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Talvez a discussão mais polêmica acerca do crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha (Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência) diga respeito à possibilidade ou não da aplicação do consentimento da ofendida como causa supralegal de exclusão da tipicidade. Não é incomum, durante a instrução e julgamento de ações penais envolvendo o crime de descumprimento de medidas protetivas fixadas com base na Lei Maria da Penha, a visualização da referida tese defensiva, e isso ocorre por inúmeros motivos.
A linha argumentativa é geralmente verificada em casos em que o autor do crime previsto no art. 24-A da Lei 11.340/2006 não é surpreendido em situação de flagrância. Em tais hipóteses, a informação acerca da transgressão da ordem judicial costuma chegar até as autoridades do Estado apenas em um momento posterior ao ato, o que abre espaço a mudança de versão pela mulher em situação de violência doméstica durante seu depoimento em juízo. E esta mudança de depoimento da vítima em juízo pode ocorrer pelas mais variadas razões.
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A mulher em situação de violência doméstica está imersa em um ciclo de violência, fenômeno desenvolvido academicamente pela psicóloga norte-americana Lenore Walker[1], composto por três fases: i) aumento de tensão; ii) ataque violento (ou agressão); e iii) lua de mel. Os três estágios se retroalimentam, havendo inclusive quem defenda a mudança da expressão “ciclo da violência” para “espiral da violência”[2] uma vez que, a cada perfazimento das três fases desenvolvidas originariamente por Walker, os atos de violência doméstica e familiar contra a vítima retornam de forma mais acentuada e intensa. A ofendida, contudo, permanece enclausurada no relacionamento, não à toa, a doutrina convencionou chamar de “síndrome da mulher enclausurada”[3] o resultado desta equação tóxica.
Somado a esse fator principal, a morosidade do Estado em investigar e processar a grande quantidade de feitos atinentes ao tema do enfrentamento à violência contra a mulher – que parece ser pouco influenciado pela regra de tramitação prioritária contida na LMP (art. 33, parágrafo único) e mais recentemente também acrescida no Código de Processo Penal (art. 394-A do CPP) pelo Pacote Antifeminicídio – contribui para diversos cenários:
- a reconciliação do casal;
- o “perdão” (expressão utilizada aqui de forma coloquial) da vítima ao acusado;
- o desinteresse da vítima no desfecho da situação; e
- a construção de novos relacionamentos amorosos pela vítima e pelo acusado com pessoas diversas.
Tratando deste tema, no ano de 2019, o Superior Tribunal de Justiça iniciou um movimento em sua jurisprudência para admitir a possibilidade do consentimento da ofendida como elemento apto a excluir o dolo do agente, tornando-o fato atípico.[4] Dois anos mais tarde, a Corte afirmou que “se o descumprimento de medidas protetivas foi informado ao juízo pela própria vítima, infere-se que a aproximação do réu até esse momento não foi consentida, ficando afastada qualquer ilegalidade ou teratologia no ato judicial que manteve a condenação”.[5]
Nessa segunda interpretação do STJ, é plausível inferir, a contrario sensu, que caso a aproximação fosse consentida, seria possível o afastamento do dolo do agente, tornando-o fato atípico. Havia, até 2021, tão somente estes dois precedentes a respeito do assunto na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, e que, embora apontassem para um caminho, não concluíam de forma enfática uma tese a respeito do assunto.
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Em meados de 2023, o tema voltou à tona na jurisprudência da Corte, havendo, inclusive, quem dissesse que o Tribunal finalmente teria firmado uma posição sobre o assunto inarredável sobre o assunto, premissa absolutamente equivocada na opinião deste autor. Na oportunidade, afirmou o Superior Tribunal de Justiça que: “[o] consentimento da vítima para aproximação do réu afasta eventual ameaça ou lesão ao bem jurídico tutelado pelo crime capitulado no art. 24-A, da Lei n. 11.340/2006[6]”.
De início, chamo a atenção dos leitores para uma informação muito singular do precedente mencionado: o caso envolvia um conflito familiar entre mãe e filho que residiam em um mesmo terreno. Não se desconhece que a Lei Maria da Penha é aplicável em tais casos, havendo, inclusive, orientação do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido[7], todavia, por outro lado, sabemos que o tipo penal esculpido no artigo 24-A da Lei 11.340/2006 não foi introduzido pelo legislador pensando exatamente nestas situações, embora também seja possível a caracterização do delito em tais hipóteses.
Em síntese: muito se propagou sobre o “novo” entendimento do Superior Tribunal de Justiça, mas pouco se disse a respeito das peculiaridades do caso subjacente utilizado pela Corte para firmar admitir o consentimento da vítima como elemento apto a excluir a tipicidade do crime previsto no artigo 24-A da Lei Maria da Penha. O acórdão exarado pelo Superior Tribunal de Justiça deve, portanto, ser interpretado cum grano salis.
Discorda-se veementemente da posição adotada pelo STJ no caso. E o argumento para tanto não poderia ser outro: além do caso possuir fatos peculiares e que destoam da maioria dos casos de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher de maneira geral, o crime previsto no art. 24-A, não ofende apenas a integridade física e psicológica da vítima, mas também – e especialmente – a própria administração da justiça, bem jurídico tutelado pelo delito em análise.
A doutrina especializada acerca do tema “consentimento do ofendido” como causa de exclusão supralegal de tipicidade ou ilicitude é clara ao estabelecer uma regra de ouro: não é possível o exercício do consentimento do ofendido em casos envolvendo bens jurídicos indisponíveis,[8] tal como a administração da justiça. Da mesma forma, a posição adotada pelo STJ vai de encontro ao próprio vetor interpretativo previsto no art. 4º da Lei Maria da Penha, enfraquecendo a proteção da mulher em situação de violência doméstica e tornando-a – ainda mais – suscetível a pressões do réu ou de terceiros para uma eventual mudança de sua versão em juízo.
A interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça abre uma verdadeira caixa de pandora no sistema de enfrentamento à violência contra a mulher, subvertendo a sua própria lógica de alicerçada em duas principais premissas: a) a proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e; b) a responsabilização dos agressores. Ao reconhecer o elemento volitivo da vítima como causa supralegal de exclusão de tipicidade, a Corte acabou por criar, ainda que de forma não intencional, uma cláusula supralegal de atipicidade a ser verificada a posteriori.
Conforme já dito, diante dos contextos específicos que permeiam os crimes cometidos em contexto de aplicação da Lei Maria da Penha, mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, grupo de pessoas já reconhecidas pelo próprio Superior Tribunal de Justiça como “hipervulneráveis”[9], passarão a ser alvo de pressões significativas – e de todos os lados (agressor, familiares, terceiros) – para que mudem de versão em juízo e “reconheçam que consentiram” para a aproximação do réu.
Ainda que como uma experiência empírica, posso afirmar, na condição de quem trabalha diariamente no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, que após a publicação do acórdão da 5ª Turma do STJ no ano de 2023, o “consentimento da vítima” vem sendo uma estratégia constante da defesa de acusados pela prática do crime previsto no art. 24-A da LMP. E não se está aqui realizando uma crítica ao exercício do direito de defesa. A preocupação que expresso circunscreve-se ao processo de intimidação, pressão e revitimização ao qual mulheres e meninas vítimas de violência doméstica passaram a ser submetidas em acusações pela prática do crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência fixadas com base na Lei Maria da Penha.
Além disso, levando esse entendimento do STJ às últimas consequências, em casos nos quais as mulheres vítimas de violência doméstica acabam por ceder à pressão exercida pelo agressor, atores do sistema de justiça desprovidos de uma atuação com perspectiva de gênero poderão – de forma absolutamente equivocada na opinião deste autor – requisitar a instauração de inquérito policial para investigação do crime de denunciação caluniosa, consumando, pela via estatal, nova hipótese de violência, desta vez por parte do Estado. Trata-se de uma verdadeira inversão dos valores propostos pelo legislador quando da construção do sistema de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em novembro de 2024, e talvez após a visualização das consequências deletérias que a interpretação fixada pelo Superior Tribunal de Justiça – repita-se: em um caso permeado por inúmeras peculiaridades – poderia impactar no âmago do sistema de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, a Corte revisitou o tema, e desta vez, fixando um entendimento diverso. Ao julgar o Habeas Corpus nº 860.073, a 5ª Turma do STJ fixou a seguinte tese: “o consentimento da vítima não afasta a tipicidade do crime de descumprimento de medida protetiva quando há intimidação”.[10]
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Portanto, havendo intimação da mulher vítima de violência doméstica não há que falar em consentimento da ofendida como causa supralegal de exclusão da tipicidade do crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha. A nova interpretação do Superior Tribunal de Justiça me parece ser mais acertada, já que a Corte, ao formular novo posicionamento, demonstrou preocupação com a proteção da integridade física e psicológica das mulheres e meninas vítimas de violência doméstica.
O entendimento exclui – de plano – a intimidação das vítimas como estratégia defensiva em casos de descumprimento de medidas protetivas de urgência, evita, assim, novos episódios de violência (revitimização) e ainda parece estar mais alinhado ao propósito do legislador quando da idealização do crime esculpido no art. 24-A da Lei Maria da Penha. Em síntese: havendo qualquer vício de vontade no consentimento da ofendida (v.g., coação moral, coação física, intimidação via aplicativo de mensagens etc.), a tese deverá ser rechaçada.
Assim, ainda que minha posição pessoal (e de alguns Tribunais de Justiça)[11] seja pela impossibilidade de aplicação dos aportes teóricos sobre o consentimento do ofendido enquanto causa supralegal de exclusão de tipicidade aos casos de descumprimento de medidas protetivas de urgência, diante do caráter indisponível do bem jurídico tutelado (administração da justiça) pelo crime previsto no art. 24-A da LMP, o Superior Tribunal de Justiça parece ter evitado um mal maior ao se reposicionar a respeito do assunto, passando a inadmitir a tese em casos nos quais o consentimento da ofendida não advém de forma livre, espontânea e desembaraçada, mas mediante processos de intimidação ou qualquer espécie de violência.
Um excelente 2025 a todos os leitores da coluna!
[1] WALKER, Lenore. E. A. The Battered Woman Syndrome. 4. ed. New York: Springer Publisher Company, 2016. p. 22
[2] BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha – Lei n. 11.340/2006 – aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. São Paulo: Saraiva, 2014.
[3] NETO, Ricardo Ferracini. A violência doméstica contra a mulher e a transversalidade de gênero. São Paulo: JusPodivm, 2018. p. 252.
[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 521.622/SC. Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 12/11/2019.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HC 690.491/PR. Rel. Min João Otávio de Noronha, julgado em 07/12/2021.
[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp n. 2.330.912/DF. Rel.Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/08/2023.
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC n. 290.650/MS. Rel.Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 15/05/2014.
[8] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte geral. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p 192-3. No mesmo sentido: PIERANGELI, José Henrique. O consentimento do ofendido na teoria do delito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 100.446/MG Rel. Ministro Marco Aurélio Bellize, Terceira Turma Turma, julgado em 13/11/2024
[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HC n. 860.073/SC. Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/11/2024
[11] DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Acórdão 1245366, 00057834720188070009. Relator: Roberval Casemiro Belinati, Segunda Turma Criminal, julgado em 23/04/2020. No mesmo sentido: PARANÁ. Tribunal de Justiça do estado do Paraná. 1ª Câmara Criminal. Proc. 0020782-46.2020.8.16.0021/Cascavel. Rel. Des. Miguel Kfouri Neto, julgado em 16/12/2022.