No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Bolsonaristas usam tragédia no Rio Grande do Sul para corroer a democracia

Spread the love

O estado do Rio Grande do Sul vive uma das maiores tragédia de sua história. A quantidade de chuvas que atingem os municípios gaúchos desde a semana passada colocou a região diante de dados críticos: no domingo, dia 12 de maio, contabilizam-se 143 óbitos, 125 desaparecidos, 806 feridos e mais de 537 mil desalojados. Até o momento, mais de 2 milhões de pessoas foram atingidas.

Os dados, no entanto, são insuficientes para medir o sofrimento de quem perdeu parentes, amigos e bens. O cenário é distópico: roubos, saques, abusos sexuais e outros crimes foram cometidos por pessoas que se aproveitam da calamidade. O enredo apresenta semelhanças com o romance Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, mas a dor desta vez é real.

Tragédias como esta carregam com ela uma ambiguidade política. Por um lado, é preciso unir esforços que ultrapassem espectros ideológicos, pois se a perda se manifesta no plano individual, não se faz menos presente no coletivo: é o Rio Grande do Sul e o Brasil todo quem perde.

O ideário iluminista, manifestado na tríade norteadora da Revolução Francesa —  “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” —, ainda funciona como guia de sociedades democráticas modernas. Se os significados de liberdade e igualdade são constantemente debatidos — e distorcidos — nas polêmicas cotidianas, o terceiro se faz notar em casos como as enchentes no Rio Grande do Sul. Existe um laço de fraternidade que nos conecta enquanto país e faz reconhecer o outro como parte do que somos.

Porém, toda ambiguidade se funda na polissemia, e tragédias como a do Rio Grande do Sul nos colocam diante de outro espectro da política: a disputa de interesses. Se em um universo ideal de possibilidades todos deveriam se unir, superando a polaridade que assola o país, verifica-se que, na vida real, interesses escusos vêm perturbando a ordem do dia, prejudicando os trabalhos de ajuda humanitária.

De um lado, observa-se um grande esforço conjunto entre governo e setores da oposição para a resolução dos problemas que o estado atravessa. Nesse sentido, o caso mais notável se dá na relação entre o presidente Lula (PT) e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). Ao que pese algumas farpas trocadas — o que faz parte do jogo político —, as soluções avançam.

Do outro lado, nota-se no campo bolsonarista a estratégia de abusar do sofrimento causado pela tragédia para produzir fake news. A abrangência e variação destas mentiras perpassam temas que vão desde um suposto atraso no repasse de recursos do governo federal ao Rio Grande do Sul à divulgação de um financiamento falso, por parte do primeiro, ao show da cantora Madonna no Rio de Janeiro — na verdade, financiado por instituições privadas, como a Heineken e o banco Itaú, além do governo fluminense e a prefeitura carioca.

Além disso, outras fake news versaram sobre mortes falsas de pessoas, o impedimento da entrada no estado de caminhões de doações e da falta de apoio das Forças Armadas no resgate e no apoio logístico das operações. Fazem parte da lista de divulgadores de fake news o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o empresário bolsonarista Leandro Ruschel, o coach Pablo Marçal, o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG). Além dos mencionados, parlamentares bolsonaristas usaram o plenário da Câmara para difundir desinformação sobre a situação no RS, como Filipe Martins (PL-TO), Coronel Assis (União-MT), Gilvan da Federal (PL-ES), entre outros.

Alguns se aproveitam da calamidade para saques e roubos, outros para mentir e com isso se beneficiar politicamente. Durante as eleições de 2018 e a pandemia de Covid-19 ficou claro que uma das principais estratégias – senão a principal – do campo bolsonarista é mentir. Também ficou evidente que esse uso da mentira não respeita nenhum limite moral. A dor e a perda, banalizados, se tornam instrumento de poder político.

É interessante lembrar que há poucos dias a pesquisa Genial Quaest mostrou que o pronto atendimento do governo federal ao Rio Grande do Sul fez sua popularidade subir na região. A resposta dos bolsonaristas é intensificar ataques via fake news, as quais se instalam no espaço da não política. Se a mentira sempre se fez presente na política, as fake news devem ser consideradas como algo novo, visto seu modo de produção laboratorial e sua difusão atrelada às redes sociais. Diferentemente da disseminação de notícias falsas no passado, as fake news não têm a finalidade de levar determinados candidatos à vitória no sistema político, mas, em última instância, a destruição do sistema político liberal-democrático.

É exatamente o que simpatizantes da extrema direita têm feito. A difusão de fake news é parte principal em uma operação corrosiva e continuada de destruição do sistema político-eleitoral brasileiro. A ideia do bolsonarismo como um tipo de fascismo segue aberta e é tema de um debate conceitual amplo. De qualquer forma, semelhanças entre eles são notórias. Hitler e Mussolini nunca usaram de tanques para chegar ao poder: se infiltraram no sistema democrático e o corromperam por dentro. Usaram e abusaram de mentiras.

Freud, ainda na década de 1920, em seu clássico Psicologia de massas e análise do eu, chamava a atenção para as relações estabelecidas pela liderança carismática: de um lado, a verticalidade entre o líder e seus seguidores; de outro, a horizontalidade entre os últimos. Em governos fascistas, aqueles que são parte do movimento autoritário estabelecem uma lógica na qual se colocam como únicos merecedores de direitos, enquanto os que estão fora deste movimento se tornam possíveis inimigos. Os direitos individuais se submetem à totalidade fascista. Não há espaço para a liberdade: uns se tornam mais iguais que os outros, e a fraternidade se quebra no interior da nação.

O bolsonarismo é a negação do Iluminismo que deu origem à política institucional contemporânea. Caso contrário, os apoiadores da extrema direita brasileira estariam empenhados em angariar recursos para reconstruir uma das regiões onde têm mais apoiadores, mesmo que para isso tivessem que negociar com o governo federal. Mas, no modus operandi obscurantista, não existe espaço para a fraternidade. No lugar do respeito à dor do seu semelhante, existe o escárnio de se aproveitar do sofrimento para alcançar o poder.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *