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Tire a máscara da figura imponente de advogado por um momento. Esse foi o convite que Sukhsimranjit Singh, professor da Pepperdine Caruso School of Law, na Califórnia, fez aos participantes VI Congresso Internacional CBMA de Mediação, que teve seu último dia nesta sexta-feira (8/11). “Fatos chegam até a primeira camada das pessoas, você quer ir até a segunda e a terceira em uma negociação”, disse. Para isso, é preciso tocar corações e almas, segundo Singh, e o único jeito é fazer isso é, primeiro, ter domínio do seu próprio coração e sua própria alma.
“Conhecer a si mesmo é se conectar com sua própria cultura, mas ainda sim estar aberto a questioná-la e ser corajoso o suficiente para conhecer outras culturas”. Ao fazer isso, o mediador adquire consciência sobre seus próprios limites e vieses, se preparando para temas que podem ser desafiadores. Contando histórias pessoais, em que você mostra seus sentimentos e valores, os outros tendem a fazer o mesmo, diz Singh. Assim, o mediador também pode compreender verdadeiramente aspectos culturais, como papeis de gênero, costumes locais e até mesmo questões espirituais, e se conectar aos sentimentos das partes envolvidas. Isso é uma ferramenta auxiliar no processo do acordo mais facilmente.
A ajuda espiritual também pode vir de forma mais literal. Ao mediar um caso entre uma mineradora e comunidades rurais na região de Cajamarca, no Peru, Iván Ormachea Choque, presidente da associação ProDiálogo, que também foi um dos palestrantes no Congresso, contou que os habitantes locais só aceitaram participar do processo se um padre de confiança tivesse o papel de mediar.
“Isso foi um aprendizado para mim, porque geralmente pensamos que o mediador não pode ter relações prévias com os envolvidos”, disse Choque. “Mas trabalhamos com muita harmonia e coordenação. Rezar o pai nosso antes de começar o encontro entre as partes, por exemplo, foi a chave para baixar a tensão inicial e quebrar o gelo”, conta.
Exercitar a sensibilidade cultural, a empatia e avaliação de contextos é uma ferramenta valiosa também em casos mais desafiadores, quando uma das partes apresenta comportamentos difíceis durante o processo de mediação. “Eu nunca saberei verdadeiramente como é estar no lugar de outra pessoa”, diz Bruce Edwards, mediador pioneiro nos Estados Unidos. Ele lembrou que diversos fatores podem influenciar em uma reunião de mediação: do horário em que elas estão acontecendo até diferenças geracionais — em um caso, um advogado mais velho considerou que uma jovem fazendo anotações sobre o encontro no celular era um sinal de desrespeito.
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“Eu sempre tento ter o maior contato possível com as partes na preparação para o processo de mediação, mas é importante sempre lembrar de perguntar como as pessoas envolvidas estão se sentindo, e reconhecer os sentimentos, mas admitir que eu também nunca os entenderei completamente”. Um exemplo clássico, segundo o mediador, é quando alguma das partes se sente negligenciada durante as sessões conjuntas — e a resposta pode ser ter mais reuniões individuais. “Pessoas difíceis ou frustrantes às vezes são apenas pessoas com necessidades insatisfeitas”.
Além dos contextos particulares, o momento global pode trazer desafios relevantes para a mediação, mesmo em contextos particulares. “O que fazemos é mediar o nosso próprio relacionamento com o mundo — mas que mundo é esse?”, disse David L. Carden, diplomata norte-americano e mediador. “Para algumas pessoas, hoje o mundo é muito pequeno, são os seus interesses”, disse, citando a onda de nacionalismo autoritário, guerras e questionamentos da globalização em diversos pontos do globo.
Essa tensão social generalizada pode explicar parte do espírito bélico que se instala entre as partes antes mesmo do processo de mediação começar. Isso é somado à cultura ainda incipiente do instituto no Brasil, que é usado principalmente em casos de direito da família, que faz com que muitas empresas, por exemplo, tenham resistência em utilizá-lo, mesmo que muitas vezes ele signifique evitar um litígio caro e logo.
“O ideal é não deixar essa intoxicação contenciosa acontecer, porque depois que acontece, não sai mais, tendo uma mediação permanente”, diz André Gertsenchtein, do Instituto para o Desenvolvimento da Engenharia Aplicada à Controvérsias. “As partes têm resistência a abrir informações estratégicas para o mediador, o que é natural, mas esse espírito pode piorar tudo”.
Ciência
Entender o funcionamento do cérebro também pode ser uma ferramenta para o mediador. A situação de negociação pode ativar um estado de conflito também para nosso sistema nervoso central, e, com os aportes da neurociência, o mediador pode ajudar os envolvidos a superar a tensão, defende Flávio Faibischew Prado, do Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos.
“As emoções são uma via rápida de processamento de informações, que nos colocam em um estado funcional imediatamente, que influencia julgamentos, raciocínios e ações”, diz. “O risco das emoções é interpretarmos mal ou exageradamente um acontecimento, e, se agirmos sem refletir, a resposta vai ser inapropriada”.
As partes de uma mediação podem ser de mais difícil trato justamente por conta dessas emoções que disparam ações imediatas, mas nem sempre as melhores, por se sentirem em um momento de ataque e verem o outro de “maneira plana, sem complexidade”, diz Faibischew. A solução para isso é o mediador “emprestar” seu córtex pré-frontal, a parte do cérebro responsável pelo raciocínio lógico, para as partes – isto é, dar o caminho da estrada da razão, mais lenta e complexa do que a das emoções.
*A reportagem viajou ao Rio de Janeiro a convite da CBMA.