No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

CNS desacredita pesquisa e pesquisadores ao reviver termo ‘cobaia humana’

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Não resta dúvida: o governo federal tem feito muito esforço para avançar com as parcerias público-privadas. Exemplo disso são as ações da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (SECTICS), do Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS), da Rede Brasileira de Pesquisa Clínica (RBPClin), da EBSERH e de tantas outras discussões em torno do mesmo tema.

Daí, vemos perplexos a Conep ressuscitar o termo “cobaia” – duramente combatido por anos – em um movimento muito mais marqueteiro do que protecionista. Como se sentem todos aqueles que hoje participam de estudos clínicos? Como se sentem aqueles que contribuíram para que tivéssemos uma vacina para a Covid? Será que é esse o papel de um órgão colegiado do Ministério da Saúde? Será que a pasta pactua com esse tipo de manifestação?

Discutir o PL 6007/2023, OK, mas a forma como essa discussão é feita, em especial gerando pânico na população, criando instabilidade com frases de efeito, é o que devemos entender como controle social? Colocando os médicos e demais profissionais como pessoas exclusivamente focadas em ganhos financeiros, é o que se espera para que a saúde do país seja vista com excelência? O que esse governo está querendo, afinal?

De acordo com representantes da Conep, o maior risco do PL 6007 é o de retirada da participação social das discussões e decisões da regulamentação ética para a pesquisa. Ainda de acordo com a Conep, o PL desarticula o Sistema CEP/Conep e coloca os participantes de pesquisa em risco ao reduzir o monitoramento realizado por um sistema único, propondo CEPs independentes.

Sob esse aspecto, em que pesem as bases legais para a adoção de uma lei e seus desdobramentos jurídicos, se faz importante recordar a origem do sistema CEP/Conep e o que se propunha à época em que ele foi desenhado. A Resolução 196/96, fruto da revisão da Resolução 1/88, já trazia em seu escopo a necessidade de revisões contínuas, uma vez que a ciência é dinâmica e sua evolução gera novos questionamentos e reflexões.

Dessa forma, tão logo a Resolução 196/96 Conep/CNS/MS – hoje Resolução 466/12 Conep/CNS/MS – foi publicada, várias foram as novas resoluções, cartas circulares, ofícios e demais documentos que serviram para orientar e dar sentido a um sistema que, ainda muito jovem, carecia de aprendizado, incluindo, não apenas os CEPs, mas a própria Conep, assim como pesquisadores e população.

Ressalta-se a publicação da Resolução 251/97 que tratava da área temática especial envolvendo fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos novos (fases I, II e III) ou não registrados no país (ainda que fase IV), ou quando a pesquisa fosse referente a seu uso com modalidades, indicações, doses ou vias de administração diferentes daquelas estabelecidas, incluindo seu emprego em combinações.

Com a publicação dessa resolução, ficou claro que o sistema cumpria o que havia sido estabelecido pelo então coordenador da Conep, Dr. Willian Saad, ou seja, na medida em que o Sistema evoluísse, a Conep transferiria aos CEPs a responsabilidade final pela avaliação dos projetos, especificamente, aqueles das chamadas áreas temáticas especiais.

Com certeza, os CEPs sendo estruturados e estando sob a responsabilidade da Conep no quesito treinamento, avaliação, credenciamento e registro, deixa claro que a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa estava assumindo, cada vez mais, o protagonismo de coordenar um sistema complexo, exercer seu papel educativo, providenciar ferramentas eficazes para a sua gestão e garantir que, cada vez mais, o verdadeiro controle social fosse exercido.

Pois bem, qual não foi a surpresa para a pesquisa envolvendo seres humanos, quando em 1999 é publicada a Resolução 292/99 Conep/CNS/MS, que mantém a necessidade de uma dupla análise dos projetos. E assim ocorreu com todas as demais áreas temáticas que foram reguladas. Daí nos cabe a pergunta: como um sistema com 28 anos não é capaz de confiar nos CEPs que ele credencia, registra, monitora e pode, a qualquer tempo, observar todos os projetos sob sua responsabilidade?

O discurso que enaltece o controle social e a proteção dos que participam de estudos envolvendo seres humanos, lembrando que estamos nos referindo a todas as áreas do conhecimento, é sempre cativante, mas será que realmente a Conep e todos os CEPs estão exercendo esse papel? Pergunte aos quase 900 CEPs quantos são os participantes de pesquisa sob sua responsabilidade e não duvide se a resposta for “não tenho esse controle”.

Pois bem, se o CEP não sabe quantos são os participantes sob sua responsabilidade, se a Conep segue registrando Comitês, ao mesmo tempo em que não confia na sua avaliação, de que tipo de controle social estamos falando?

O controle social deve ser exercido por todos aqueles que zelam pela vida, pelo bem-estar e pelos direitos dos participantes de pesquisa, assim como da população em geral que, de alguma forma e em algum momento, se beneficia com as inovações da ciência. Quando percebemos uma comissão que insiste em argumentar que somente seus relatores e sua coordenação, diga-se de passagem, todos eles selecionados por força de uma resolução exclusiva para a Conep e sem que possamos saber como de fato, tais membros são selecionados, suscitamos algumas questões: a Conep, e apenas ela, está acima de qualquer conflito de interesse? Será que apenas a Conep é responsável pelo controle social no país?

Não há nenhum outro órgão governamental preocupado com essa questão? Desarticular um sistema que não confia em seus próprios pares é o que vai colocar os participantes de pesquisa em risco? Esse risco não estaria presente atualmente, dado que até hoje ainda temos representantes desse sistema que sequer conhecem sua origem, suas normativas, suas fraquezas e seus pontos positivos? A valorização de uma instância é importante, mas é urgente que o governo avalie se dentro do próprio governo não estamos criando um sistema paralelo que, sob o discurso de promover o controle social, não está apenas falhando em exercê-lo, mas também gerando ainda mais dicotomia em um momento tão crítico para o país e para o mundo. E o que podemos falar de CEPs independentes?

Primeiro: que da mesma forma que um CEP que participa de um sistema, ele é composto pelos mesmos personagens. Segundo: ele deve estar em conformidade com requisitos provenientes do governo. Terceiro: se o problema seria a remuneração, o que dizer dos CEPs, incluindo os chamados acreditados, que desde sempre cobram taxas travestidas de institucionais? Quarto: como a Conep, que o tempo todo se coloca de forma tão ética, pode aprovar o registro de um CEP, de forma retroativa? Seria esse o controle social e a excelência do atual sistema?

Todos estamos sujeitos a conflitos que não se limitam àqueles de origem financeira. Temos conflitos de ordem pessoal, religiosa, política, ideológica e tantos outros que devem ser avaliados caso a caso. O que não podemos é inferir que todos aqueles que fazem pesquisa, só querem auferir ganhos espúrios, às custas de corpos humanos, sem ter pela pessoa humana qualquer tipo de respeito.

Ainda de acordo com a Conep, medidas de gestão do sistema reduziram os prazos para emissão de pareceres. Que medidas de gestão são essas que apresentam, uma ferramenta (Plataforma Brasil) que até hoje não responde às demandas necessárias, sequer para colocar em prática a resolução 674/22 Conep/CNS/MS, criada pelo próprio Sistema? Aliás, qual a razão de se publicar uma resolução que sabidamente, não poderia ser colocada em prática?

O que vamos ouvir é que a PB é um problema do DataSUS e, mais uma vez, temos um órgão colegiado, ligado diretamente ao gabinete da Ministra apontando o dedo para o próprio governo. Na verdade, uma simples alteração, no momento da revisão da Resolução 196/96, que gerou a Resolução 466/12, teria colocado uma pedra em toda essa discussão de Projeto de Lei, que segundo a Conep é o PL das “cobaias”.

Não é possível aceitar que a própria Conep, independente dos motivos alegados, publique, a partir do CNS, órgão do governo, matéria intitulada “PL das Cobaias Humanas”, em um momento em que o próprio governo incentiva as indústrias nacionais a desenvolverem novas tecnologias, bem como que a esfera pública se articule em redes para a elaboração e condução de estudos clínicos. A Conep reforça que a gestão dos CEPs realizada pela Conep, em um sistema integrado, favorece a qualificação do trabalho de modo sistêmico e a respostas céleres, com segurança. Basta uma conversa rápida com os pós-graduandos para identificar com clareza que eles não têm a menor ideia do papel desse Sistema e que são vários os estudos sendo conduzidos sem que os requisitos éticos mínimos sejam cumpridos.

Então do que estamos falando? Estamos discutindo prazos? Estamos discutindo qualidade de parecer? Estamos discutindo o real papel educativo dos CEPs? Estamos falando de um controle social para todas as pesquisas envolvendo seres humanos ou somente das pesquisas que envolvem as indústrias, em especial as farmacêuticas? Por que tamanho interesse em discutir somente esse tema, se de acordo com a própria Conep tais estudos correspondem a uma parcela mínima dos estudos? E o que dizer dos estudos com alimentos, cosméticos, dispositivos médicos, terapia celular, CHS, IA e tantos outros?

A Conep poderia atestar que fez sua lição de casa nos últimos 28 anos, mobilizando a população em geral, os graduandos e pós-graduandos, e por que não dizer os próprios membros relatores, muitos deles selecionados exclusivamente por questões políticas internas? O que a Conep quer ou não enxergar, ou pior, o que ela quer que a população enxergue?

A realidade talvez não esteja em discutir o PL 6007, mas sim toda a base de um sistema que possui normas que se contrapõem umas as outras, um sistema que não raramente é muito mais político do que ético, um sistema que se autointitula o mais ético do país e faz inferências de que qualquer outra possibilidade é impossível de existir, pois somente ela, a Conep, é capaz de garantir o controle social.

Quando a Conep afirma que os participantes de pesquisa terão restrições ao direito do medicamento pós-estudo e a permissão para o uso de placebo, ela está dizendo a verdade ou mais uma vez está chamando a atenção apenas para uma frase de efeito, sem pensar nas consequências que isso traz para a própria população?

Nos textos publicados pela Conep sobre o PL 6007, ela afirma constar no projeto que após o fim do estudo, os participantes da pesquisa perderão o direito de receber, pela indústria farmacêutica, o medicamento testado, pelo período que precisarem. E, mais uma vez, só se observa a preocupação com a indústria farmacêutica e mais do que isso, onde está escrito exatamente esse texto no PL?

A Conep solicita que senadores e senadoras de cada estado conheçam a importância do trabalho realizado pelo Sistema CEP/Conep e os riscos que estão envolvidos na eventual aprovação do PL 6007. Ora, se depois de 28 anos, o trabalho da Conep pouco é conhecido, será que não deveríamos refletir sobre o que esse Sistema fez nessas mais de duas décadas para garantir o controle social?

Será que todos os esforços não foram focados somente nos estudos envolvendo a indústria farmacêutica, sem que grandes movimentos fossem feitos para se discutir a pesquisa em seres humanos em todas as áreas do conhecimento?  Nunca fui favorável ao PLS 200/15, que seguiu para a Câmara como PL 7082/17 e agora está no Senado como PL 6007/23, porque desde sua origem tínhamos questões a serem revisadas.

O atual PL teve mais de 20 substitutivos e hoje volta à tona porque a Conep se sente ameaçada em perder um poder, o que gerou até uma resolução especial para ela, uma das 19 comissões do CNS, regida de forma completamente distinta.

Sem dúvida, o PL 6007 ainda merece considerações sobre questões relacionadas à remuneração dos participantes, fluxo do projeto sendo aprovado por um único CEP, valor de ressarcimento explicitado em TCLE, tipos de pareceres do CEP, definição de centro coordenador e as responsabilidades do pesquisador coordenador, pesquisa com incapaz, enfim, temos temas a serem avaliados, não apenas do ponto de vista ético, mas do ponto de vista jurídico, que podem, até ser previstos na regulamentação da lei.

De qualquer forma, mesmo sendo favorável às discussões sobre o PL, não posso ser favorável a falsas afirmações sobre esse projeto de lei, em especial, quando vindas de um sistema que se intitula o guardião da ética e da proteção da pessoa humana. Será que a manutenção de um Sistema Nacional de Ética em Pesquisa inserido no CNS é a garantia de proteção da população brasileira? As pessoas que hoje respondem por esse Sistema passam, mas quem de verdade trabalha e gera conhecimento de forma responsável, gera inovação que se traduz em benefícios para a população, ficam? Que os senhores senadores e senadoras reflitam sobre o tema “ética em pesquisa envolvendo seres humanos” de forma apolítica e responsável o bastante aprovar ou não um PL que possui falhas, mas que, com certeza, fez com que a própria Conep revisitasse alguns dos seus processos.

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