Chegou a era do recontrole no direito administrativo?

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Quase seis anos após a reforma da LINDB pela Lei 13.655, de 2018, e com dois anos de recriação da Lei da Improbidade pela Lei 14.230, de 2021, a literatura começa a sugerir a chegada de um tempo diferente no direito administrativo brasileiro.

Antes de 1988, teríamos vivido uma era de quase controle, com controladores meio tímidos e administrações públicas meio soltas. Depois teríamos entrado na era do hiper controle, com a euforia dos ministérios públicos (entre as décadas de 1990 e 2020) e com os sucessivos avanços dos controladores de contas (desde o início dos anos 2000). Agora seria a vez do recontrole, isto é, de uma revisão dos excessos dos controladores e da recuperação da autonomia das administrações públicas.

Sim, houve mudanças relevantes em normas gerais, exigindo mais foco e mais evidências dos controladores, o que parece estar ocorrendo. Também a literatura jurídica agora é mais cautelosa, ou até crítica, em relação a interferências de controladores.

Mas mudamos de era? Devemos mudar?

A imprensa noticiou que, após 15 anos de debates, e contrariando expectativas, um comitê da União Internacional de Ciências Geológicas rejeitou a ideia de declarar o advento do Antropoceno (a época “humana”). Na visão dos especialistas, nosso lugar seria mesmo o Holoceno, uma era que já dura 11 mil anos!

Não faltaram críticas. Um analista respeitável falou em “negação”, “decisão tecnocrática … vinda em má hora” um reforço à “agenda de viciados em petróleo”.

Mas o que isso tem a ver com o direito administrativo?

Parece desde sempre consensual entre administrativistas a convicção de que nossa disciplina não existiria sem uma engrenagem efetiva de controle da ação administrativa.

Mas, desde a metade do século 19, quando a ideia de direito administrativo foi recebida por aqui, passamos por autoritarismos, ditaduras e democracia – afetando muito, claro, as características dos controles.

Os acadêmicos de cada época procuraram dissecar, discutir ou defender as correspondentes normas (sobre cabimento e possibilidades das ações judiciais específicas, p.ex., como o mandado de segurança), conceitos (ex.: discricionariedade como limite do controle), práticas (ex.:  contenção judicial no controle de atos mais políticos) e grandes orientações (Estado de Direito, legalidade etc.).

Mas em momento algum a academia chegou a declarar um estado de insuficiência tal, ou de desvio, em nossos controles que permitisse dizer do direito administrativo brasileiro:

– Não passa de sonho, lembrança ou fraude.

Não é curioso?

Quem sabe haja um problema sério em nunca termos avaliado e medido sistematicamente os controles que tentamos descrever. Mas será viável fazê-lo? Pior: se não for, para quê afinal servem as pomposas declarações de que não há direito administrativo sem controle?

A preocupação não é só de acadêmicos datadores de épocas. Ela precisa habitar as mentes de quem pensa reformas. Será que qualquer sistema de controle serve?

Talvez as futuras reformas, complementares à LINDB e à LIA, dependam da prévia resposta a essa pergunta.

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