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Há uma tendência no Supremo Tribunal Federal (STF) de ampliar as matérias em que é afastada a competência da Justiça do Trabalho, sob o argumento de que a Constituição não exclui a possibilidade de outros tipos de relação de emprego. Esse foi o entendimento alcançado por um estudo lançado na última quinta-feira (2/5) acerca das decisões monocráticas em reclamações no STF que versam sobre a temática de reconhecimento de vínculo de emprego. A pesquisa foi realizada pelo Núcleo de Extensão e Pesquisa ”O Trabalho além do Direito do Trabalho” (NTADT), vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), em parceria com a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
No conjunto de decisões referentes ao vínculo empregatício analisadas pelo estudo, o núcleo selecionou sete eixos correspondentes às hipóteses mais emblemáticas e recorrentes na jurisprudência do STF, sendo eles: transportadores autônomos de carga, trabalhadores por demanda (on demand), advogados associados, representantes comerciais, trabalhadores parceiros em salões de beleza, terceirização de mão de obra e profissionais liberais pejotizados. Confira o relatório da pesquisa na íntegra.
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Na abertura da 21ª edição do Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat), a presidente da Anamatra, Luciana Conforti, declarou que a Justiça do Trabalho ”não resiste a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), tampouco pode-se falar em crise institucional”. Segundo ela, o instituto das reclamações constitucionais não pode ser utilizado sem o esgotamento dos recursos nas instâncias ordinárias, como supedâneo recursal.
Para Conforti, as reclamações têm sido usadas sem a observância ao essencial requisito da aderência estrita, com o alargamento do cabimento das reclamações constitucionais, principalmente para o alcance sobre matérias não cobertas pelos precedentes, por exemplo, a ‘pejotização’, não abrangida pelo Tema 725 do STF.
Decisões do STF e competência da Justiça do Trabalho
O núcleo analisou 1.039 decisões da Suprema Corte, entre monocráticas e colegiadas, para o período de 1º de julho de 2023 (corte temporal do relatório anterior) a 16 de fevereiro de 2024. Este relatório do grupo de estudos dá continuidade ao debate sobre as decisões do STF, em reclamações constitucionais que tratam sobre o reconhecimento do vínculo empregatício pela Justiça do Trabalho.
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Na análise, os pesquisadores partiram de dados particulares para as contestações gerais, realizando uma abordagem qualitativa e quantitativa para que pudessem, por meio do levantamento estatísticos das decisões destacadas, descrever os fenômenos observados. O grupo destacou que, embora a jurisprudência do STF exige a existência de aderência estrita entre a decisão reclamada e o paradigma indicado, em muitas das reclamações analisadas o requisito foi flexibilizado para afastar a competência da Justiça do Trabalho. É o que o ministro Edson Fachin tem apontado também em decisões em que passou a negar estas reclamações.
O estudo reportou que em 52% delas houve revolvimento de fatos e provas, indicando um uso atípico das reclamações constitucionais. O dado também esclarece que o critério utilizado para tal foi a utilização de fatos e provas do processo no corpo dos próprios fundamentos da decisão, descartando-se os julgados em que houve simples citação das decisões de origem contendo tais elementos.
Como exemplo, menciona que na RCL 59.795, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, evidencia-se, ainda, que o STF revolveu fatos e provas para concluir que a Justiça do Trabalho não seria competente para examinar ação cuja causa de pedir e pedido são relativos ao reconhecimento de vínculo empregatício entre trabalhador e plataforma de intermediação de mão de obra.
Já em 65% dos 1.039 casos analisados, os pesquisadores observaram que houve devolução dos autos para novo julgamento na origem ou apreciação pelo STF do mérito, revelando um alto índice de procedência das reclamações ajuizadas. No que diz respeito ao afastamento da competência da Justiça Trabalhista, houve uma resposta positiva em 21% do total de decisões analisadas, constando hipóteses de determinação de remessa dos autos para a Justiça Comum, o que sugere, na visão dos pesquisadores, a supressão de competências materiais históricas da Justiça do Trabalho.
Com relação aos transportadores autônomos de carga, o estudo observou que das 114 reclamações constitucionais, 100% delas foram utilizadas como sucedâneo recursal – todo meio de impugnação de decisão judicial que nem é recurso nem é ação de impugnação. Ou seja, todos os casos eram passíveis de recurso para a própria Justiça do Trabalho ou ao próprio STF por meio de recurso extraordinário.
Verificou-se que, em 75% dos casos, o equivalente a 85 decisões das 114 examinadas, houve o reexame de fatos e provas pelo Supremo; o mérito relativo à existência de vínculo empregatício foi apreciado em 61% dos casos, ou 69 decisões das 114 avaliadas, e houve afastamento da competência da Justiça do Trabalho e remessa imediata à Justiça Comum para julgamento dos demais pedidos em 67% dos casos, ou 76 decisões das 114 avaliadas.
Nos casos analisados, a competência da Justiça do Trabalho apenas não foi afastada nas reclamações em que os ministros do STF negaram seguimento à reclamação constitucional.
No caso dos trabalhadores por demanda em plataformas digitais, foram analisados 17 processos, sendo 15 reclamações constitucionais, 1 recurso extraordinário e 1 agravo em recurso extraordinário. A empresa Cabify manejou 4 dos 17 processos, assim como a empresa Magalu. Desse quantitativo, quanto à competência da Justiça do Trabalho, em 3 reclamações (de um total de 15), a competência da Justiça do Trabalho foi afastada com envio à Justiça Comum.
Quanto à apreciação do mérito pelo STF, em 6 reclamações (de um total de 15), os ministros devolveram para julgamento para a origem e em dois casos julgou-se o mérito (relatorias do ministro Cristiano Zanin e ministro Gilmar Mendes). A pesquisa notou que, em quase todos os processos, os precedentes suscitados foram ADPF 324, RE 958.252 (terceirização), ADC 48 (transportador autônomo de cargas).
Já quanto aos casos de terceirização de mão de obra, foram analisadas 212 decisões monocráticas proferidas em reclamações constitucionais e 33 acórdãos de Turmas do STF. No quesito de ‘pejotização’, os pesquisadores observaram que os processos subsumidos às RCLs, oriundos da Justiça do Trabalho, tiveram o seu “iter” probatório devidamente respeitado, no qual se verificou a utilização do fenômeno da “pejotização” como via oblíqua de sonegar direitos trabalhistas, por meio de uma fraude perpetrada, em última “ratio” a toda uma sociedade.
”Embora os casos analisados tenham sido devidamente julgados com a produção probatória farta na Justiça do Trabalho e, portanto, devidamente identificados os requisitos presentes dos artigos 2º e 3º da CLT, o que pressupõe fraude na contratação pela via da terceirização, o STF tem ignorado tais questões e se imiscuído na competência da Justiça do Trabalho, acabando por, esvaziar sua competência material”, aponta o estudo.
O estudo ainda considera que as decisões que determinam o retorno dos autos à origem para que outra decisão seja proferida com base nos precedentes mencionados ”esvazia a competência da Justiça do Trabalho, posto que ignora os preceitos basilares nos quais deita as raízes do Direito do Trabalho”.
”O que se denota das análises, é que o STF não tem respeitado sua própria Jurisprudência e regimento interno, tendo a ADPF 324 e o Tema 725, servido como parâmetro para recebimento das reclamações sob o argumento de desrespeito ao já decidido pelo STF”, afirma o documento.