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Compensação pelo fim dos benefícios fiscais onerosos

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É consolidada a jurisprudência que considera irrevogáveis benefícios tributários onerosos e com prazo certo no Brasil. Contudo, as alterações normativas que impeçam o aproveitamento desses benefícios ensejam compensações adequadas. O tema não é novo e passa, nos últimos 70 anos, por intenso amadurecimento doutrinário e jurisprudencial[1].

É louvável que a previsão de extinção do ICMS também se estenda aos benefícios tributários a eles correspondentes, sendo um acerto digno de nota que conste, expressamente, no texto constitucional (art. 12 da EC 132/2023) a previsão de compensação pela perda dos incentivos.

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Não se trata, obviamente, de um novo benefício tributário, mas de uma forma de indenização da extinção de um direito público adquirido de forma onerosa e com prazo certo de vigência.

A previsão constitucional de compensação à perda dos benefícios fiscais de ICMS é um avanço relevante da reforma tributária. A medida evita judicializações que questionem danos ao direito adquirido, com base no histórico de litígios da matéria entre fisco e contribuinte. No entanto, o PLP 68/2024 previu, em lugares distintos, restrições de natureza tributária, financeira e administrativa a essa compensação dos benefícios fiscais que serão extintos.

Deve-se buscar responder a seguinte indagação: a compensação contida no PLP 68 atende ao disposto no art. 12 da EC 132 e demais dispositivos constitucionais e do sistema tributário?

Para fazer essa análise, é relevante entender que existe uma competência para instituir tributo, cujo verso é a competência para conceder benefícios tributários.

São premissas constitucionais da compensação do fim dos benefícios fiscais: (i) princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e da cooperação (§ 3º do art. 145); (ii) princípio da neutralidade (§ 1º do art. 156-A); (iii) garantia ao direito adquirido (inciso XXXVI do art. 5º); (iv) princípios da legalidade, moralidade e eficiência (art. 37); e (v) sobreprincípio da segurança jurídica.

A disciplina do benefício tributário, incluindo suas limitações, sua concessão e sua revogação, pressupõe, em primeiro lugar, a análise da competência para instituir tributo, cujo verso é a competência para conceder benefícios tributários. Por consequência, o tema perpassa pelos princípios constitucionais, que, juntos, fortalecem a proteção do bem maior: a segurança jurídica.

Além da dimensão estritamente constitucional, é necessário analisar o investimento e a expectativa do contribuinte, consolidados em um compromisso jurídico com o Poder Público de que seria dispensado um tratamento tributário diferenciado e mais vantajoso para a sua atividade econômica. Legislação que revogue negócios jurídicos válidos, vigentes, eficazes e com prazo certo é inconstitucional ou deve reparar os prejuízos que causa. Isso porque nem mesmo ao Estado é dado causar prejuízo a alguém, sem o respectivo dever de indenizar.

Portanto, é fundamental à prevenção de litígios decorrentes da reforma tributária que o art. 12 da EC 132 preveja a compensação dos contribuintes pela perda dos benefícios fiscais. Contudo, compensação, sob qualquer ótica, significa saldar obrigações certas, líquidas e equivalentes.

A compatibilidade da compensação com a perda do benefício fiscal deve ser garantida pela legislação que regulamente o art. 12 da EC 132. Para isso, deve prever que: a perda seja classificada como dano emergente, afastando a tributação pelo IRPJ, CSLL, IBS e CBS; o valor da indenização seja atualizado pela Selic desde o momento da mensuração até o seu pagamento, inclusive, enquanto perdurar eventual contencioso administrativo a seu respeito; as condições para recebimento da compensação sejam exatamente as mesmas que estão previstas no ato normativo que concedeu o benefício fiscal.

Por fim, ainda que seja elogiosa a atribuição do dever de indenizar à União – pois essa função será melhor cumprida por quem, historicamente, sana suas obrigações legais –, não pode haver previsão de ampla delegação de atribuições regulamentadoras para a Receita Federal. Do contrário, renovam-se os riscos de proliferação de litígios sobre a matéria em foco.

Reformas tributárias são oportunidades para valorizar acertos e minimizar erros. É um acerto digno de elogio prever na Constituição da República a compensação pelo prejuízo causado àqueles que confiaram no Estado brasileiro – pactuaram ajustes tributários onerosos e com prazo certo – e viabilizaram investimentos significativos que levaram riqueza e desenvolvimento as mais variadas regiões do país.

Com essa previsão, ficou evidente o aprendizado com experiências passadas, nas quais o poder público cancelava incentivos fiscais onerosos e com prazo certo e se recusava a fazer a adequada compensação.

O Estado era, invariavelmente, chamado a pagar indenizações multibilionárias. O acerto da Constituição da República foi transformado em erro no PLP 68, que previu, em lugares distintos, restrições de natureza tributária, financeira e administrativa. É o momento de corrigir este equívoco, aproveitando a determinação constitucional, para evitar que o Estado brasileiro seja novamente chamado a pagar indenizações multibilionárias.

Se isto não for feito agora, seguramente será feito pelo Judiciário, porém, com juros, multa e enorme incerteza empresarial e para as contas públicas.

Restrições tributárias, administrativas ou financeiras, prescritas sob o argumento de regulamentar a disposição constitucional, mas que impeçam a fruição total ou parcial da compensação, são inválidas[2]. A necessária contrapartida pelo dano sofrido, tendo ela natureza tributária, financeira, administrativa, ou de qualquer outra ordem, que for inválida, ensejará litígio entre fisco e contribuinte, com chance provável de vitória do contribuinte.

Para evitar isso é necessário que: (i) a compensação prevista no art. 12 da EC 132 tenha natureza de indenização por dano emergente, de forma a (ii) não ser tributada pelo IRPJ, CSLL, IBS e CBS, (iii) e que seja devidamente atualizada pela Selic. Ainda, (iv) as condições onerosas para acesso ao FCBF não podem extrapolar aquelas previstas no ato normativo concessivo. Por fim, (v) devem ser fixados critérios objetivos para que as atribuições delegadas à Receita Federal sejam, puramente, fiscalizatórias.


[1] Sobre a questão: (i) CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 32. ed. São Paulo: Noeses, 2022. pp. 534-535; (ii) COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário – Constituição e Código Tributário Nacional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. p. 318; (iii) BRITO, Edvaldo. Direito Tributário e Constituição – Estudos e Pareceres. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2016. pp. 426-427; (iv) SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 689; (v) BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. Isenção tributária. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v. 1, n. 2, p. 661–667, 1945. DOI: 10.12660/rda.v1.1945.8485. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/8485. Acesso em: 24 set. 2024; (vi) CAMPOS, Francisco. Parecer, Revista Forense, vol. 133, pág. 361 (Rio 1951), reproduzido em Direito Constitucional, cit., vol. 1, pág. 273; (vii) SOUSA, Rubens Gomes de. A reforma tributária e as isenções condicionadas. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v. 92, p. 373–391, 1968. DOI: 10.12660/rda.v92.1968.31504. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/31504. Acesso em: 24 set. 2024; (viii) FAGUNDES, M. Seabra. Revogabilidade das isenções tributárias. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v. 58, p. 1–10, 1959. DOI: 10.12660/rda.v58.1959.20187. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/20187. Acesso em: 24 set. 2024; (ix) FALCÃO, Amilcar de Araújo. Isenção tributária – Pressupostos legais e contratuais – Taxa de despacho aduaneiro. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v. 67, p. 317–340, 1962. DOI: 10.12660/rda.v67.1962.22867. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/22867. Acesso em: 24 set. 2024.

[2] A regulamentação do FCBF, via PLP deve respeitar as premissas constitucionais, legais, jurisprudenciais e doutrinárias dos benefícios fiscais. Compensar significa quantificar e saldar dívidas equivalentes.

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