketplace de aplicativos para iOS foi disponibilizado para os usuários do continente europeu.
Em resumo, as práticas anticompetitivas da Apple têm sido objeto de debate e investigação. Devido a essas preocupações, o fato é que a empresa tem enfrentado escrutínio regulatório em várias jurisdições. Mas e o Brasil? Pela experiência internacional, é inevitável fazer esse tipo de questionamento.
Em mais de uma década de vigência da lei antrituste brasileira, “que reestruturou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e instituiu a análise prévia de atos de concentração no Brasil”[2], é natural que as autoridades brasileiras muitas vezes considerem a jurisprudência internacional ao avaliar casos de práticas anticompetitivas, especialmente porque essas grandes companhias, as chamadas big techs, tem abrangência (e influência) mundial.
Entre nós, os precedentes que se formam lá fora criam uma espécie de orientação sobre como o Cade poderá abordar questões semelhantes aqui no Brasil. Por exemplo, se o processo civil iniciado pelo Departamento de Justiça dos EUA se materializar, isto é, se ações concretas forem tomadas a partir daquela investigação, somado ao fato de que já é realidade, pela Comissão Europeia, a Lei de Mercados Digitais, que impõe restrições ao domínio das big techs, de certo que essas investidas poderão aumentar a pressão sobre o Cade para investigar a Apple no Brasil.
Os reguladores brasileiros podem ajustar as políticas e regulamentações locais com base nas tendências internacionais e naquilo que é desenvolvido por outros países. Se houver uma tendência global para medidas mais rigorosas contra um comportamento anticompetitivo no setor de tecnologia, o Brasil poderá ser encorajado a adotar uma abordagem semelhante dentro de sua jurisdição.
Mais do que isso, o desfecho das investigações antitruste de outros países pode – e possivelmente deve – ecoar no mercado brasileiro. Se, por hipótese, a Apple for obrigada a fazer mudanças significativas em suas práticas competitivas em resposta a ações antitruste em outras jurisdições, como a facilitação de seu sistema operacional, a abertura da App Store e o aumento da autonomia dos desenvolvedores, isso também poderá afetar a forma com a empresa opera e interage com os consumidores do Brasil.
Concretamente falando, a problemática que poderá surgir e motivar os agentes nacionais a adotarem alguma conduta é aquela que repercute diretamente no bolso de seus regulados. Afinal, se desenvolvedores de aplicativos brasileiros enfrentarem obstáculos para competir de forma justa no mercado de aplicativos internacional por estarem vinculados a regras restritivas da App Store local, se consumidores brasileiros forem afetados com a limitação de acesso a uma maior variedade de aplicativos, ou, pior, se forem compelidos a pagar preços mais elevados pela mesma aplicação, o Cade deverá ser acionado.
Enfim, em meio a essas questões complexas, todas as indagações realmente não passam disso: meras expectativas de condutas que os reguladores nacionais, observando a experiência internacional, podem tomar, nem mais, nem menos.
Seja como for, independentemente daquilo que ocorre na Europa ou na América do Norte, as autoridades brasileiras devem abordar a dominância das big techs, que é uma realidade, de maneira eficaz e equilibrada, garantindo que a concorrência seja preservada e que as inovações tecnológicas ajam em benefício dos regulados.
[1] https://www.justice.gov/opa/pr/justice-department-sues-apple-monopolizing-smartphone-markets.
[2] https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/em-uma-decada-de-vigencia-da-lei-antitruste-cade-julgou-4-7-mil-atos-de-concentracao-com-prazo-medio-de-analise-de-29-dias.