No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Breve histórico sobre o foro por prerrogativa de função no Brasil

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Recentemente, voltou-se a discutir no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) o limite de incidência do foro por prerrogativa de função, por meio da análise de dois casos que foram submetidos à apreciação da corte[1].

Por foro por prerrogativa de função, entende-se como sendo uma prerrogativa prevista na Constituição Federal no sentido de que as pessoas que ocupam determinados cargos ou exercem funções específicas só poderão ser processadas perante tribunais previamente fixados. Busca-se por essa previsão constitucional assegurar que esses agentes públicos, em razão da relevância dos cargos ou das funções que exercem, possam exercer plenamente os encargos que assumiram.

Ao longo dos anos, o ordenamento nacional passou por diversos entendimentos sobre o limite existente relativo à matéria. Entre 1964 e 1999, vigorou a Súmula 394 do STF (aprovada em 3/4/1964), a qual estabelecia que “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”. Ou seja, mesmo o agente público não exercendo mais o cargo que gerou o foro diferenciado, levava-se em consideração o momento da prática delitiva para estabelecer a esfera jurisdicional competente. Desse modo, mesmo que o inquérito ou a ação penal se iniciasse após a cessação do exercício da função, prevalecia o foro diferenciado para o caso.

Em 1999, ocorre o cancelamento da Súmula 394 do STF e, por conseguinte, depois que cessasse o exercício da função, cessava também o foro por prerrogativa de função. Desse modo, o processo da “ex-autoridade” passa a ser da competência do juiz de primeiro grau[2].

Em 2002, mais uma vez a questão do foro por prerrogativa de função voltou a discussão. Por meio da Lei 10.628/2002, passou a constar expressamente no art. 84 e ss do Código de Processo Penal que a “ex-autoridade” manteria novamente a prerrogativa de foro, mesmo após cessar o exercício da função. Além disso, passou a existir a prerrogativa de foro em casos de improbidade administrativa.

Em 2005, o STF, no julgamento da ADI 2797, entendeu como inconstitucional a então previsão legal do art. 84 e ss do Código de Processo Penal. Por conseguinte, a ex-autoridade passou novamente a ser julgada pelo juízo de primeiro grau. Também foi declarado inconstitucional o foro especial em casos de improbidade administrativa[3]. Antes já se entendia que o foro não abarcava os casos de natureza cível[4].

Durante a vigência do narrado entendimento sobre o foro por prerrogativa de função, outras questões relacionadas foram decididas pelo STF, como o caso de renúncia do mandato. Neste caso, se a renúncia ocorresse após o fim da instrução processual, estava mantida a prerrogativa de foro. Se ocorresse antes, o caso deveria ser deslocado para o juiz de primeiro grau[5]. De maneira diversa foi o entendimento em caso de não reeleição, motivo para declínio do caso para a primeira instância[6].

A partir de 2005, portanto, prevaleceu o entendimento de que o foro por prerrogativa de função estava presente se a autoridade estivesse no exercício do cargo, independente de o ato criminoso ter sido praticado durante e/ou em razão do exercício do cargo/mandato.

Em 2018, o STF voltou a mudar de posicionamento, restringindo o foro aos fatos delitivos cometidos durante e em razão do cargo/mandato[7]. Esse entendimento passou a ser rediscutido recentemente no STF, estando, no momento, suspenso o julgamento, após pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso.

Já foram proferidos cinco votos favorável à mudança de entendimento fixado pela corte em 2018, passando a vigorar a posição de que o foro por prerrogativa de função será mantido mesmo após a autoridade cessar o exercício das funções. O ministro relator afirma que “a subsistência do foro especial, após a cessação das funções, também se justifica pelo enfoque da preservação da capacidade de decisão do titular das funções públicas”. Resta aguardar qual entendimento passará a vigorar quanto ao tema em questão, objeto de diversas mudanças ao longo dos anos.

[1] https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/03/29/gilmar-mendes-vota-para-ampliar-foro-privilegiado-no-stf.ghtml#1

[2] Nesse sentido “Ação Penal. Questão de ordem sobre a competência desta Corte para prosseguir no processamento dela. Cancelamento da súmula 394. – Depois de cessado o exercício da função, não deve manter-se o foro por prerrogativa de função, porque cessada a investidura a que essa prerrogativa é inerente, deve esta cessar por não tê-la estendido mais além a própria Constituição.
[AP 313 QO-QO, rel. min. Moreira Alves, P, j. 25-8-1999, DJ de 9-11-2001.]

[3] Posicionamento em questão foi reiterado em diversos julgados posteriores. Vide – fim do exercício da função: Interpelação Judicial – Interpelado que deixa de ostentar a condição que lhe concedia prerrogativa de foro “ratione muneris” – Hipótese de cessação da competência do Supremo Tribunal Federal para prosseguir no feito – Remessa dos autos ao Poder Judiciário do Estado do Ceará – (…).
[Pet 5.563 AgR, rel. min. Celso de Mello, 2ª T, j. 15-3-2016, DJE 101 de 18-5-2016.]

Vide improbidade administrativa – 1. A ação civil pública por ato de improbidade administrativa que tenha por réu parlamentar deve ser julgada em Primeira Instância. 2. Declaração de inconstitucionalidade do art. 84, §2º, do CPP no julgamento da ADI 2797.
[Pet 3.067 AgR, rel. min. Roberto Barroso, P, j. 19-11-2014, DJE 32 de 19-2-2015.]

[4] As medidas cautelares a que se refere o art. 867 do Código de Processo Civil (protesto, notificação ou interpelação), quando promovidas contra membros do Congresso Nacional, não se incluem na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, precisamente porque destituídas de caráter penal.[Pet 1.738 AgR, rel. min. Celso de Mello, P, j. 1-9-1999, DJ de 1º-10-1999.]

[5] 1. A jurisprudência dominante no STF é no sentido de que, cessado o mandato parlamentar por qualquer razão, não subsiste a competência do Tribunal para processar e julgar, originariamente, ação penal contra membro do Congresso Nacional. 2. A regra geral enunciada acima foi excepcionada na Ação Penal 396/RO, em que o Tribunal considerou ter havido abuso de direito e fraude processual. Neste caso específico, após seguidos deslocamentos de competência, o réu parlamentar renunciou ao mandato depois de o processo ter sido incluído em pauta para julgamento pelo Plenário. 3. Por maioria absoluta, o Plenário endossou a proposta de que se estabeleça um critério objetivo para servir de parâmetro no exame de eventual abuso processual. Não se verificou maioria, porém, quanto ao marco temporal sugerido pelo relator: uma vez recebida a denúncia, o fato de o parlamentar renunciar não produziria o efeito de deslocar a competência do STF para qualquer outro órgão. Tampouco houve maioria absoluta em relação a outros marcos temporais que foram objeto de debate. Diante do impasse, a Corte deliberou por deixar a definição do critério para outra oportunidade. 4. Seja pela orientação do relator, que não aplicava o critério que propunha ao presente caso, seja pela manutenção da jurisprudência que prevalece de longa data, a hipótese é de resolução da Questão de Ordem com determinação de baixa da ação penal ao juízo competente, para prolação de sentença.
[AP 536 QO, rel. min. Roberto Barroso, P, j. 27-3-2014, DJE 154 de 12-8-2014.]
1. A renúncia de parlamentar, após o final da instrução, não acarreta a perda de competência do Supremo Tribunal Federal. Superação da jurisprudência anterior. 2. Havendo a renúncia ocorrido anteriormente ao final da instrução, declina-se da competência para o juízo de primeiro grau.
[AP 606 QO, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 12-8-2014, DJE 181 de 18-9-2014.]

[6] Turma já decidiu que a renúncia de parlamentar, após o final da instrução, não acarreta a perda de competência do Supremo Tribunal Federal. Precedente: AP 606-QO, Rel. Min. Luís Roberto Barroso (Sessão de 07.10.2014). 2. Todavia, na hipótese de não reeleição, não se afigura ser o caso de aplicação da mesma doutrina. 3. Declínio da competência para o juízo de primeiro grau.
[Inq 3.734, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 10-2-2015, DJE 40 de 3-3-2015.]

[7] (I) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e
(II) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.
[Tese definida na AP 937 QO, rel. min. Roberto Barroso, P, j. 3-5-2018, DJE  265 de 11-12-2018.]

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