No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Caso Mauro Cid e a colaboração premiada

Spread the love

Recentemente, discutiu-se sobre o futuro do acordo de colaboração premiada celebrado por Mauro Cid, em razão de áudio divulgado na imprensa relativo a situações que teriam ocorrido do momento da celebração do acordo[1]. Contudo, não cabe mais discussão agora sobre o caso, visto que foi noticiado que o evento já foi devidamente apurado e resultou em decisão proferida pela esfera jurisdicional competente para o caso[2].

Todavia, em situações similares como a referida, o que poderia acontecer com o acordo de colaboração celebrado e, por conseguinte, as investigações/processos que tenham resultado dos elementos apresentados pelo colaborador?

Antes de mais nada, informo que não estamos discutindo o citado caso, visto que não temos ciência do teor do acordo (todas as informações que temos resultam do que foi publicado na imprensa), bem como, conforme acima exposto, já houve análise conclusiva sobre o ocorrido.

Conforme já ressaltado em outra oportunidade[3], o acordo de colaboração premiada se apresenta como um negócio jurídico processual por meio do qual o colaborador deixa de exercer temporariamente seu direito fundamental ao silêncio e a garantia da não autoincriminação em troca de um prêmio ofertado pelo Estado, em razão de ter decidido colaborar de maneira efetiva com a persecução penal, contribuindo, por conseguinte, para a elucidação de crimes que tenha participado ou tenha conhecimento.

Essa “solução” é atingida por meio de um negócio entre as partes envolvidas, no qual o Estado renuncia a parte do seu atuar persecutório em face do colaborador, que, em contrapartida, ao colaborar com a persecução penal, é favorecido por um prêmio acordado entre as partes.

Assim como todo negócio jurídico, os acordos de colaboração estão submetidos aos planos de existência, validade e eficácia, especificados no Código Civil, e sedimentados de acordo com as peculiaridades do acordo de colaboração premiada previstas na Lei 12.850/2013.

Um negócio jurídico existirá, ou seja, estará constituído, quando estiverem presentes os seguintes elementos: manifestação de vontade das partes, presença de agentes emissores da vontade, objeto e forma. Em um acordo de colaboração, esses elementos se perfazem presentes no momento que as partes (colaborador e Ministério Público ou polícia) manifestam a concordância quanto ao objeto pactuado em consonância com os requisitos (forma) previstos em lei.

Por outro lado, para um negócio jurídico ser válido, a manifestação da vontade deve ser livre e de boa-fé, os agentes devem ser capazes e legitimados para celebrarem o pacto, que deve abarcar um objeto lícito, possível e determinado (ou determinável), bem como observar a forma adequada livremente adotada pelas partes ou prescrita em lei. Superada essa etapa, por meio da observância dos requisitos expostos, o acordo de colaboração, já devidamente constituído, passa a ser válido.

Um negócio jurídico devidamente constituído (plano da existência) e válido (plano da validade) muitas vezes só produzirá efeitos se observado, em determinados casos, um elemento acidental. Os mais comuns, no campo do direito civil, são o termo, a condição e o modo ou encargo.

Nos acordos de colaboração premiada, a lei condiciona a produção de efeitos (plano da eficácia) do pacto celebrado à homologação pelo juízo, que não participa das negociações e não adentra no mérito do acordo (plano da existência), realizando apenas uma análise de legalidade e constitucionalidade da colaboração.

No momento da homologação, cabe ao juiz aferir a regularidade das fases de existência e validade do acordo. É neste momento que é verificado se o colaborador celebrou o acordo de forma voluntária. O juiz ouvirá de forma sigilosa o colaborador, acompanhado de seu defensor, para verificar, entre outras coisas, a voluntariedade[4]. Se o colaborador não tiver agido de forma voluntária ou tiver ocorrido alguma irregularidade/invalidade antes da homologação, o acordo será nulo. Mesmo que a constatação ocorra após a homologação, haverá nulidade do pacto, não podendo ser utilizados os relatos e elementos de corroboração apresentados pelo colaborador nas investigações/processos relativos ao caso.

Contudo, um acordo de colaboração premiada existente, válido e eficaz (ou seja, após a homologação) que se constate alguma irregularidade em razão da atuação de uma das partes, haverá a possibilidade de rescisão do pacto, podendo gerar uma série de reflexos jurídicos[5].

A rescisão do acordo de colaboração premiada acontece quando uma ou ambas as partes descumprem as obrigações previstas expressamente no acordo ou em lei.

A rescisão do acordo, porém, gera discussão sobre os efeitos que gerará sob o aspecto dos benefícios e dos elementos de corroboração/probatórios apresentados pelo colaborador, em face dele e de terceiros. O descumprimento do acordo gerará, para as partes, a perda dos benefícios pactuados. A obtenção de qualquer “prêmio” em um contexto de justiça negocial pressupõe o rigoroso cumprimento de todos os deveres estabelecidos, visto que, em um cenário de mitigação da obrigatoriedade da persecução penal, em países sustentados no princípio da legalidade, como é o caso dos que adotam predominantemente o sistema do civil law, só será possível se a não observância do procedimento ordinário ocorrer com base no respeito do princípio da legalidade e com o cumprimento de todas as obrigações pactuadas.

No que diz respeito aos elementos de corroboração/probatórios apresentados pelo colaborador, a discussão é maior. O Supremo Tribunal Federal, ao se deparar com a matéria, já decidiu que “(…) o material probatório colhido em colaboração premiada pode ainda ser utilizado em face de terceiros, naturalmente cercado de todas as cautelas (…)”[6], tendo deixado ainda mais claro no Inquérito nº 3.983 que “até mesmo em caso de revogação do acordo, o material probatório colhido em decorrência dele pode ainda ser utilizado em face de terceiros”[7].

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 127.483, deixou claro que, mesmo o colaborador perdendo todos os prêmios estabelecidos no acordo, em razão de ter descumprido alguma das condições estabelecidas, “suas declarações, desde que amparadas por outras provas idôneas (art. 4º, §16, da Lei 12.850/2013), poderão ser consideradas meio de prova válido para fundamentar a condenação de coautores e partícipes de organização criminosa.”[8]

O Supremo Tribunal Federal (STF) adotou o correto posicionamento de separação entre o acordo, junto com seus direitos e obrigações estabelecidos entre as partes, e os elementos fáticos e probatórios apresentados pelo colaborador, que se vincularão à persecução penal. O descumprimento das obrigações por uma das partes pode resultar no fim do acordo e, por conseguinte, na perda dos prêmios/benefícios pactuados.

A rescisão, porém, não gerará reflexos nos elementos fáticos/probatórios que acompanharam o acordo de colaboração premiada no momento da celebração, visto que o controle de regularidade/legalidade que englobava esses elementos foi realizado na decisão de homologação do pacto (desde que não se verifique, conforme acima exposto, uma nulidade prévia à homologação).

Após a homologação, esses elementos irão se dissociar do acordo e dos termos que foram estabelecidos, passando a fazer parte da persecução penal que dará início ou reforçará uma já existente.

A rescisão do acordo, decorrente do descumprimento de obrigações, está no campo da Teoria dos Negócios Jurídicos e gerará reflexos apenas no âmbito das obrigações fixadas. Não gerará reflexos com relação aos relatos e elementos probatórios já apresentados, que poderão ser usados em face do colaborador e de terceiros. Esses relatos e elementos estão no campo da persecução penal, totalmente dissociado do negócio jurídico pactuado. Não haverá mais, porém, obrigação de o colaborador contribuir com a persecução penal, em decorrência do fim do pacto obrigacional que fazia parte.

Essa conclusão será cabível inclusive quando o Ministério Público, enquanto parte no acordo, for o responsável pela rescisão do pacto. Nesta situação, o colaborador fará jus a todos os benefícios acordados, ficando dispensado de todas as obrigações que assumiu, que inclui o dever de colaborar com a persecução penal. Os relatos e elementos de corroboração, porém, permanecerão intactos, visto que, repita-se, foram incorporados às respectivas persecuções penais (investigações e/ou ações penais).

Temos, portanto, duas relações, uma negocial, atinente ao campo dos interesses pessoais das partes contratantes, e outra de interesse eminentemente público, relativa à seara da persecução penal. São duas relações totalmente dissociadas, que se separam por completo após a homologação do acordo.

Observa-se, portanto, que em situações relativas ao acordo de colaboração premiada, é necessário verificar se as irregularidades ocorreram antes ou após a celebração do acordo. Caso tenham ocorrido antes, mesmo o acordo já tendo sido homologado, como é o caso de vício relativo à voluntariedade ou mesmo narrativas colaborativas montadas, haverá nulidade do pacto, não podendo os relatos e elementos de corroboração ser utilizados. Se a irregularidade é após a homologação e em decorrência de atitude das partes, é caso de rescisão, sendo, porém, válidas as narrativas e elementos apresentados.

[1] https://veja.abril.com.br/brasil/em-audios-exclusivos-mauro-cid-ataca-alexandre-de-moraes-e-a-pf

[2]https://www.infomoney.com.br/politica/depoimento-mauro-cid-integra-alexandre-de-moraes-stf-despacho/

[3] PAULINO, G. C.. Colaboração Premiada: temas de aprofundamento. 1. ed. Londrina: Editora Thoth, 2023.

[4] Art. 4.º

(…)

7º Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação:     (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

I – regularidade e legalidade;      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

II – adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo;       (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

III – adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo;      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

IV – voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

(…)”. Lei n.º 12.850/2013.

[5] Para maiores aprofundamentos, vide: https://rcpjm.cpjm.uerj.br/revista/article/view/203/171

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq. 3.979/DF. Disponível em: http://www.stf. jus.br. Acesso em: 2 out. de 2022.

[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq. 3.983/DF. Disponível em: http://www.stf. jus.br. Acesso em: 2 out. de 2022.

[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 127.483. Disponível em: http://www.stf. jus.br. Acesso em: 2 out. de 2022.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *