No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Brasil vs. Itália: um desfecho definitivo para o antigo TAV

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No último dia 14 de março, diversos meios de comunicação publicaram Empresa italiana perde processo contra governo brasileiro sobre construção do ‘trem-bala” (incluindo o Estadão, a quem referencio a reportagem).

Mas, afinal, o que aconteceu? Que processo era esse que uma empresa italiana movia contra o próprio governo brasileiro e, ainda, que teria como objeto a construção do trem-bala?

Essa foi apenas uma das surpresas que tive, em 2019, quando assumi a Procuradoria Jurídica da então Valec, hoje Infra S.A. O que havia ocorrido e por que a estatal era relacionada no polo passivo dessa demanda?

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Em linhas gerais, em 24 de junho de 2004, foi publicada a Portaria 360 pelo Ministério dos Transportes, instituindo Grupo de Trabalho para “avaliar o andamento dos estudos do projeto da ligação ferroviária por trem de alta velocidade – TAV”. Esse grupo era constituído por diversos órgãos da pasta, além do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e da própria Valec.

Em 13 de abril de 2005, ao concluir os seus trabalhos, o GT recomendou ao Ministério dos Transportes “implementar as medidas institucionais necessárias à implantação de uma ligação ferroviária para transporte de passageiros por trem de alta velocidade entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, considerando como referência a modelagem técnica e financeira concebida no Projeto TAV Italplan, para efeito de licitação pública da concessão”. O relatório foi homologado por Portaria do ministério em 1º de junho de 2005.

Em suma, foi publicado um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), via chamamento público, feito com base na Lei de Concessões, instrumentalizado por uma portaria, para que os interessados fizessem estudos sobre o trem de alta velocidade (TAV) e mandassem para avaliação, de modo que se a licitação para o TAV fosse para frente, esse estudo seria remunerado pelo licitante vencedor.

Nos termos da Lei 8.987/1995: “Art. 21. Os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação, realizados pelo poder concedente ou com a sua autorização, estarão à disposição dos interessados, devendo o vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no edital”.

Portanto, como o rito preconiza, apenas em caso de uma licitação exitosa, tendo como objeto o projeto do trem de alta velocidade, seria realizado o ressarcimento do responsável pelos estudos. Como a licitação do trem de alta velocidade não prosperou, a empresa italiana não foi remunerada e, em 2009, iniciou as cobranças em face da Valec, requerendo o pagamento dos estudos realizados.

A empresa italiana propôs o decreto injuntivo, espécie de monitória no direito brasileiro, com envio da citação para o Brasil, por meio de carta rogatória, então a Procuradoria da Valec e a AGU responderam, alegando vários fundamentos, inclusive que, pelo direito italiano, não poderia haver carta rogatória em processo que envolve réu no estrangeiro e, também, o principal deles: a atuação brasileira estaria respaldada por uma questão de imunidade diplomática.

Ao analisar os fatos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, para julgar a carta rogatória, necessitaria de mais subsídios, por isso retornaram o feito, com manifestação de que não poderiam prosseguir com o julgamento enquanto não recebessem esses documentos. Mas, receberam, em resposta, que pelo tratado de cooperação jurídica entre o Brasil e a Itália, a análise da carta rogatória não dependeria de qualquer análise de mérito, razão pela qual não mandariam o respectivo contrato.

Com isso, o STJ decidiu por não conhecer da carta rogatória, ocasionando a não citação da Valec e o trânsito em julgado do primeiro, de muitos outros processos que sobrevieram, na Itália. Ato contínuo, eles tentaram executar essa decisão no Brasil e o STJ negou a execução alegando a imunidade internacional.

O presidente do STJ, ministro Felix Fischer, rejeitou o cumprimento de execução provisória contra a União (Carta Rogatória 6.270 IT 2011/0283951-2): “Ante tudo o quanto exposto, e com fulcro no art. 6º da Resolução 9/2005 desta e. Corte, denego o exequatur por ofensa à ordem pública e à soberania nacional”.

Em seguida, os representantes da empresa italiana tentaram executar a decisão na Itália, oportunidade em que o Brasil, por meio do escritório contratado na Itália, acompanhados pela brilhante atuação da Advocacia-Geral da União (especialmente da Procuradoria Nacional da União de Assuntos Internacionais), interpôs recurso no que seria na Corte de Cassação.

Em suma, havia um conflito: o Brasil alegando ser competente e a Itália, por sua vez, compreendendo que só ela seria competente. Por isso, esse imbróglio demorou tanto tempo para ter seu desfecho definitivo.

Conforme a reportagem do Estadão noticiou, “a última instância da Justiça italiana, a chamada Corte de Cassação, reconheceu, ainda em 2023, que a ação violava as prerrogativas do Estado brasileiro. Assim, a União, que havia perdido o processo na primeira e segunda instância, Tribunal de Montevarchi e Corte de Apelação de Florença respectivamente, conseguiu demonstrar que a ação da empresa italiana não se baseava na legislação brasileira e por isso o débito era inexistente”.

O êxito no processo, depois de uma grande reviravolta na Justiça italiana, não é uma surpresa porque o mérito da questão sempre foi claramente desenhado pelas atuações jurídicas brasileiras, seja na Procuradoria Jurídica da então Valec, respaldada pela consultoria jurídica do Ministério dos Transportes, seja pela brilhante atuação direta da AGU, por meio do PNAI, todos chancelados pelo Superior Tribunal de Justiça. Mas, sem dúvidas, traz um alívio e um desfecho digno de ser comemorado. Grande vitória para o Estado brasileiro!

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