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Caso Silvio Santos e os rumos do ITCMD sobre herança no exterior

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A recente liminar que suspendeu a cobrança do ITCMD sobre R$ 429 milhões de herança deixada por “Silvio Santos” reacendeu o debate acerca dos aspectos jurídicos em torno do ITCMD sobre bens no exterior.

Apesar da definição do Tema 825/STF que veda a exação na hipótese, – alguns Estados ainda defendem a possibilidade de fazerem uso de sua competência legislativa plena (CF, art. 24, § 3º, e ADCT, art. 34, § 3º) diante da desídia do legislador federal de editar a lei complementar.

No caso do estado de São Paulo, protagonista nessa investida, a Lei 10.705/2000 instituiu o ITCMD sobre bens no exterior, por meio do polêmico texto do art. 4. Todavia, o constituinte reservou à lei complementar as disposições sobre conflitos de competência em matéria tributária (art. 146, I, da CF), em vista da função essencial da regra geral de regular os critérios contra a bitributação e instituição de exações que tenham impacto extraterritoriais.

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Com efeito, o art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal reservou ao legislador federal a competência para instituir a cobrança do ITCMD, em hipóteses em que se encontram presentes elementos de conexão com o exterior. O ponto sem nó no Estado de São Paulo. Em 2011, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou a arguição de inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000, que declarou inconstitucional o artigo 4°, inciso II, “b”, da Lei nº 10.705/2000. Apesar disso, o Fisco Paulista ainda resiste no judiciário à pretensão de afastar a cobrança do ITCMD com base no referido diploma. E mais, a modulação dos efeitos do Tema 825/STF se tornou um artificio da Fazenda Estadual na tentativa transversa de superar a inconstitucionalidade da Lei Estadual 10.705/2000.

Em recente precedente, o TJ/SP apreciou a incidência do ITCMD sobre herança recebida em inventário finalizado no exterior, decorrente do falecimento de residente na Itália.

Ao declarar o recebimento da herança na DIRPF, o contribuinte, residente em São Paulo, foi surpreendido com a lavratura do auto de infração do Fisco Estadual, que exigiu o ITCMD sobre os bens. A controvérsia foi palco de mandado de segurança, que afastou a cobrança com base no Tema 825/STF, além da impossibilidade da exação com fundamento na Lei Estadual nº 10.705/2000, em virtude da inconstitucionalidade dada pelo Órgão Especial do TJ/SP, em 2011. Em apelo, o Fisco Estadual arguiu que o julgado de 2011 estaria “expressamente superado”, eis que o STF “declarou constitucional” o artigo 4º da Lei 10.705/2000, concedendo o caráter de “eficácia contida” à norma. Todavia, a modulação dos efeitos do Tema 825/STF teve a pretensão de evitar uma massificação de demandas de repetição de indébito, atendendo ao argumento consequencialista do Estado, o que, todavia, não implica na “constitucionalização superveniente” das leis estaduais.

Dessa forma, ainda que se admita o fragmentado argumento da eficácia contida da Lei nº 10.705/2000, remanesce a dependência da lei complementar para operar seus efeitos – enquanto ainda cabe dizer, no caso do Estado de São Paulo, que uma nova lei ordinária deve ser editada, em virtude do reconhecimento da inconstitucionalidade em 2011. Por essa razão, o TJ/SP vem considerando inviável a exigência do ITCMD em razão de bens herdados no exterior com base no art. 4º, da Lei Estadual nº 10.705/2000, sendo irrelevante a modulação do Tema 825/STF.

A propósito, na Reclamação nº 57.187/SP, ajuizada pelo Estado de São Paulo, o Min. Alexandre de Moraes consagrou que a modulação de efeitos fixada no Tema 825-RG não afasta a premissa maior do Tema, que é a ineficácia do art. 4º da Lei 10.705/2000 em face da ausência de lei complementar federal, não podendo admitir que o Estado busque pela via reclamatória, a pretexto de suposta afronta ao entendimento do Supremo, rescindir por via oblíqua o julgado do Órgão Especial do TJSP, que declarou a inconstitucionalidade do art. 4º, II, b, da Lei Estadual 10.705/2000.

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Ainda, há um mandado de segurança impetrado após a publicação do acórdão do Tema 825/STF, contudo, o contribuinte impugnou o auto de infração em 2015, o que deu início a fase litigiosa do processo administrativo de cobrança – PAT, que perdurou até o final de 2023. Na ocasião, em 2019, o TIT/SP proferiu o acórdão que deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo contribuinte, o que ensejou a anulação e extinção do auto de infração. Somente em 2023, quando julgado o recurso especial interposto pelo Fisco Estadual Paulista, o TIT/SP deu provimento ao recurso para restabelecer o auto de infração e, consequentemente, a exigência do ITCMD sobre a herança recebida no exterior. Nesse particular, é emblemático o caso concreto porque à época da definição do Tema 825/STF, quando da publicação do acórdão (20.04.2021), prevalecia a decisão favorável do recurso ordinário interposto, em virtude da decisão do TIT/SP que deu provimento ao recurso para cancelar a cobrança do imposto inconstitucional. Ou seja, entre 2019 e 2023 – i.e, durante 4 anos – o contribuinte não possuía interesse na via judicial eis que se consagrava vencedor na esfera administrativa, período em que prevalecia o cancelamento do auto de infração, em virtude do mesmo fundamento definido na conclusão do Tema 825/STF.

Assim, a modulação não pode prejudicar o contribuinte que estava discutindo a validade do imposto e era vencedor na esfera administrativa, eis que sequer havia interesse em ajuizar uma ação judicial naquela oportunidade e se o fizesse seria obrigado a renunciar à fase administrativa. O caso deve obediência à isonomia, a segurança jurídica e o princípio da confiança legítima, numa interpretação extensiva do art. 146, do CTN, pois a modulação dos efeitos no Tema 825/STF não pode resguardar apenas o contribuinte que se insurgiu contra a cobrança na esfera judicial em detrimento daquele que se insurgiu à cobrança na esfera administrativa, já que o constituinte consagrou ao contribuinte o direito ao acesso à justiça e um sistema dúplice de solução de conflitos, o qual compreende o processo administrativo e o processo judicial, os quais, conquanto, não podem coexistir.

O ITCMD e a reforma tributária

Em meio ao cenário ainda cinzento em torno da exigência do ITCMD sobre bens no exterior, a reforma tributária introduziu um regramento provisório para a cobrança do ITCMD na hipótese carente da lei complementar (art. 16, da EC 132/2023). Com base no mencionado dispositivo, o ITCMD sobre bens no exterior caminha rumo ao argumento da eficácia superveniente das Leis Estaduais editadas antes da emenda complementar, situação já vivida pelo contribuinte na ocasião da controvérsia em torno do DIFAL ICMS e a EC 87/2015.

No caso do Silvio Santos, o Fisco Estadual sustenta que a reforma tributária estabeleceu norma provisória que afastou não apenas a necessidade de lei complementar, mas também a necessidade de que normas estaduais, como o artigo 4º da Lei 10.705/00, viessem regular a competência tributária. Ora, no caso da hipótese do art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, a EC 132/2023 não supera a necessidade da lei complementar, sobretudo porque não cabe à Constituição Federal instituir a cobrança do imposto Estadual, mas, tão somente, fixar as suas competências.

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Desse modo, é inegável o conflito do texto do mencionado art. 16 com a previsão do art. 146, I, da CRFB, sendo forçoso concluir que o art. 16, da EC 132/2023 é, no mínimo, incompatível com o texto constitucional e com entendimento consagrado na Tese 825/STF. Finalmente, o caso Abravanel sugere que o dispositivo da EC 132/2023 não implicará na cobrança automática do ITCMD e demandará aos Estados a instituição de novas leis ordinárias, que deverão encampar as novas regras transitórias.

Veremos as cenas dos próximos capítulos.

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