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O Sistema Elétrico Brasileiro (SEB) tem características singulares. Conquanto seu parque gerador seja mais diversificado que outrora, a matriz elétrica brasileira todavia segue demasiadamente exposta ao risco associado ao regime de chuvas, aspecto derivado da dependência histórica do Brasil por hidrelétricas. Nesse sentido, a realidade dos fatos revela que a capacidade instalada derivada de fonte eólica tem sido – e será cada vez mais – essencial para a sua diversificação e segurança.
Atualmente, a complementariedade sazonal hidroeólica para oferta de energia elétrica é de suma relevância para a garantia de suprimento, ou seja, para a estabilização sazonal da oferta de energia, considerando o caráter randômico dos regimes hidrológicos. Em outros termos, a combinação hidroeólica é um instrumento de crescente importância para assegurar o fornecimento de energia ao sistema elétrico.
Para além de mitigar os efeitos das recorrentes crises hídricas, como contundentemente evidenciado no ano de 2021, o incremento de energia proveniente da captura eólica, bem como de outras fontes renováveis, é fundamental para a superação dos desafios atinentes à transição energética.
Ademais, embora intermitente, apresenta geração mais uniforme ao longo do dia e fator de capacidade mais alto vis-à-vis outras opções renováveis, de modo que a conjugação de seus atributos explica a crescente relevância da energia gerada com a força dos ventos brasileiros. Enfim, e sem prejuízo da complementariedade com outras fontes renováveis, cuida-se de uma solução efetiva e protagonista para o objetivo de descarbonização.
Sem embargo, invariavelmente sobrevêm questionamentos acerca das externalidades decorrentes dos empreendimentos de geração de energia eólica. Um dos quais acerca dos benefícios econômico-financeiros auferidos pelos municípios onde os parques eólicos são instalados. Legítimas indagações resultam, em certa medida, do desconhecimento dos efeitos tributários resultantes da atividade econômica de geração de energia em prol do fisco municipal que alberga o parque gerador.
É certo que Imposto Sobre Serviços (ISS), de competência dos municípios, incide sobre os serviços de manutenção, seja preventiva, corretiva e/ou preditiva, necessários à operação e funcionamento do parque eólico, bem como sobre os relacionados à sua montagem e configuração (execução de obras civis de vias internas e externas, construções de armazenagem, plataformas de guindastes, fundações das torres nas localizações dos aerogeradores, obras elétricas, etc.).
Todavia, no que concerne às atividades de geração de energia elétrica, propósito dos parques eólicos, aplica-se o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência dos estados e do Distrito Federal. O mesmo imposto indireto alcança a atividade de comercialização dos aerogeradores, que usualmente representa aproximadamente 70% do valor do CAPEX associado aos referidos empreendimentos.
Não surpreende que a dimensão econômica de tais atividades (sujeitas ao ICMS) e os respectivos efeitos tributários sejam de ordem muito mais significativa do que aqueles, atrelados à prestação de serviços (incidentes do ISS). Portanto, ao menoscabo do interesse do fisco municipal – poder-se-ia apressadamente concluir.
Ocorre que o corolário acima é, consoante antecipado, açodado e inconsistente, uma vez que não leva em consideração o aumento da arrecadação municipal resultante do impacto dos parques eólicos sobre o Índice de Participação dos Municípios (IPM). O IPM na arrecadação do ICMS estadual está previsto no incisos IV do art. 158 da Constituição Federal.
Em suma, pertencem aos municípios 25% da arrecadação do imposto do estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. É com base no IPM que o estado repassa aos municípios as respectivas quotas-partes do ICMS arrecadado.
Os empreendimentos eólicos geram substancial incremento na proporção do valor adicionado fiscal (VAF) municipal relativo à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços. O VAF tem na territorialidade critério para sua apuração e conforma a principal variável para distribuição dos aludidos recursos. Seu cálculo encontra-se definido nos §§1º e 2º do art. 3º da Lei Complementar 63/1990. Como indicador econômico-contábil, o VAF espelha o movimento econômico do município.
Em regra, poucos municípios, entre os quais as capitais dos estados da federação, concentram parte substancial do VAF total estadual. Dessa forma, são os receptores principais da parcela arrecadada de ICMS que é direcionada aos municípios via IPM. Por óbvio, a concentração do repasse dos recursos (atrelados à arrecadação de ICMS) em poucos municípios acaba por reforçar o padrão de distribuição e, portanto, de concentração de riqueza entre as municipalidades.
Noutra esteira, dados revelam que a instalação de empreendimentos eólicos contribui sobremaneira para o seu reposicionamento municipal na classificação do VAF estadual. Como provimento de exemplo, os municípios de Santa Luzia e São José do Sabugi, ambos do estado da Paraíba, alçaram, respectivamente, 8ª e 76ª posições após sediarem a instalação de empreendimentos de geração de energia eólica, conforme dados da Companhia de Desenvolvimento da Paraíba (Cinep).
No caso de Santa Luzia, a capacidade instalada foi de 31,5 MW enquanto para o município de São José do Sabugi foi da ordem de 63 MW. O recorte temporal compreende o período entre os anos de 2016 e 2020, antes e após a implantação dos parques eólicos.
Tal alteração foi devidamente refletida na posição de repasse de recursos atrelada ao IPM. Considerando-se a ordem dos montantes de repasse via IPM no ano de 2022 em relação ao ano de 2016, Santa Luzia avançou 9 posições enquanto São José do Sabugi 75 (de 107º para 32º). Vale lembrar que o IPM corresponde à média dos índices apurados nos dois anos civis imediatamente anteriores ao da apuração. O aumento percentual do montante destinado aos municípios foi de 92% e 214%, respectivamente. Antes disso, em 2020 e 2021, houve incremento de receita ainda maior em função do momento da instalação, conclusão e incorporação dos parques eólicos nos municípios.
Importa ressaltar que o incremento do repasse de recursos aos municípios dá-se de forma sustentada durante 20 anos ou mais, ou seja, durante a vida útil dos aerogeradores instalados e a geração de energia a partir da captura dos ventos, uma vez que o fato gerador está associado ao município, sendo, pois, refletido no VAF e, consoante o exposto, no IPM. Cuida-se de uma fonte adicional e perene de arrecadação para municípios que, em regra, são não apenas pequenos (com menos de 15 mil habitantes), mas notadamente desprovidos de recursos, com baixa renda per capita e alta vulnerabilidade econômica.
Para tais municípios, antes da implantação dos parques eólicos, a principal fonte de ingressos derivava dos repasses, sobretudo, do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e, em segundo plano, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e do Sistema Único de Saúde (SUS).
A implantação dos empreendimentos significa, ao fim e ao cabo, deslocamento da movimentação tributária financeira dos grandes centros para os pequenos municípios receptores de tais investimentos, o que contribui para a redução das discrepâncias sociais e econômicas na esfera estadual.
A dimensão do nexo causal pode ser explorada mais detidamente com fundamento em técnicas econométricas conhecidas. Por exemplo, modelos de regressão linear de efeitos fixos – método padrão para estimar efeitos causais a partir de dados em painel. Métodos alternativos, como estimativas com uso de variáveis instrumentais ou diferença-em-diferença escalonada, também podem ser utilizados para avaliar a robustez da causalidade. É válido o desenvolvimento de estudos futuros com esse enfoque (econométrico) à medida que dados possam ser disponibilizados de forma a permitir identificar padrões e vetores de desempenho.
O presente artigo não pretende esgotar a discussão relacionada aos impactos e às externalidades decorrentes dos empreendimentos eólicos. Cuida-se apenas de singela reflexão no campo tributário que, aparentemente, resta ignorada ou inobservada. Consoante mencionado, a relação de causalidade acima exemplificada pode ser evidenciada mediante estudo que abranja o conjunto da totalidade dos municípios brasileiros receptores de empreendimentos eólicos. Evidentemente que os efeitos positivos resultantes dos parques eólicos não estão adstritos ao aumento da arrecadação municipal.
Afinal, a geração de renda derivada do aluguel da terra, a promoção de empregos qualificados necessários às atividades de operação e manutenção, invariavelmente com capital humano local, entre outros aspectos, também contribuem para a evolução do quadro social e econômico dos municípios recebedores dos investimentos eólicos. Muitos desses efeitos podem – e devem – ser maximizados com a conexão entre as comunidades e os parques, sendo essa necessária não apenas após a execução do projeto, mas desde a sua concepção e o início de seu desenvolvimento.
Do exposto, é fundamental que a análise e o debate estejam baseados em fatos e dados e não em meras narrativas que, não raro travestidas de preocupações legítimas, são utilizadas para ancorar interesses obscuros. Uma vez estabelecidos os fatos, opiniões são formadas. Embora importantes, não são capazes de alterar o contexto fático.
Compreender primeiro os fatos e as evidências é fundamental para que o Brasil possa protagonizar a transição energética almejada, qual seja, aquela que é justa e inclusiva.