Concessão de parques: como a correta alocação de riscos pode viabilizar projetos?

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Os parques urbanos são espaços públicos com vegetação, situados dentro das cidades, frequentemente visitados pela população para a prática de esportes, atividades recreativas e entretenimento, além de servir como uma oportunidade para contato com a natureza em ambientes urbanos.

Em geral, esses equipamentos são administrados por municípios e estados, mas há alguns anos projetos de concessão da operação e manutenção dos parques urbanos à iniciativa privada foram estruturados em várias cidades do país.

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Segundo dados da Radar PPP, atualmente há 19 contratos de concessão de parques urbanos assinados no país, sendo que em 16 (84%) deles o Poder Concedente é um ente municipal. O município que mais possui contratos assinados é São Paulo, com dois. E o estado com mais contratos assinados é o Rio Grande do Sul, com quatro.

De acordo com informações coletadas pelo Instituto Semeia, consolidadas no documento Parques do Brasil Percepções da População – Edição 2024, em que foram entrevistadas 1.539 pessoas de 10 capitais do país, algumas percepções são notáveis:

59% dos entrevistados acreditam que as concessões são a alternativa mais adequada para melhorar a manutenção, gestão e serviços nos parques;
30% dos entrevistados dizem que a maior barreira para visitar os parques urbanos de sua cidade é a distância de casa;
87% das pessoas tem como principal motivação para visitar os parques sair de casa para passear ou descansar ou relaxar;

Até recentemente, essa agenda de concessões de parques urbanos era inexistente no país. No entanto, a partir de 2018, os primeiros contratos para gestão, operação e modernização de parques urbanos foram assinados.

Com o amadurecimento do setor, as modelagens foram se alterando e sendo  aperfeiçoadas. Um dos principais pontos a serem observados, mas que em muitos casos é negligenciado em contratos administrativos de longa duração, como ocorre em concessões e em parcerias público-privadas, é a alocação de riscos.

O risco pode ser definido como a probabilidade mensurável de que o resultado real se desvie do resultado esperado ou provável, de acordo com a OCDE. De forma genérica, a doutrina afirma que “a alocação de riscos adequada é aquela em que o risco é alocado para quem melhor consegue absorvê-lo”.

A alocação de riscos possui uma função prática e objetiva – para possibilitar o melhor desempenho da concessão –, que passa por atribuir o risco à parte que tem melhor condições de lidar com ele, em vez de alocá-lo simplesmente à parte responsável pela ocorrência do evento[1]. Isso significa que as concessões não são contratos simplesmente “por conta e risco” do privado em relação a todos os aspectos que possam representar riscos à execução contratual, mas devem observar a melhor alocação para a maior eficiência do contrato ao longo do tempo.

Como se sabe, contratos de concessão são intrinsecamente incompletos, uma vez que sua complexidade e duração tornam impossível a previsão de todos os eventos que podem impactá-lo, bem como das consequências exatas de cada evento na hipótese de sua materialização. Por isso, é preciso considerar que “contratos complexos e de longo prazo são estruturas normativas incompletas por natureza, cujas lacunas não podem ser previamente integradas em razão dos custos de transação necessários para se realizar essa tarefa serem proibitivos e da racionalidade dos agentes ser limitada”[2].

A racionalidade limitada dos agentes envolvidos na estruturação e celebração dos contratos de concessão diz respeito a uma natural impossibilidade de se prever eventos futuros e incertos que podem ocorrer durante a execução contratual. Isso não significa, porém, que não se deve estruturar uma matriz de riscos do contrato ou mecanismos de integração de lacunas deliberadamente colocadas no contrato ou riscos não previstos inicialmente.

Assim, a prévia estruturação da matriz de risco é um “elemento de estabilidade e de previsibilidade da relação negocial, enquanto mecanismos de integração ex post de lacunas asseguram a flexibilidade e a adaptabilidade requerida frente às contingências possíveis de materialização durante a execução contratual”[3].

Como exemplo da importância de uma matriz de riscos bem definida, podemos citar o recente caso da BR-381 em Minas Gerais, uma rodovia de 304 km de extensão que liga Belo Horizonte a Governador Valadares. Foram feitas diversas tentativas fracassadas de se licitar a concessão, no entanto, entendia-se que havia importantes riscos que estavam sendo mal alocados. Foram excluídos trechos com previsão de ampliação de capacidade e melhoria de pavimentação, impactando positivamente o retorno do projeto e atenuando riscos ambientais e de obras. Como consequência, a concessão tornou-se mais atrativa e, em agosto de 2024, foi realizada uma licitação bem-sucedida com dois grupos apresentando propostas.

Este é um bom exemplo de que embora o projeto estivesse bem estruturado, era necessário fazer ajustes na alocação de riscos. Mesmo que pontuais, tais ajustes permitiram destravar o projeto de forma a torná-lo viável.

Para a agenda de parques, os principais riscos estão associados à demanda e ao licenciamento, sendo este último relacionado a eventuais dificuldades da concessionária em obter licenciamento ambiental para fazer obras civis de melhoria e modernização do equipamento.

Exemplificativamente, podemos supor que a concessionária vencedora tenha a intenção de instalar uma roda gigante dentro do parque e que este equipamento permite gerar entre 50% e 70% de todas as receitas da concessão. Caso a concessionária não consiga licenciar este equipamento por qualquer motivo, seja junto ao patrimônio municipal ou estadual, por alguma vedação ou mesmo do ponto de vista ambiental devido à intervenção em si, a concessão corre sério risco e provavelmente nem um reequilíbrio econômico-financeiro do contrato seja suficiente para salvá-la.

Neste exemplo hipotético, para ambos os riscos, é fundamental haver uma previsão bem explícita de alocação de riscos para o Poder Concedente no caso do risco de licenciamento ambiental e haver uma previsão de compartilhamento ou mesmo alocação de risco de demanda para o Poder Concedente. A inexistência de uma matriz de riscos adequada será fundamental para este projeto prosperar durante a fase licitatória.

No caso dos parques urbanos, o já mencionado estudo do Instituto Semeia revela que, na categoria “Serviços aos usuários”, ainda que se tenha uma boa avaliação geral, há ainda um importante potencial de melhoria nos quesitos “Atividades e equipamentos de lazer disponíveis a visitantes”, “Serviços de alimentação e bebidas” e “Canais de atendimento entre o cidadão e a administração do parque”. Já na categoria “Zeladoria”, o potencial de melhoria concentra-se nos quesitos “Iluminação e segurança dentro do parque” e “Manutenção da infraestrutura básica”, embora haja também uma boa avaliação geral.

Isso significa que, ao buscar melhorar a experiência do usuário nos parques para atrair mais pessoas, haveria uma mitigação do risco de demanda mediante a ampliação da oferta de serviços e incremento na infraestrutura dos parques. Contudo, isso só poderá ocorrer caso o projeto permita a realização de investimentos nesse sentido e o licenciamento tenha regras claras aos eventuais interessados, com uma alocação de riscos segura ao Poder Concedente e ao parceiro privado.

Portanto, a alocação de riscos bem feita em projetos de concessão de parques urbanos não apenas funciona como instrumento de maior previsibilidade e segurança às partes, como cumpre também uma função de incentivo e atratividade ao privado para explorar adequadamente as potencialidades dos parques. Já para os eventos de fato imprevisíveis e incertos, é necessário que o contrato conte com flexibilidade e instrumentos de integração de lacunas, compatibilizando os riscos à parte que de fato melhor pode suportá-lo, para maximizar a satisfação do interesse público envolvido.

[1] SILVA, Fabiane Tessari Lima da. Alocação de riscos em contratos de concessão comum e de PPPs – Do rebus sic stantibus ao Pacta Sunt Servanda? In: R. de Contratos Públicos – RCP. Belo Horizonte, ano 3, n. 5, mar./ago. 2014, p. 43.

[2] DE FREITAS ROSA, Luís Fernando. Contratos incompletos e infraestrutura: Uma perspectiva entre direito e economia na análise de contratos complexos e de longo prazo. Revista Simetria do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, [S. l.], v. 1, n. 10, p. 208, 2022. DOI: 10.61681/revistasimetria.v1i10.153. Disponível em: https://revista.tcm.sp.gov.br/simetria/article/view/153. Acesso em: 27 ago. 2024.

[3] Ibidem, p. 209.

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