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Charles Goodhart, economista inglês e professor na London School of Economics, criticou na década de 70, a insistência do Governo Thatcher em buscar limitar o volume de agregados monetários na economia. A partir de suas críticas foi cunhada uma máxima que “when a measure becomes a target, it ceases to be a good measure”. O esforço da OCDE para estabelecer uma alíquota mínima de 15% incorre neste exato problema e, portanto, parece ser a semente capaz de produzir ainda mais oportunidades de arbitragem e ineficiência no direito tributário internacional.
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As regras do Pilar Dois, lançadas pela OCDE em 2021, fazem parte da solução para enfrentar os desafios da digitalização da economia, acordada por 137 jurisdições membros do Inclusive Framework da OCDE/G20. Essas regras foram projetadas para garantir que multinacionais paguem um imposto mínimo global (GloBE) de 15% sobre os seus lucros em cada jurisdição onde operam. Cerca de 36 países já adotaram normas acima e espera-se que outros 20 o façam a partir de 2025.
Cenário Brasileiro – MP 1.262/24 e IN 2.228/24
Diante desse cenário, o Poder Executivo editou a Medida Provisória (MP) nº 1.262/24 e a Instrução Normativa (IN/RFB) nº 2.228/24. Referidas normas visam o fortalecimento das receitas públicas e a redução do déficit fiscal atual, refletindo um esforço estratégico para estabilizar a situação fiscal do governo. O Ministério da Fazenda projeta um aumento na receita tributária de R$ 3,44 bilhões em 2026, R$ 7,28 bilhões em 2027 e R$ 7,69 bilhões em 2028.
Em termos objetivos, os diplomas legais estabelecem no ordenamento brasileiro o conceito de “Qualified Domestic Minimum Top-up Tax” (QDMTT) desenvolvido pela OCDE, que prioriza a jurisdição onde os lucros são gerados para a tributação mínima sobre a renda. Se a carga tributária não for aplicada no Brasil, outras jurisdições poderão exigir a tributação sobre os lucros obtidos no país.
Além disso, os textos refletem as diretrizes da OCDE, assegurando que o Adicional de CSLL pago no Brasil possa ser utilizado como compensação direta contra o imposto mínimo que outras jurisdições possam vir a cobrar (conhecido como Top-up Tax).
Entidades-alvo das normas brasileiras
A norma abrange empresas no regime de lucro presumido de grupos multinacionais e fundos de investimento com receitas acima de 750 milhões de euros. Fundos de investimento, joint-ventures e entidades com participação minoritária de grupos multinacionais podem ter apuração separada.
Metodologia de cálculo e aplicação da norma
De acordo com as regras apresentadas, empresas brasileiras devem calcular a tributação efetiva considerando: (1) tributos sobre a renda ajustados por diferenças temporais nas demonstrações financeiras; e (2) lucro líquido ajustado por itens específicos, resultando no lucro Globe.
A alíquota efetiva (AET) é a divisão dos tributos pelo lucro Globe. Se a AET for menor que 15%, a diferença será aplicada ao Lucro Excessivo, que é o lucro Globe ajustado por investimentos em ativos tangíveis e folha de pagamento. O tributo resultante (“QDMTT”), será, conforme mencionado, um adicional à CSLL.
A Receita Federal do Brasil (RFB) argumenta que, sem o QDMTT, o tributo será cobrado no país da empresa controladora ou no país de outra empresa do grupo, conforme as regras da OCDE.
Vigência da Norma
A MP nº 1.212, válida a partir de 1º de janeiro de 2025, estabelece o pagamento do adicional da CSLL a partir de 2026. Se aprovada pelo Congresso e sancionada até dezembro de 2024, evitará discussões sobre prazos de anterioridade.
Se a aprovação ocorrer em 2025, haverá debate sobre o prazo correto: a CSLL, como contribuição social, segue o prazo nonagesimal, mas seu fato gerador é complexo como o IRPJ, sujeito à anterioridade geral. A tendência é seguir o prazo nonagesimal, resultando em efeito retroativo.
Competitividade internacional, QRTCs e incentivos tributários
O Brasil oferece uma variedade de incentivos tributários para estimular determinadas atividades e setores que diminuem a alíquota efetiva do IRPJ e da CSLL. Por conta disso, o país pode ser considerado uma jurisdição de baixa tributação, com alíquotas efetivas inferiores a 15%, dependendo dos incentivos fiscais disponíveis.
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A RFB destaca a necessidade de ajustar benefícios fiscais existentes, como a isenção de 75% do IRPJ para empresas nas regiões da SUDAM e da SUDENE, sugerindo que esses benefícios sejam convertidos em créditos financeiros. Exemplo recente é o Programa Mover, que concede créditos financeiros para atividades de pesquisa e desenvolvimento, registrados como receita operacional e tributados regularmente.
Todavia, se a legislação federal for ajustada para que benefícios fiscais sejam tratados como receitas operacionais, o incentivo será reduzido pela tributação do IRPJ e CSLL e isso pode acarretar aumento de carga tributária para empresas não sujeitas às regras do Pilar 2, salvo se forem permitidas compensações.
As orientações acima da RFB seguem uma linha de entendimento da OCDE em relação aos Créditos Tributários Reembolsáveis Qualificados (“Qualified Refundable Tax Credits – QRTC”). Por meio do QRTC, a OCDE busca determinar características que incentivos em diferentes jurisdições deveriam ter para não resultassem na redução do AET.
De acordo com a OCDE, QRTCs são tratados como receita para fins de Pilar 2, ao invés de serem refletidos como uma redução nos tributos. Trata-se de um crédito reembolsável pago em dinheiro ou equivalente em dinheiro dentro de quatro anos a partir da data em que uma entidade satisfaz as condições para receber o crédito. Pelas regras da OCDE, esse crédito não pode ser usado para reduzir tributos e não deve ser limitado a uma ‘obrigação tributária’ específica.
Contudo, a tese da OCDE parece esbarrar na engenhosidade humana. Ao criar uma marca d’agua a ser perseguida, os 15% de AET, e um mecanismo que permitiria sua persecução, o QRTC, as Regras GloBE devem enfrentar cada vez mais resistências dissimuladas de países formalmente aderentes. Não por outra razão, o Governo da Ilha de Bermuda, em novembro de 2023, ao abrir uma consulta pública para adoção das Regras GloBE confirmou estar desenvolvendo um pacote robusto de QRTCs. Mais recentemente, Singapura introduziu o Refundable Investment Credit (RIC), sendo que o programa foi criado expressamente para substituir os mecanismos anteriores de incentivo a investimentos.
No Brasil, temos vasta experiência com os movimentos e contramovimentos da Guerra Fiscal entre os Estados. As políticas de incentivo incluem a redução ou eliminação do ICMS, como reduções de base de cálculo, isenções, anistias, remissões, crédito financeiro e crédito presumido.
Com o tempo, esses mecanismos se sofisticaram para (i) evitar glosas de crédito ao transferir mercadorias para outros Estados ou o Distrito Federal, e (ii) prevenir questionamentos judiciais por outros entes. Ainda observamos, atualmente, incentivos fiscais que envolvem, inclusive, agentes financeiros contratados por meio de licitação para financiar parte significativa do ICMS devido.
No plano internacional, um movimento similar pode ocorrer, na medida em que jurisdições venham a observar a aplicação das Regras GloBE e os QRTCs. De acordo com as regras da OCDE, não há vedação para algumas das mais criativas estruturas pensadas para incentivar a ida de contribuintes a Estados, no âmbito da Guerra Fiscal.
As próprias instituições financeiras nacionais, agências de fomento e fundos soberanos, poderiam vir a ocupar esse papel de financiadores dos respectivos tributos sobre a renda das respectivas jurisdições. Financiamentos desta natureza poderiam evitar algumas das limitações impostas aos QRTCs (prazo máximo de devolução, transferibilidade, liquidação em caixa em prazo de até 4 anos).
Diante disso, à luz da competitividade internacional, autoridades administrativas devem estar atentas aos movimentos de diferentes jurisdições que tentem abusar do mecanismo de QRTC ou mesmo criar mecanismos com o mesmo efeito final, mas ilimitados. Esse movimento pode implicar, em último caso, em afastamento de grupos multinacionais do Brasil para se instalarem em outras jurisdições com tratamento fiscal mais favorável.
Reflexos no planejamento e contencioso tributário
Além disso, o planejamento tributário deve levar em conta as regras do Pilar 2, tanto em fusões e aquisições quanto em reorganizações societárias. Na aquisição de participações societárias, a legislação permite que o comprador registre a diferença positiva entre o valor pago e a participação no patrimônio líquido ajustado a mercado. Esse ágio pode ser amortizado em até cinco anos após a incorporação da adquirente na adquirida, reduzindo a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
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Como o ágio não é uma despesa contábil, mas uma exclusão na base de cálculo dos tributos, sua amortização reduz a despesa tributária sem impactar o lucro Globe, o que pode diminuir as taxas efetivas. Isso pode levar a empresa a recolher a diferença no top-up tax via adicional da CSLL, anulando ou reduzindo a economia gerada. Além disso, estruturas envolvendo ágio podem enfrentar riscos de autuação e multas agravadas.
Outro ponto relevante se relaciona com o contencioso existente no país. A partir de 2025, contribuintes sujeitos ao adicional da CSLL devem considerar os efeitos do Pilar 2 ao decidir participar de contenciosos envolvendo IRPJ e CSLL. Por exemplo, a Lei nº 14.789/23, passou a tributar pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS os benefícios de ICMS concedidos pelos estados, antes isentos. Muitas empresas entraram com ações judiciais para manter a isenção.
Se uma decisão final for favorável ao contribuinte, ele poderá recuperar os tributos pagos desde 2024. No entanto, isso reduzirá a alíquota efetiva do período em comparação com o lucro Globe, podendo anular o benefício do processo. Essa questão se aplica ao IRPJ e CSLL, enquanto outros tributos terão suas recuperações registradas nas linhas próprias, afetando o lucro líquido e o lucro Globe.
Conclusão
A MP nº 1.262/2024 e a IN nº 2.228/24 marcam um passo significativo na adaptação do sistema tributário brasileiro às normas internacionais, com o objetivo de garantir uma tributação mínima global de 15%. Com a introdução do Adicional da CSLL, o Brasil se alinha aos esforços da OCDE e do G20 para combater a elisão fiscal praticada por grandes multinacionais.
Para assegurar que a norma será efetivamente revisada pelo Congresso Nacional, foi submetido o Projeto de Lei (PL) nº 3817/24, contendo o mesmo teor da Medida Provisória em questão. Se a Medida Provisória for devolvida por falta de urgência, o projeto será então avaliado.
Assim como Charles Goodhart alertou sobre os perigos de transformar medidas em metas, a implementação das regras do Pilar 2 deve ser cuidadosamente monitorada para evitar que a busca por uma alíquota mínima global de 15% crie oportunidades de arbitragem e ineficiências no sistema tributário internacional. Além disso, é crucial garantir que essas regras não prejudiquem a competitividade internacional do Brasil na atração de investimentos. As autoridades brasileiras devem estar atentas a esses desafios para estabelecer uma política fiscal competitiva que estimule o desenvolvimento econômico e social do país.