No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Carf e IARA: por uma curadoria paritária e multidisciplinar

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O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) anunciou no final do ano passado que reduzirá de seis anos para um o tempo de tramitação dos casos no tribunal, em razão de uma nova inteligência artificial desenvolvida pelo Serpro, chamada de IARA (Inteligência Artificial em Recursos Administrativos). Ela auxiliará no julgamento de cerca de 75 mil recursos em tramitação perante o Tribunal e que totalizam R$ 950 bilhões.

Em 2019[1] já havíamos sugerido a busca por um “Carf 4.0” que, por meio de quatro exemplos iniciais – sendo um deles, a criação de uma espécie de “assistente jurídico-contábil digital/virtual”, resultariam em significativos avanços para o órgão.

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Inconteste que o Carf desempenha um papel central na resolução de disputas tributárias no Brasil, sendo sua estrutura paritária um dos seus pilares fundamentais. Essa característica reflete a necessidade de equilíbrio entre as perspectivas dos contribuintes e da administração tributária, assegurando um julgamento equitativo e técnico.

A introdução da IARA, uma inteligência artificial projetada para otimizar os julgamentos no Carf, apresenta um marco na modernização do tribunal, mas também traz desafios éticos e técnicos que precisam ser abordados para preservar sua essência paritária.

Abaixo traremos alguns assuntos que julgamos de fundamental importância para o debate construtivo da ferramenta.

A importância da curadoria paritária para a IARA

Entendemos que a curadoria de dados e algoritmos utilizados na IARA deverá refletir a composição paritária do CARF. Isso significa que os insumos (inputs) fornecidos ao sistema de aprendizado de máquina, bem como a interpretação dos resultados (outputs)[2], precisam passar por um processo de validação que envolva tanto representantes da administração tributária quanto dos contribuintes. Essa abordagem busca prevenir vieses algorítmicos que possam favorecer um lado, comprometendo a justiça nas decisões.

Além disso, a curadoria paritária deve ser multidisciplinar, envolvendo especialistas em Direito, Contabilidade, Ciência da Computação e Ética, por exemplo. A complexidade do aprendizado de máquina exige conhecimento técnico especializado para definir padrões probatórios, extrair relações específicas e interpretar decisões administrativas e judiciais.

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E neste contexto jurídico-tributário exige que esses algoritmos sejam treinados para compreender a linguagem jurídica (Natural Language Processing [NLP] e Computational Model of Legal Reasoning [CMLR]) e que se realize raciocínios indutivos em cenários de insuficiência lógica; sistema de perguntas-repostas; extração de informações; mineração de argumentos são condições básicas e essenciais que levarão ao processamento de textos para identificar elementos relevantes à resolução de um determinado caso e classificar as possíveis soluções por ordem de relevância e de forma automática[3], afinal, bom se ter em mente que os recursos interportos ao Conselho diferem e muito entre si.

Processo de aprendizado e técnicas de Machine Learning

Para que a IARA seja capaz de desempenhar atividades jurídico-contábeis com eficiência, seu aprendizado deve ser baseado em técnicas robustas de Machine Learning. Algumas etapas cruciais incluem:

  1. Curadoria de dados: os dados históricos do Carf precisam ser organizados e rotulados para identificar padrões relevantes, como jurisprudências, fundamentos legais, argumentações contábeis, casos fáceis e casos difíceis[4];
  2. Treinamento supervisionado e não supervisionado: no treinamento supervisionado, a IARA aprenderá a partir de exemplos rotulados, enquanto no não supervisionado, identificará padrões e correlações sem intervenção humana direta;
  3. Extração de relações e mineração de argumentos: a camada de sentido da IARA deve ser ensinada de forma específica para distinguir nuances legais e contábeis. Isso é essencial para interpretar decisões e formular respostas adequadas em sistemas de perguntas e respostas; e
  4. Testes e validação: a precisão dos algoritmos precisa ser testada com casos práticos, garantindo que os resultados estejam alinhados com os parâmetros éticos e jurídicos estabelecidos.

Desafios e soluções éticas

Um dos principais riscos associados ao uso de inteligência artificial em tribunais administrativos é o viés algorítmico. Como os algoritmos são treinados com base em dados históricos, há o perigo de perpetuar desigualdades ou preconceitos presentes nesses registros. Por exemplo, se a maioria das decisões históricas favoreceu a administração tributária, a IARA pode replicar esse comportamento. Para mitigar esse risco, é essencial que a curadoria envolva auditorias regulares e diversificação dos dados de treinamento.

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Outra questão ética é a transparência do sistema. As decisões tomadas pela IARA devem ser explicáveis, permitindo que os conselheiros entendam o raciocínio por trás das recomendações. Isso fortalece a confiança no sistema e garante que a IA seja usada como uma ferramenta de apoio, e não como uma substituta do julgamento humano.

Potencial transformador da IARA

Com uma curadoria paritária e multidisciplinar, a IARA pode revolucionar a atuação do Carf. Entre as possibilidades, destacam-se:

  1. Automação de tarefas repetitivas: a análise de grandes volumes de dados e a elaboração de relatórios preliminares podem ser automatizadas, permitindo que os conselheiros concentrem seus esforços em questões mais complexas;
  2. Mineração de textos e padrões probatórios: A identificação de precedentes relevantes e a interpretação de decisões judiciais podem ser aceleradas, promovendo maior uniformidade nas decisões; e
  3. Assistente jurídico-contábil virtual: a criação de um sistema interativo para auxiliar conselheiros e partes interessadas na formulação de argumentos e na consulta a jurisprudências.

Considerações finais

A introdução da IARA no Carf simboliza um avanço significativo rumo a um tribunal 4.0, mas exige cuidado na implementação, pois é absolutamente relevante a forma como os algoritmos influenciarão o processo decisório, o que depende do fator humano desse projeto. Uma curadoria paritária e multidisciplinar é imprescindível para garantir que a IA atenda aos princípios de justiça, equilíbrio e eficiência que norteiam o Carf. Apenas assim será possível aproveitar todo o potencial da tecnologia sem comprometer a confiança e a legitimidade desse tribunal essencial para o sistema tributário brasileiro.


[1] https://www.conjur.com.br/2019-mai-10/limite-penal-extincao-ou-aprimoramento-carf-votamos-tribunal-40/

[2] Ensinando um robô a julgar: pragmática, discricionariedade, heurísticas e vieses no uso de aprendizado de máquina no judiciário. Daniel Henrique Arruda Boeing, Alexandre Moraes da Rosa. 1. ed. Florianópolis [SC] : Emais Academia. 2020, p. 26.

[3] Ensinando um robô a julgar: pragmática, discricionariedade, heurísticas e vieses no uso de aprendizado de máquina no judiciário. Daniel Henrique Arruda Boeing, Alexandre Moraes da Rosa. 1. ed. Florianópolis [SC] : Emais Academia. 2020, p. 30.

[4] Sobre a seleção de casos fáceis e difíceis, vide O Uso da Inteligência Artificial no Apoio à Decisão Judicial: Imitação de Hércules, Wellington Barbosa Nogueira Júnior, Londrina, PR: Thoth, 2024, p. 162. O autor relata a experiência do Supremo Tribunal Popular da China e do Tribunal Superior Popular de Xangai, no qual se aplica nove etapas de julgamento.

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