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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) examinará em breve dois recursos repetitivos para definir o prazo para se impetrarem mandados de segurança que impugnam tributos cujos fatos geradores nascem em sucessão de eventos similares – REsps. 2.103.305 e 2.109.221.
Ambos os casos selecionados se referem à validade da lei mineira que estipulou a alíquota do ICMS sobre fornecimento de energia em patamar mais elevado do que a geral. Os autores fundam o pedido na Tese 745 da RG do STF, que veda a adoção de alíquotas majoradas para energia, dada sua essencialidade. O TJMG admitiu a impetração, embora já decorrido o prazo do art. 26 da LMS, se contado da edição da lei majorante do tributo. Os recursos do estado defendem a caducidade das ações.
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Da questão repetitiva
A 1ª Seção do STJ admitiu o caso ao regime de feitos repetitivos para:
Definir o marco inicial do prazo decadencial para impetração do mandado de segurança, com o objetivo de impugnar obrigação tributária que se renova periodicamente.
A Comissão Gestora de Precedentes e a 1ª Seção informaram a existência de, ao menos, 32 acórdãos e 2.828 decisões singulares sobre o tema e apontam sobretudo para a divergência de entendimento entre os colegiados do STJ.
O acórdão de admissão dos casos ao rito dos feitos multitudinários notou que a jurisprudência do STJ apresenta “nuances muito sutis e que levam, muitas vezes, a soluções distintas a depender das características e das consequências do ato impugnado”. Certos acórdãos da 1ª Turma “afastam a decadência para a impetração […] pelo reconhecimento do caráter preventivo do mandado de segurança que visa impugnar obrigação tributária periódica”. Julgados da 2ª Turma, em contrapartida, declararam a “decadência quando o ato normativo tenha operado efeitos concretos, não havendo […] relação jurídica obrigacional de trato sucessivo”[1], “uma vez que o fato gerador da nova cobrança surgiu no momento da edição do ato normativo, o qual passou a irradiar os seus efeitos jurídicos imediatamente, de forma única”[2].
Da necessidade de retificação da premissa de ambas as correntes do STJ
O debate no STJ tem, assim, girado em torno do suposto caráter continuativo das relações de direito tributário subjacentes aos mandados de segurança, cuja decadência se deve aferir. Uma vez admitida ou negada tal premissa, cada corrente do STJ determina o regime da decadência do mandado de segurança: quem entende haver relações de trato sucessivo conclui pela tempestividade do mandado de segurança; quem lhes nega tal qualidade declara a perda do prazo para a impetração.
Nenhum de ambos os conjuntos de julgados parece correto. Tenta-se demonstrar a seguir que o problema não diz respeito a relações de trato sucessivo, como se vê em acórdãos da 1ª Turma. Tal constatação, entretanto, não implica, a contrario sensu, que os motivos declinados pela 2ª Turma sejam exatos.
A grande premissa para a solução do impasse está na necessidade de se distinguirem as três relações jurídicas, em sentido lato, discutidas no caso, de modo a evitar o transplante acidental das características de uma para qualquer das outras. Recordem-se as relações mencionadas, na ordem cronológica em que surgem:
no primeiro plano do direito material, encontram-se os fatos jurídicos, em sentido amplo, nos mais variados domínios do direito privado e do público, por cujo meio se geram, transferem ou cristalizam riquezas. Em geral, com auxílio de negócios jurídicos, mas também atos jurídicos, atos-fatos e dos fatos jurídicos, em sentido estrito.
Ainda no direito material, o legislador converte atos, negócios e atos-fatos de qualquer ramo jurídico em fatos jurídicos, em sentido estrito, ao moldar cada hipótese de incidência tributária, caracterizada por “constituir […], para o direito tributário um fato jurídico, na verdade, um fato econômico de relevância jurídica”[3].
Há, por fim, a relação de direito processual do mandado de segurança, na qual se discute a validade de pretensões fiscais.
A trivialidade da discriminação das três relações jurídicas, em sentido amplo, nem sempre garante a observância de suas consequências jurídicas. Mas a correta solução do problema começa pela diferenciação das três relações e, em especial, das duas de direito material.
As correntes formadas no STJ equivocam-se, ao tratar englobadamente ambas as relações de direito material. Ambas transferem os elementos das relações de direito material do direito privado ou público para a de direito tributário. Sucede que tal automatismo é inválido, dada a diferença entre a estrutura da hipótese de incidência tributária e a das normas dos demais ramos do direito[4]. O fato de certa relação privada ou pública ser pacto continuativo não determina, ipso facto ou ipso iure, que a relação tributária também seja de trato sucessivo.
À falta de imposição constitucional em sentido contrário, o legislador está autorizado a transformar relações privadas ou públicas de trato sucessivo em relações tributárias de prestação imediata. E o Legislativo assim tem procedido.
Analise-se o ponto de vista de cada colegiado.
Contra a ratio dos julgados da 1ª Turma
Relações jurídicas são, em geral, assimiladas aos direitos subjetivos, ou seja, à autorização de que alguém exija, eventualmente por meio judicial, que o sujeito obrigado se comporte segundo a lei[5].
Nesse sentido amplo, não resta dúvida de que o direito estatal a obter tributos é espécie de relação jurídica, porque autoriza o poder público a demandar prestações coativas, como se vê no art. 3º do CTN.
Tributos versus relações de trato sucessivo
Sucede que as chamadas relações de trato sucessivo vão além dessa imediatidade ou do caráter pontual do direito subjetivo. Elas oferecem o melhor exemplo da espécie de relação jurídica caracterizada por ser mais do que a soma do direito subjetivo e do dever jurídico, criados no mesmo contexto objetivo e mais ou menos reciprocamente dependentes[6].
As relações jurídicas, no sentido estrito, estruturam-se como feixe complexo de direitos e deveres, desenvolvidos como organismo ou processo[7]. Três marcas distinguem as relações jurídicas, em sentido estrito, dos direitos subjetivos tributários do fisco[8]:
Direitos e deveres recíprocos versus atos isolados
Nas relações jurídicas, notadamente nas continuativas, os direitos e os deveres não existem isoladamente, mas têm a existência e o conteúdo reciprocamente ajustados, como no arquetípico sinalagma dos contratos bilaterais.
O fundamental nos tributos, sobretudo nos impostos, como se lê no art. 16 do CTN, é a unilateralidade da relação, que autoriza o Estado a obter recursos do sujeito passivo, sem nada lhe retribuir diretamente, num quadro de sinalagma concreto na relação jurídica. Tributos instituem o direito de crédito do fisco e o dever principal do contribuinte de pagar o montante exigido, com frequência acompanhado de deveres acessórios. Quase nunca se tem bilateralidade, impondo deveres ao fisco, em contrapartida imediata da quantia obtida pela tributação. Mesmo as taxas podem decorrer só do uso potencial de serviços públicos, se já não derivarem do poder de polícia, segundo o art. 145, II, da CR, hipótese na qual não há contraprestação, mas sujeição do particular a controles e sanções[9].
Presença ou ausência de sopeso entre bônus e ônus
A relação jurídica, no sentido estrito e sobretudo a de trato sucessivo, exige o sopeso para determinar a adequada distribuição de direitos e deveres entre as partes. Tudo segundo ajuste inicial de equilíbrio entre as partes.
A disciplina tributária nada tem em comum com as relações de direito cujas consequências se repetem em intervalos e se originam de título jurídico único e inicial. A relação tributária é, em quase tudo, um direito subjetivo isolado, que autoriza o poder público a cobrar valores dos contribuintes em episódios únicos. Ainda que, por mera coincidência, a observação prática – mas não a informada pelo parâmetro jurídico da tributação – identifique série de fatos da mesma espécie ocorridos de tempos em tempos, mais ou menos longos. Os direitos tributários não se inserem em teia equilibrada de reciprocidade de direitos e deveres, principais e acessórios, decorrentes de ato inicial, cujos critérios se aplicam periodicamente a atos concatenados entre si e conectados por fonte comum que os disciplina.
Direitos e deveres definidos versus dependentes de condições inicialmente imprevisíveis
As relações jurídicas, stricto sensu, apresentam pluralidade de direitos e deveres principais e acessórios, diferindo o conteúdo de muitos deles até que configurados certos fatos inicialmente imprevisíveis e inumeráveis; em especial, nas relações de trato sucessivo, em virtude de intervalos às vezes longos entre a pactuação e as prestações, sempre com a grande possibilidade do advento de fatos novos.
Já legalidade estrita do art. 150, I, da CR, determina que a lei contenha todos os pressupostos da incidência dos tributos e de sua quantificação. Nada pode ficar para depois ou variar segundo circunstâncias imprevistas no momento da instituição do tributo. E, portanto, não há variação dos critérios, caso a caso. Nem, muito menos, podem ficar em aberto na hipótese de incidência, à semelhança dos pactos do direito privado.
Tributos não são relações de trato sucessivo
A tese da existência de relação de trato sucessivo no âmbito tributário confunde diversos direitos subjetivos individuais do fisco, apenas porque casualmente dotados de conteúdo similar, com atos referidos a causa jurídica unitária, que produz efeitos cíclicos. Justamente por serem moldadas como fatos jurídicos, em sentido estrito, as hipóteses de incidência tributária não se assimilam aos atos, aos negócios jurídicos ou aos atos-fatos, privados ou públicos, que as precedem e se classificam como atos instantâneos ou de trato sucessivo[10]. O direito tributário apanha os atos de geração, transferência ou cristalização de riqueza dos outros ramos do direito e transforma-os em fatos jurídicos, em sentido estrito. Por isso, é indiferente que tais índices de capacidade contributiva surjam num feixe orgânico de direitos e deveres contrapostos, tenham origem comum ou resultem de prestações imediatas e irrepetíveis ou sejam periódicos, na origem privada ou pública.
Aos fins tributários, interessa apenas que, em determinado instante, riquezas se criem, transfiram ou consolidem, nada importando, se em conexão com atos similares ou díspares, anteriores ou posteriores. Tal aspecto da estrutura jurídica da hipótese de incidência do direito privado ou do público desaparece, ao ser transformada em hipótese de incidência do direito tributário, moldada em torno do critério da capacidade contributiva do art. 150, II, da CR.
Assim, um contribuinte pode pagar imposto mortis causa de transmissão de bens numa única vez ao longo de toda a vida, ao herdar a propriedade rural multissecular da família; também deve adimplir o IRPF decorrente da percepção de aluguéis ao longo de anos da locação de imóveis; e afinal está obrigado, por similar estrutura da hipótese de incidência, ao IOF, em decorrência de milhares de operações no mercado financeiro realizadas com segundos de diferença. A periodicidade e a unidade da causa jurídica remota, privada ou pública, são irrelevantes. Cada direito subjetivo fiscal independe do outro
Tributos estruturam-se em hipóteses de incidência imediatas e isoladas. E não se tornam de trato sucessivo, mesmo quando apurados em períodos longos, por não herdarem tal característica dos atos que os precederam em outros domínios jurídicos.
Do falso problema do art. 110 do CTN
Nem se diga que a concepção aqui defendida encontraria obstáculo no art. 110 do CTN: “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
O art. 110 do CTN é irrelevante para a solução do problema,
por não incidir no caso, na medida em que intocadas ambas as finalidades que visa proteger;
se incidisse, não poderia ser objeto de recurso especial, por apenas enunciar matéria constitucional e,
se acrescentasse algo que já não se contivesse no domínio constitucional estudado, seria inválido.
O art. 110 do CTN não regula o tema discutido
A referida norma complementar não incide no aspecto da relação tributária aqui discutido.
O ponto de partida para a compreensão do art. 110 do CTN é o critério teleológico de interpretação. Não apenas por esse parâmetro compõe o cânone hermenêutico, mas sobretudo em virtude do fato de o art. 110 explicitar as finalidades que busca, ao invés de deixá-las subentendidas e entregues à pesquisa do aplicador, como ocorre em geral. A norma circunscreve seu raio de incidência à atividade do legislador ordinário relacionada a dois objetivos: “definir ou limitar competências tributárias”.
O art. 110 do CTN preocupa-se com a definição das competências para evitar conflitos entre os entes federativos por parcelas de receitas públicas.
O art. 110 do CTN busca coibir a manipulação conceitual pelo legislador, para “limitar as competências tributárias” e assim proteger o contribuinte. A norma não fala em delimitar atribuições, no sentido de demarcar a fronteira federativa, para não ser redundante com o “definir”. Ela refere-se a “limitar”, ou seja, impor medida, refrear, conter o poder tributante, agora em prol do sujeito passivo da obrigação.
Considerado o problema do ponto de vista dos interesses estatais, tem-se que:
as hipóteses constitucionais de competência tributária não impõem o critério do ato único para a prescrição ou decadência tributárias, para dizer o mínimo.
Se dúvida subsistir, será a tentativa de dedução do caráter parcial da prescrição ou da decadência, a partir das hipóteses de incidência da lei complementar, quando não da Constituição.
Mas esse aspecto não precisa ser discutido, pois o legislador complementar não editou norma em favor do Estado, determinando que todas as modalidades de decadência tributária se dariam de modo total, como talvez o art. 146, iii, b, da CR lhe tenha facultado. Ao contrário, contentou-se em vedar a distorção legislativa dos padrões constitucionais, apenas para os dois fins assinalados, mas não comprometidos pela disciplina da decadência total ou parcial, a depender da configuração do caso.
Tampouco se precisa debater se a competência para a lei complementar do art. 146, iii, b, da CR autorizaria a edição de norma apenas sobre a decadência de direitos do Estado contra o particular, mas não ao inverso, ou seja, de pretensões materiais e processuais do particular contra o poder público. Dispensa-se saber se isso recairia no domínio do art. 22, i, da CR, relativo à competência para legislar sobre processo.
E, se for assim, leis votadas como complementares são ordinárias, se regularem os campos diversos dos demarcados pela Constituição para a edição de normas complementares[11]. Em consequência disso, qualquer lei ordinária especial ou posterior ao CTN o revogaria, quanto aos direitos processuais dos contribuintes, como ocorre com a vastíssima maioria das hipóteses de incidência posteriores ao CTN.
Daí o problema reger-se pela Lei 12.016/2009 – a LMS, eventualmente informada pela distinção do Dec. 20.910/1932.
A caracterização das hipóteses de incidência tributárias como fatos jurídicos, em sentido estrito, tampouco prejudica o contribuinte, quanto a ambos os objetivos visados pelo art. 110 do CTN, a saber, a divisão de competências tributárias entre as entidades federativas e a contenção do exercício delas em favor dos particulares. Ao contrário, a conclusão de que elas se estruturam como fatos jurídicos isolados, permite a prescrição parcial, sem contaminar a discussão com a ideia de relações continuativas. Os fatos jurídicos individuais podem ocorrer até em cadeia de atos jurídicos continuativos, na perspectiva do direito civil; mas aí se terá mera casualidade tributariamente irrelevante; menos, ainda, para sempre impor qualquer modalidade de decadência ou prescrição. É justamente a independência entre as hipóteses de incidência privada e tributária que lança a base teórica da tese da prescrição parcial.
Assim, o tratamento tributário da renda advinda de uma locação de bens como fato jurídico, ao invés de negócio jurídico privado, não amplia a extensão da norma impositiva, nem merece ser degradado à hipotética fraude legislativa, consistente na equiparação de contratos de locação de longa duração a venda de imóveis, para se tributar a operação com o ITBI.
O art. 110 do CTN não regula a faceta examinada das hipóteses de incidência, quer porque a Constituição não impôs o modelo de decadência total a todos os direitos oponíveis ao Estado, quer porque ele mesmo, o CTN, não se valeu dessa opção, caso deferida pelo art. 146, iii, b, da CR.
O art. 110 do CTN não pode embasar recurso especial
A suposta incidência do art. 110 nem poderia ser apreciada em recurso especial, malgrado as aparências em contrário, por se chegar a disjunção absoluta: ou ele só repete a Constituição ou é inconstitucional. Na primeira alternativa, o recurso especial não é cabível, enquanto na segunda, a norma não regula nenhum caso.
Sem discutir se preceitos constitucionais são normativamente reforçados com a edição de leis complementares, fato é que o art. 110 apenas enuncia duas obviedades dos sistemas jurídicos hierarquizados. De um lado, as normas inferiores não podem contrariar as superiores. De outro, serão inválidas, se o fizerem, salvo se norma superior disser o inverso; algo que não há no Brasil.
Assim como regulamentos não alteram leis, leis não modificam a Constituição. Logo, a constitucionalização de certa matéria retira-a da disponibilidade do legislador – seja ele tributário ou não[12]. As normas constitucionais condicionam as legais, apesar da enorme diferença entre a liberdade de configuração deixada ao legislador e a franqueada ao regulamento ou ao ato concreto de aplicação da lei[13]. O art. 110 não traz, portanto, nenhuma novidade na ordem jurídica brasileira. Ele apenas enuncia o que é do sistema constitucional.
Como o art. 110 do CTN apenas declara dados evidentes da Constituição, incide a jurisprudência do STJ que corretamente nega o cabimento do recurso especial para a discussão de normas similares ao art. 100, que só repetem normas constitucionais[14].
Logo, o recurso especial nem seria o campo para o exame do art. 110 do CTN, dado o caráter constitucional da questão aí subjacente.
O art. 110 seria inválido, se fosse além da Constituição
A eventual conclusão de que o art. 110 do CTN acrescentaria algo à disciplina constitucional da elaboração de leis ordinárias não resolve, mas agrava, o problema, pois tornaria a norma complementar formalmente inconstitucional.
Com a precisão habitual, Kelsen definiu constituição como “a norma positiva ou as normas positivas por cujo meio se regula a criação de normas gerais”[15]. De modo mais analítico, a constituição “é a regra para a criação sobretudo das normas jurídicas formadoras da ordem estatal; a determinação dos órgãos e do processo da legislação é o sentido próprio, original e estrito do conceito de constituição”[16].
Logo, qualquer eventual acréscimo do art. 110 do CTN à disciplina constitucional do modo pelo qual se produzem as leis ordinárias seria inválido, porque invadiria a reserva de constituição. Além de ser redundante, ao dizer que a lei não pode contrariar a Constituição, o art. 110 teria o defeito insanável, por lidar com o processo legislativo regulado no art. 59 e segs. da CR. De modo mais específico, o art. 61 já prescreve como se fazem as leis ordinárias, ao passo que os arts. 97 e 102, i, a, da CR cominam a sanção de nulidade a atos contrários a tais regras. Nessa medida, o art. 110 funcionaria como emenda constitucional, embora desprovido de autoridade para tanto, porque não votado nos termos do art. 60 da CR.
Assim, o art. 110 do CTN seria inválido e nada disciplinaria.
Passos intermediários
O motivo pelo qual se conta o prazo para o mandado de segurança de cada ato fiscal ou da ameaça de sua prática nada tem que ver com relações continuativas.
Daí o equívoco de se extrair a licitude do emprego ilimitado do mandado de segurança preventivo contra exigências fiscais da suposta índole continuativa da relação tributária. Há apenas fatos jurídicos imponíveis singulares, ao invés de redes complexas de direitos e deveres moldadas em um todo orgânico do ato jurídico, como ocorre no direito privado e no público diverso do tributário, onde originados.
Nem por isso se deve concluir pela ilicitude do emprego do mandado de segurança, uma vez decorrido o prazo do art. 23 da LMS, contado do momento no qual a primeira obrigação tributária de determinada espécie se tornar devida, como proclamam julgados da 2ª Turma do STJ.
Contra a ratio dos julgados da 2ª Turma
Também se equivoca o ponto de vista de que o prazo de decadência para o mandado de segurança flui da publicação da norma na qual instituído o tributo ou negado o benefício ao contribuinte, encerrando-se, para sempre, após 120 dias.
Em primeiro lugar, a Súmula 266 do STF desautoriza a conclusão, por interditar o emprego dessa garantia, enquanto a autoridade responsável pela aplicação da norma não se mobilizar para tanto. O enunciado aludido pressupõe faltar, em regra, o interesse do contribuinte para impugnar algo, se a autoridade fiscal não esboçar nenhuma atitude rumo à coação. Não se tem aí excentricidade do mandado de segurança, mas aplicação da regra geral do interesse de agir do art. 17 do CPC.
O problema específico da grande maioria dos mandados de segurança tributários é o lançamento por homologação do art. 150 do CTN, por força do qual o contribuinte deve apurar o montante do tributo, antecipar seu pagamento e aguardar a homologação do ato pela autoridade fiscal. Tal sistemática põe o contribuinte em situação de esquizofrenia jurídica, na qual ele se torna seu próprio coator, por estar compelido a agir não apenas contra seus interesses patrimoniais, mas eventualmente em detrimento do direito positivo. Toda “lei inconstitucional” gravosa ao contribuinte nele implanta um alter ego a serviço da ilicitude fiscal. Tal condição paradoxal do contribuinte pode dar a impressão de que a lei se torna operativa desde logo e, portanto, abre o prazo para a impetração de mandado de segurança repressivo contra ato único.
Cuida-se, entretanto, de aparência enganosa, porque assim não se altera a estrutura individualizada de cada hipótese de incidência tributária. A circunstância de o lançamento por homologação colocar o contribuinte na bifurcação de produzir uma ilicitude contra si ou de impetrar o mandado de segurança é anódina, quanto à caracterização de um fato gerador isolado, a cada transmissão de bem imóvel, a cada mês no qual se apura o ICMS ou a cada exercício anual em que se afere o IRPJ. Mas o caráter isolado do fato gerador é o parâmetro para a aferição da abertura de prazo único ou de prazo novo a cada ocorrência dele.
A circunstância de a coação estatal ser imediata nos tributos lançados diretamente, porém mais remota na homologação do ato do contribuinte, não influi no fato de que, por exemplo, cada uma das milhares de operações no mercado financeiro de grande investidor produz fatos geradores individuais, cuja impugnação por meio de mandado de segurança é limitada por prazo iniciado na data de cada transação. A proximidade ou distância, o caráter direto ou indireto do justo receio da ilegalidade não interferem no prazo do mandado de segurança, porque ele se conta da prática de cada ato, quando repressivo, ou se abre sempre que o contribuinte estiver na contingência de praticar ato ditado por norma que repute inválida.
Dos corolários da premissa do caráter isolado das hipóteses de incidência tributárias
O fato de as hipóteses de incidência tributárias não serem continuativas – mas isoladas – não compromete a conclusão da 1ª Turma pela licitude da impetração preventiva, mesmo depois de decorrido o prazo do art. 23 da LMS, se contado da publicação do ato normativo reputado inválido pelo contribuinte. Ele apenas determina a mudança do fundamento da solução.
Em rigor, a premissa de que cada hipótese de incidência tributária é talhada de forma isolada e, portanto, cada fato gerador faz nascer em prol do fisco um direito subjetivo novo e independente impõe a contagem do prazo a partir da ocorrência de cada fato imponível, na modalidade repressiva, além de permitir a espécie preventiva, sempre que a lei obrigar o contribuinte a uma nova prestação.
A obrigação legal de o contribuinte pagar o imposto e o dever, de ofício, da autoridade fiscal de lançá-lo produzem o justo receio de ofensa de direito subjetivo, a autorizar o emprego do mandado de segurança preventivo, em virtude do art. 5º, xxxv e lxix, da CR.
O contribuinte que se sentir alvo de pretensões fiscais ilícitas tem o direito de impetrar mandado de segurança contra cada uma delas, em defesa de seu direito subjetivo de liberdade patrimonial. E, dado o caráter individual de qualquer fato gerador, o prazo para o mandado de segurança flui a partir da ocorrência de cada um deles ou da expectativa da atuação da autoridade quanto aos fatos futuros.
Nada de novo há nessa ideia. O mandado de segurança presta-se não apenas para impugnar pretensões ilícitas concretizadas, mas também as ameaças de direito surgidas no horizonte, tal como facultado pela parte final do art. 5º, xxxvi, da CR. Seria, aliás, contrassenso que o mandado de segurança, ação constitucionalmente nominada, máxime como direito fundamental, carecesse da modalidade preventiva, embora franqueada a todas as ações não especificadas na Constituição.
Admitida a modalidade preventiva, prazo do mandado de segurança abre-se – não se reabre, porque os fatos geradores são diversos – com a ocorrência ou a iminência de cada um deles. Não só como mecanismo repressor de ilegalidades ocorridas há menos de 120 dias da impetração, mas também como inibidor de exigências posteriores ao ajuizamento da causa. Afinal, existe o dever do contribuinte de pagar tributos especificados em lei e há o dever das autoridades fiscais de lançá-los, determinado pelo art. 142 do CTN. A conjugação de ambas as coisas cria a fundada expectativa de que o aparato estatal demandará do devedor a prestação compulsória do art. 3º do CTN.
Logo, o mandado de segurança pode ser empregado preventivamente, para impedir a cobrança de tributos cujos fatos geradores ocorrerem após a impetração, nada importando que a norma que os criou tenha sido editada há mais de 120 dias[17].
Da tese
A redação da tese suscita algumas dificuldades, a principiarem pelo cuidado necessário para afastar a importação inadequada, para o direito tributário, do modelo dos atos jurídicos continuativos de outros ramos jurídicos. Nesse sentido, a tese não diz respeito à “obrigação tributária que se renova periodicamente”, mas a obrigações tributárias de mesma espécie surgidas de tempos em tempos. Nem chegam a ser periódicas, porque a lei não considera os intervalos definidos em repetições decorrentes de mesma causa jurídica privada ou pública não tributária.
Em decorrência disso, uma redação imaginável assentaria:
O contribuinte pode ajuizar mandado de segurança preventivo para impugnar pretensões fiscais de mesma espécie surgidas periódica, mas independentemente, entre si, ainda que entre o início da vigência do ato normativo do qual se originam e a impetração já tenha decorrido o prazo do art. 23 da LMS.
Parece dispensável anotar, na tese, que tais mandados de segurança preventivos não geram efeitos pretéritos, porque isso já está mais do que assentado na Súmula 271 do STF, que, de resto, não pode ser alterada pelo STJ.
Ao menos duas ressalvas, contudo, devem ser agregadas ao quadro geral.
Do ato único do fisco e da actio nata
Redação demasiado ampla da tese do STJ pode dar a falsa impressão de que o caráter preventivo do mandado de segurança o habilitaria a impugnar mesmo as vantagens futuras que o contribuinte julga ter, ainda que indeferidas pelo fisco.
Está em causa aqui a existência de ato único, por cujo meio o fisco negue ao contribuinte a concessão de vantagem ou a exoneração de dever. Vale aqui a lição da jurisprudência do Dec. 20.910/1932, que só explicita a ideia da actio nata e, portanto, também se aplica ao mandado de segurança: não há sentido cogitar-se de mandado de segurança preventivo, diante de ato de autoridade fiscal que já tenha indeferido pleito do contribuinte.
A resposta desfavorável do fisco a determinada consulta formulada pelo particular ou o resultado adverso de litígio administrativo no Conselho de Contribuintes deve ser impugnada no prazo do art. 23 da LMS. O resultado vinculará ambas as partes, não apenas em relação aos fatos ocorridos durante a tramitação de ambas as espécies de procedimentos administrativos, mas também quanto aos fatos geradores de mesma espécie que venham a ocorrer depois disso.
Apesar de tais fatos serem independentes, o contribuinte já conta com a negativa do poder público e, portanto, já se caracteriza a actio nata para impugná-la e a impedir o uso temporalmente ilimitado do mandado de segurança. Já não mais está em causa a diferença entre os fatos tributários isolados, mas a distinção processual entre mandado de segurança repressivo e preventivo. A prática de ato fiscal peremptório negando algo ao contribuinte representa coação atual e, portanto, afasta a ulterior impetração preventiva. Esta só tem sentido quanto a ilegalidades esperadas, não para impugnar as já ocorridas.
O indeferimento de vantagens fiscais opera de modo similar. A denegação administrativa do pleito de isenção condicionada, pelo inadimplemento dos requisitos para sua fruição, por exemplo, determina o emprego do mandado de segurança, no prazo cujo termo inicial recai no ato único que a indefira, se e enquanto mantidos os pressupostos de fato do benefício.
Suponha-se que a isenção figurada dependa da construção de fábrica, da produção de quantidades de bens ou do emprego de número mínimo de trabalhadores. Se e enquanto não alterada a situação de fato propiciadora do benefício indeferido pelo ato único, novo mandado de segurança não se viabiliza, apenas por que novos fatos geradores ocorreram em períodos demarcados pela lei para o aperfeiçoamento das hipóteses de incidência tributária. A mera repetição de períodos de apuração de fatos geradores independentes da mesma espécie que se pretendia isentos não abre prazo para a impetração, se a vantagem tiver sido indeferida em ato único.
Da novação de fundamento normativo das pretensões do fisco e de cassação das pretensões do contribuinte
A tese anterior merece restrição, na hipótese das impropriamente denominadas modificações de normas.
A analogia corrente com objetos corpóreos aqui é imprópria[18]. A sucessão de leis no tempo não se equipara a casa cuja fachada recebeu novas janelas ou teve algumas delas tapadas[19]. A suposição de que a lei antiga passa a viger com conteúdo parcialmente modificado se equivoca, por só haver duas opções[20]. Na primeira alternativa, a norma antiga continua a viger sem modificações. Na segunda, a norma nova priva a mais velha de validade e desaparece por completo[21].
Malgrado a modificação de leis seja vista como alteração de um corpus legal preservado em parte, o fenômeno real tem outra natureza. Trata-se de técnica abreviada de produção de normas inteiramente novas, pela remissão às constantes de lei antiga, e adição de outras inéditas. Mesmo quando a lei posterior se refere à anterior, não se tem aí a manutenção de pedaços de normas, mas apenas forma encurtada de se editar norma por inteiro nova com conteúdo parcialmente coincidente com a lei anterior[22].
Prova-o a admissão até pela doutrina tradicional de que a revogação da lei posterior não repristina a anterior, mesmo quando ambas tenham idêntico conteúdo[23]. Caso alguma parcela da norma antiga subsistisse, seria reavivada nessa hipótese. Daí a conclusão de não haver revogação parcial de normas, mas a perda total de sua validade, isto é, a cessação integral de sua existência. A ideia da revogação parcial é imagem sem correspondência na essência do fenômeno[24].
Tal motivo parece estar na base da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão sobre seu monopólio para a rejeição de leis inconstitucionais. Em regra, apenas as leis posteriores se sujeitam a tal controle exclusivo, porque a declaração de sua invalidade compromete a autoridade do legislador democrático. Como isso não acontece com as leis antigas, qualquer juízo pode reconhecer-lhes a invalidade.
Sucede que o TCF se reserva a competência exclusiva para a pronúncia de inconstitucionalidade mesmo da normas anteriores à Lei Fundamental, quando o legislador as tiver modificado após a vigência do sistema constitucional de 1949, para usar as imagens correntes[25].
O TCF entende que a mudança na lei velha pressupõe o desejo de confirmação da norma anterior pelo legislador posterior[26]. O dado confirma estar-se diante da edição de nova norma, ainda que com conteúdo parcialmente idêntico ao da velha, ao invés de se ter a modificação da lei. Estivessem em causa duas normas, uma anterior e outra posterior à Lei Fundamental, o controle pelo TCF só seria necessário à declaração de inconstitucionalidade da editada sob a Constituição democrática.
Em virtude da impossibilidade de se assimilarem normas a bens materiais, a edição de regras impositivas novas permite a impetração de mandado de segurança, para se questionar a validade das obrigações nelas criadas ou a licitude da extinção de benefícios nelas deferidos. Ainda que o fisco tenha decidido as relações anteriores de mesma espécie, a partir do ato único. Nessa hipótese, a decisão administrativa baseia-se em norma nova, ainda que de conteúdo idêntico ao da antiga, naquilo em que, em aparência, foi preservada.
Em se cuidando aqui de novação do fundamento de validade normativo das pretensões estatais, o prazo aludido só passa a fluir, quando se discutirem atos primários hábeis, em tese, a alterar tal base. A substituição de atos infralegais – se desprovidos do poder de instituir ou majorar tributos ou extinguir benefícios fiscais – não abre novo prazo para a impetração, pelo óbvio motivo de que o fundamento da pretensão estatal não se alterou. Afinal, regras infralegais não podem instituir ou majorar tributos, exceto nas parcas exceções constitucionais. Tampouco podem revogar benefícios dos contribuintes, exceto, no último caso, se assim autorizado pelo legislador.
Conclusão
Os seguintes enunciados parecem refletir a correta solução do problema:
O contribuinte pode ajuizar mandado de segurança preventivo para impugnar pretensões fiscais impositivas ou o indeferimento de suas pretensões liberatórias, apesar de serem da mesma espécie e surgirem periódica, mas independentemente entre si, ainda que entre o início da vigência do ato normativo do qual se originam e a impetração já tenha decorrido o prazo do art. 23 da LMS.
A diretiva 1 não vale, quando ato único do fisco afirmar a existência de pretensão tributária pelo Estado ou negar a reunião dos requisitos para a exoneração do contribuinte de deveres fiscais.
A diretiva 2 não vale, quando se modificar a norma primária instituidora de deveres ou revocatória de direitos do contribuinte, hipótese na qual se admite o uso do mandado de segurança preventivo para questionar fatos geradores ocorridos durante a vigência da nova norma.
[1] Acórdão da 1ª Seção nos REsps. 2.103.305 e 2.109.221, com a indicação de diversos precedentes em ambos os sentidos.
[2] Despacho da Comissão Gestora, que assim retrata a discrepância entre julgados do Tribunal: “A Primeira Turma compreende que a obrigação tributária periódica configura relação de trato sucessivo, e, portanto, não há que se falar em decadência do direito à impetração do mandado de segurança, por se tratar de ação com caráter preventivo, renovada periodicamente. […]. Ressaltando a aparente divergência, a Segunda Turma assenta que o adimplemento da obrigação tributária, realizada mês a mês, não tem a qualidade de transformar a relação em trato sucessivo, uma vez que o fato gerador da nova cobrança surgiu no momento da edição do ato normativo, o qual passou a irradiar os seus efeitos jurídicos imediatamente, de forma única”.
[3] Falcão. Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 26.
[4] Sem prejuízo da coincidência acidental das estruturas, quando o direito privado ou os ramos não tributários do direito público disciplinarem certo direito em termos de fato jurídico, em sentido estrito.
[5] Cf., por todos, Kelsen, Hans. Reine Rechtslehre. Studienausg. der 2. Aufl. Tübingen: Mohr, 2017, p. 302-30; e Röhl, Klaus; Röhl, Hans Christian. Allgemeine Rechtslehre. 3. Aufl. Köln: Carl Heymanns, 2008, p. 401. Kelsen, ob. e loc. cit. nesta nota, aponta que, em rigor, as relações jurídicas se dão entre duas normas criadas ou aplicadas pelos indivíduos ou entre hipóteses de incidência, de que os comportamentos humanos são um caso especial; mas isso é relevante ao propósito aqui discutido.
[6] Röhl; Röhl, Allgemeine Rechtslehre (nota 5), p. 401.
[7] Röhl; Röhl, Allgemeine Rechtslehre (nota 5), p. 401; no Brasil, cf., por todos, Silva, Clóvis do Couto. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976, passim.
[8] Röhl; Röhl, Allgemeine Rechtslehre (nota 5), p. 401.
[9] Os entes públicos também podem evidentemente ser sancionados pelo poder de polícia, sobretudo numa federação, mas se trata de aspecto menos relevante na discussão ora realizada.
[10] A discussão do problema dispensa saber se existem verdadeiros negócios jurídicos de direito público.
[11] Cf., por todos, a ADC 1, do STF, rel. Min. Moreira Alves.
[12] Miranda, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. v. 1, p. 103: “quando a regra de direito constitucional usa conceito que foi buscado ao direito público não-constitucional, ou ao direito privado, tal conceito não fica dependente das mutações do direito público não-constitucional ou do direito privado. Passa a ser conceito de direito constitucional, e como tal deve ser tratado”. Canotilho, J. J. Gomes; Moreira, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1984. v. 1, p. 17: “Parece evidente que quando a Constituição recebe um determinado conceito legal com um certo sentido, este fica, por assim dizer, ‘constitucionalizado’, deixando de estar à disposição do legislador. […] se o conceito […] foi recebido na Constituição […] com um certo sentido, não pode a lei vir alterar o conceito, de modo a modificar significativamente o sentido do preceito constitucional”. Kirchhof, Paul. Rechtsquellen und Grundgesetz. In: Starck, Christian [Hrsg]. Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz. Tübingen: Mohr, 1976. v. 2, p. 50-107 (73): “o constituinte atribui aos princípios do direito anterior continuidade de vigência com um nível mais elevado. Institutos criados pela lei determinam o conteúdo principal de uma proposição constitucional, quando a Constituição protege o cerne de uma realidade jurídica, como a propriedade, o funcionalismo público, os municípios. […]. Razão de existência deste direito é o direito legal conformador da ordem social; razão de validade é a Constituição” (“Der Verfassungsgeber verschafft den Grundsätzen früheren Rechts Weitergeltung mit erhöhtem Rang. Gesetzlich geschaffene Rechtseinrichtungen bestimmen den Hauptinhalt einer Verfassungsaussage, wenn das Grundgesetz eine Rechtsrealität – etwa das Eigentum, das Berufsbeamtentum, die Gemeinde – in ihrem Bestand schützt. […]. Entstehungsgrund dieses Rechts ist das die soziale Ordnung formende Gesetzrecht; Geltungsgrund das Grundgesetz”).
[13] Cf., por todos, Jestaedt, Matthias. Grundrechtsentfaltung im Gesetz. Tübingen: Mohr, 1999, passim.
[14] Cf., entre inúmeros exemplos, todos com indicações adicionais de precedentes: REsp 1038482, 2ª Turma; AgInt no REsp 1699430, 2ª Turma; AgIntREsp 2.120.586, 1ª Turma.
[15] Kelsen, Reine Rechtslehre (nota 5), p. 399: “Verfassung wird hier in einem materiellen Sinn, das heißt: mit diesem Worte wird die positive Norm oder die positive Normen verstanden, durch die die Erzeugung der generellen Rechtsnormen geregelt wird”. E, na p. 355: “Compreende-se por constituição de uma comunidade jurídica a norma ou as normas que determinam como, isto é, por qual órgão e em qual processo – por meio de consciente imposição jurídica, em especial da legislação ou do costume – as normas jurídicas gerais configuradoras da sociedade devem ser criadas […]” (“Versteht man unter der Verfassung einer Rechtsgemeinschaft die Norm oder die Normen, die bestimmen, wie, das heißt von welchen Organen und in welchen Verfahren – durch bewusste Rechtssatzung, insbesondere Gesetzgebung, oder Gewohnheit – die generellen Normen der die Gesellschaft konstituirenden Rechtsordnung zu erzeugen sind […]”.
[16] Kelsen, Hans. Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit. In: _____. Wer soll der Hüter der Verfassung sein?. Tübingen: Mohr Siebeck, 2008, p. 1-57 (6-7) = Veröffentlichungen der Vereinigung der Deutschen Staatsrechtslehrer – Verhandlungen der Tagung der Deutschen Staatsrechtslehrer zu Wien am 23. und 24. April 1928. Berlin: de Gruyter, 1929, p. 30-88 (36): “Es ist die Regel, die das Zustandekommen der Gesetze bestimmt, der generellen Normen, in deren Vollziehung die Tätigkeit der staatlichen Organe, und zwar der Gerichte und Verwaltungsbehörden erfolgt. Dies: die Regel für die Erzeugung der die staatliche Ordnung vor allem bildenden Rechtsnormen, die Bestimmung der Organe und des Verfahrens der Gesetzgebung, ist der eigentliche, ursprüngliche und engere Begriff der Verfassung”.
[17] Questão diversa consiste em determinar o termo inicial do prazo aludido, quando a hipótese de incidência não for de índole instantânea, mas apurável em períodos. Isso contudo não se compreende nos limites do tema proposto. Tudo indica, entretanto, que o termo inicial recai no término do período de apuração, ainda que o contribuinte já disponha do interesse para o mandado de segurança preventivo, no início daquele intervalo.
[18] Kelsen, Hans. Allgemeine Theorie der Normen. Wien: Manzsche, 1979, p. 90-92.
[19] Kelsen. Allgemeine Theorie der Normen (nota 18), p. 91.
[20] Kelsen. Allgemeine Theorie der Normen (nota 18), p. 90.
[21] Kelsen. Reine Rechtslehre (nota 5), p. 35 e segs., por ex.
[22] Kelsen, Allgemeine Theorie der Normen (nota 18), p. 92.
[23] Kelsen, Allgemeine Theorie der Normen (nota 18), p. 92.
[24] Kelsen, Allgemeine Theorie der Normen (nota 18), p. 92.
[25] Schlaich, Klaus; Korioth, Stefan. Das Bundesversfassungsgericht. 10. Aufl. München: Beck, 2015, p, 113, nº 137; Pestalozza, Christian. Verfassungsprozessrecht. 3. Aufl. München: Beck, 1991, p. 207-209, em especial nº 14, para o retrato da jurisprudência do TCF.
[26] Schlaich; Korioth, Das Bundesversfassungsgericht (nota 25), p. 113, nº 137.