No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Dando nome à rosa: Pix e as infraestruturas públicas digitais

Spread the love

É preciso reafirmar o óbvio: não há imposto novo. Jamais houve e isso sempre esteve claro. A coordenação de grupos opositores ao governo para atacar a Instrução Normativa RFB nº 2.219/2024 da Receita Federal do Brasil (RFB), revogada no último dia 15 de janeiro, era, sobretudo, política – escorando-se em argumentos contrários a eventual aumento do monitoramento e, portanto, cobrança.

De forma diversa, porém, não é necessário definir vencedores e vencidos, esses já estão claros. A vitória pírrica é da desinformação. E a derrota insolente deitou-se no colo do Governo, que, acariciando suas madeixas, publicou, às pressas, a Instrução Normativa RFB nº 2.247, de 15 de janeiro de 2025, voltando atrás na determinação de que as instituições financeiras e as empresas operadoras de cartão de crédito notificassem à RFB as operações maiores de R$ 5 mil mensais feitas por pessoas físicas e R$ 15 mil por pessoas jurídicas.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

Não dá nem para reclamar da emenda, nesse caso, pois o soneto era decassílabo e de versos sáficos: a norma da Receita foi amplamente debatida, publicada em setembro de 2024 e não representava nenhuma surpresa para o mercado. As instituições financeiras, inclusive, já estavam obrigadas a reportar. Foi um movimento político. Ao revogar a normativa, transmite-se a impressão de que houve um equívoco que precisou ser corrigido às pressas, reforçando as variadas fake news que surgiram. Material para um estudo de caso sobre como a comunicação inadequada pode comprometer a eficácia de políticas públicas.

Isso só contribuiu para agravar a crise de imagem do Ministério da Fazenda e pintar os opositores como vitoriosos. Esses, que aos brados, comemoram como aqueles que, outrora, no Rio de Janeiro, esfaquearam mulas e tombaram bondes contra a criação de um tributo de um vintém sobre as passagens dos veículos coletivos. A Revolta do Vintém, no entanto, ocorrida entre dezembro de 1879 e janeiro de 1880 na então capital, contrariava-se de fato a um novo imposto, o que não há no presente caso. E o que preocupa é que, assim como atacaram os bondes naquele episódio, não podemos deixar que, nesse, a confusão recaia sobre o Pix. O Pix não é (e nem vale) um vintém, não atiremos no pianista.

A fúria pública não há de recair sobre o Pix, pois ele continua sendo extremamente vantajoso, sobretudo para o varejo. Enquanto cartões de crédito cobram de 1% a 5% do valor bruto de pequenos lojistas e demoram até 28 dias para efetuar o pagamento; com o Pix, o dinheiro cai na conta imediatamente. Porém, como o poeta Yates já nos ensinou, “a mente se move no silêncio”, e era necessária uma manifestação ruidosa do Governo Federal no sentido de retirar o Pix do time dos derrotados. Assim foi feito com a Medida Provisória nº 1.288, de 16 de janeiro de 2025.

É um pouco evidente que a MP, editada em 16 de janeiro, foi feita às pressas; mas, a princípio, ela também é eficaz em reafirmar o óbvio. Determina que não incide tributo, seja imposto, taxa ou contribuição, no uso do Pix (a cobrança de tarifas já era vedada pelo Art. 3º da Resolução BCB 19/2020). Também, no Art. 4º, reforça a sua “disponibilidade isonômica e não discriminatória”, seu sigilo e a proteção de dados pessoais, já previstos na Resolução nº 1/2020 do Banco Central (“BCB”), que instituiu o Pix; e nas Leis 12.865/2013, 13.709/2018 e na Lei Complementar 105/2001.

Ainda, a MP 1.288/2025 proíbe a exigência de preço superior, valor ou encargo adicional em razão da realização de pagamentos por meio de Pix à vista. Prática que se tornou recorrente nas últimas semanas – entre 4 e 10 de janeiro de 2025, o número de transações via Pix totalizou 1,25 bilhão, representando uma redução de 10,9% em comparação com o mesmo período de dezembro.

Nesse ponto, a redação legislativa pode levantar debates, ao equiparar, no § 4º do Art. 2º o pagamento realizado por meio de Pix à vista ao pagamento em espécie, para fins de aplicação do disposto na Lei nº 13.455, de 26 de junho de 2017, entende-se que não será possível diferenciar preço entre dinheiro em espécie e Pix, mas possível o é em relação aos outros meios de pagamento.

Uma novidade interessante trazida na MP 1.288/2025, porém – e que se torna ainda mais interessante para este autor que pesquisa o exato tema em seu doutorado – é a definição do Pix como uma “infraestrutura digital pública” com competência normativa do BCB.

Instrumentalizar políticas públicas como crítica ao governo da situação não é novidade. A reforma de Pereira Passos, o Plano Nacional de Alfabetização de João Goulart e Paulo Freire, o Bolsa Família e, mais recentemente, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) enfrentaram resistências semelhantes – umas mais, outras menos justas. Nem ao menos é novidade a politização do Pix. No entanto, há motivos para prever que, da mesma forma como essa não foi a primeira vez que o Pix foi instrumentalizado, também não será a última.

E isso porque, em números absolutos, o Pix funciona. Bateu, em 2024, novo recorde ao somar R$ 26,4 trilhões em volume transferido; crescendo, em comparação com 2023, 54,6%. Estamos falando em um método de pagamento surgido em 2020 e que já é usado por mais de 76% da população – o líder entre os demais meios de pagamento, superando o dinheiro físico.

Mas para além de seu sucesso, há uma indefinição a respeito da natureza jurídica do Pix e da competência sobre ele que gera certo turvamento e que facilita sua instrumentalização em um discurso. É um arranjo de pagamentos? Uma política pública? Um contrato entre as partes? Está sob o BCB? Sob o Governo Federal? É dos bancos?

Vamos às definições: é um arranjo de pagamentos e a própria transação de pagamento instantâneo, conforme definido no XVII do Art. 3º do Regulamento anexo à Resolução BCB 1/2020. Como forma de abranger todo o conjunto de elementos tecnológicos e normativos que viabilizam as transações de pagamento instantâneo, Juliana Bolzani descreve o Pix como um “ecossistema de pagamentos instantâneos”.

Já a competência, mesmo antes da MP 1.288/2025, é do Banco Central, que instituiu o Pix e que está juridicamente autorizado a normatizá-lo de acordo com a interpretação conjunta da Lei 4.595/64, que determina as competências do BCB; da Lei n. 10.214/2001, que instituiu o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB); e da Lei n. 12.865/2013, que confere ao BCB, respeitadas as diretrizes traçadas pelo CMN, competência para disciplinar os arranjos de pagamento. A MP 1.288/2025 acerta ao definir explicitamente a competência do BCB.

Mas ainda uma neblina daquele turvamento persiste. Não seria o Pix uma política pública? Se a competência é do BCB, qual o papel do Governo Federal e por que ele foi tão atacado? E o debate tem se encaminhado no sentido de reconhecer o Pix como uma Infraestrutura Pública Digital.

O termo, que vem do inglês, “Digital Public Infrastructure”, faz referência a um conjunto de sistemas digitais compartilhados que devem ser seguros e interoperáveis, podendo ser construídos com base em padrões e especificações abertos para oferecer e garantir acesso equitativo a serviços públicos (e/ou privados) em escala. Tem a mesma premissa de infraestruturas como estradas ou iluminação pública, mas estruturados e oferecidos no âmbito digital.

O Brasil adotou, no Decreto 12.069/2024, uma Estratégia Nacional de Governo Digital para o período de 2024 a 2027, que define no Art. 4˚, inciso III, o que são infraestruturas públicas digitais (“IPD”), como “soluções estruturantes de aplicação transversal, que adotam padrões de tecnologia em rede construídos para o interesse público, seguem os princípios da universalidade e da interoperabilidade, permitem o uso por diversas entidades dos setores público e privado e podem integrar serviços em canais físicos e digitais”. O decreto até mesmo reconhece duas iniciativas anteriores como IPDs em seu Art. 18, mencionando o Serviço de Identificação do Cidadão e a Plataforma Gov.br.

O Pix, que vinha sendo entendido como uma IPD pela academia, agora o foi formalmente reconhecido por meio do Art. 4º da MP 1.288/2025 (que inverte um dos termos e acaba utilizando a expressão “infraestrutura digital pública” em discordância com as expressões usadas anteriormente pelos outros normativos). A medida provisória não vai além na definição.

Contudo, o que há num nome? Vale aqui a prerrogativa shakespeariana de que a rosa, se não chamasse rosa, teria o mesmo perfume? Ao definir o Pix como uma IPD muda alguma coisa no funcionamento e na estruturação do Pix? Pode-se entender que sim e que não.

Inscreva-se no canal de notícias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões do país!

A princípio, nada muda. Mas ao se definir o Pix como uma infraestrutura pública digital amplia-se seu objetivo inicial, de prover transações instantâneas e reduzir a dependência de dinheiro físico na sociedade, para reconhecer o Pix de fato como uma política pública. Até então, o Pix incidentalmente produziu a inclusão financeira e a participação dos cidadãos na economia. Esses não estavam em seu rol primário de objetivos.

No entanto, reconhecer o Pix como uma IPD abre espaço para repensar seu papel, não apenas como promotor de redução de desigualdades no setor financeiro, mas sua direcionalidade e seus princípios balizadores. É essa reflexão que vem sendo construída e que, infelizmente, não cabe no limite de caracteres desse texto.

De toda forma, não se questiona que o Pix é um sucesso – e deve seguir sendo. Como forma de proteção ao Pix, a MP 1.288/2025 foi um acerto. O questionamento começa a partir de agora. O Pix não seguiu o ciclo comum de uma política pública, mas cada vez mais se apresenta como uma. Seja com ou sem um nome, seguiremos sentindo o seu perfume?

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *